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Para manter uma rotina saudável, o que comemos desempenha um papel crucial.

Não só porque os alimentos têm o poder de nos fazer ganhar ou perder peso, dormir melhor e mudar nosso humor, mas também porque suas refeições podem ditar o quão bem você vai praticar atividades físicas, incluindo quanta energia você terá para treinar e como seu corpo vai se recuperar depois.

Para quem pratica alguma modalidade esportiva, o pré-treino, refeição feita logo antes de começar o exercício, pode ser visto como um passo importante para alcançar bons resultados, como emagrecimento ou melhora da performance.

Mas, de acordo com especialistas entrevistadas pela BBC News Brasil, esse pré-treino serve mais para garantir saciedade e manter os níveis de energia.

“O que você consome antes do treino não faz ‘grandes milagres’. Essa refeição ou lanche serve, na verdade, só para te manter bem o suficiente para o exercício”, explica Julia Engel, nutricionista esportiva e host do podcast Em Busca da Performance.

Segundo a especialista, o que realmente importa para ter uma boa performance – seja ao levantar pesos, correr ou outros tipos de atividade – é o que você comeu no seu último “pós-treino”, a refeição feita depois do treino do dia anterior.

A nutricionista afirma que “o pré-treino inicia-se no pós-treino anterior”, porque é nesse momento que o corpo repõe o glicogênio, a reserva de glicose (o carboidrato mais básico que nos proporciona energia para atividades).

O combustível para o treino

A glicose e o glicogênio são carboidratos essenciais para quem precisa de energia para praticar exercícios, mas desempenham papéis diferentes no organismo.

O glicogênio fica armazenado nos músculos (e no fígado, mas essa parcela não será usada nos treinos) esperando a hora em que o corpo se move e precisa de um gás extra.

Ao “guardar” a máxima quantidade possível, o corpo consegue um estoque suficiente para usar no treino sem depender da refeição mais recente.

“Para que esse armazenamento aconteça, uma refeição especificamente planejada para o pós-treino deve ser consumida em até quatro horas após o exercício.”

Engel cita como boa opção de consumo os carboidratos de rápida absorção, preferencialmente uma combinação de glicose e frutose.

“Essa mistura permite uma absorção mais rápida, utilizando transportadores diferentes. Alguns exemplos são: o cereal de milho (rico em frutose) e a batata, que contém bastante amido (glicose) e uma porção de uvas-passas (que contém glicose e frutose)”, diz Engel.

A escolha e a quantidade exata dos alimentos, aponta a nutricionista Jamile Tahim, mestre pela UECE (Universidade Estadual do Ceará), precisa contemplar aspectos como idade, taxa metabólica basal (quantidade de calorias que o corpo precisa para fazer suas funções básicas enquanto está em repouso), peso, a modalidade, o tempo e a intensidade dos exercícios.

Nas horas seguintes ao treino, o consumo de proteína – seja através de alimentos ou suplementos – também é crucial para promover a síntese muscular, acelerando a recuperação e o crescimento dos músculos.

Já o consumo de fibras, como grãos integrais, vegetais e folhas verdes, explica Julia Engel, podem atrapalhar a absorção rápida dos carboidratos, e por isso, deve ser feito pelo menos duas horas após esse consumo de glicose e frutose.

Mas ter uma boa reserva fisiológica para a prática de exercicio físico não significa que você não deve comer pouco antes de treinar ou que a refeição feita algumas horas antes pode ser composta por qualquer alimento.

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O que comer logo antes do treino

O pré-treino “imediato”, que deve ser consumido entre 3 horas até 15 minutos antes do treino, a depender da quantidade de alimentos e necessidades individuais, tem como objetivo evitar a sensação de fome e manter a glicemia, o nível de glicose no sangue.

A glicose consumida por meio dos alimentos é levada pelo sangue até as células musculares. Lá, ela se transforma em ATP, que é a principal fonte de energia do corpo.

O ideal, segundo especialistas, é que a orientação seja sempre individualizada, levando em conta as características de cada pessoa, seus gostos e o nível de prática de atividade física.

Mas, de forma geral, a nutricionista Jamile Tahim recomenda que a última refeição antes do exercício contenha baixas quantidades de fibras e gorduras, uma quantidade adequada de proteínas e uma concentração maior de carboidratos.

Isso porque o consumo de gorduras, fibras e proteínas aumentam o tempo de esvaziamento do sistema gástrico, o que consequentemente atrasa o processo de eliminação das fezes, e isso pode prejudicar a performance no exercício, explica Tahim.

“Já o consumo de fontes de carboidrato deve ser priorizado, porque as fontes desse macronutriente passam por um processo de digestão mais rápido e também são a principal fonte de energia para nosso organismo.”

As nutricionistas consultadas pela reportagem explicam que, se o treino for no início da manhã, é necessário pensar em algo que mantenha a pessoa com energia.

Nesse caso, é aconselhável optar por alimentos de rápida digestão para manter a glicemia.

Por outro lado, se o treino for à tarde ou à noite e a pessoa já tiver ingerido diferentes alimentos nutritivos ao longo do dia, a abordagem pode ser diferente, e vai depender de cada caso.

A nutricionista Jamile Tahim descreve alguns exemplos:

Treinos de manhã

  • Iogurte natural com frutas e um fio de mel
  • Salada de frutas com granola
  • Suco de laranja com beterraba e gengibre
  • Suco de uva integral
  • Tâmaras
  • Banana

Treinos à tarde

  • Sanduíche com queijo magro, ovo, frango ou atum
  • Banana assada com fatia de queijo magro e canela a gosto
  • Vitamina de frutas
  • Açaí
  • Doce de leite

Treinos à noite

  • Omelete com farinha de aveia e frango ou carne
  • Vitamina de frutas
  • Batata-doce ou batata-inglesa com frango
  • Tapioca com ovo

Para treinos intensos de longa duração, como corridas ou pedaladas que superam uma hora, Engel aponta ser necessário ingerir carboidrato durante a atividade, o que geralmente é feito por meio de géis, mas também pelo consumo de alimentos.

“Em sessões de até duas horas, a ingestão de 30 a 60g de carboidratos por hora pode ser suficiente”, diz a nutricionista.

Em treinos acima de três horas, feitos por atletas de alta performance, pode ser necessário aumentar para aproximadamente 90g de carboidratos por hora, segundo Engel.

“É fundamental treinar o corpo para absorver essas quantidades, pois a adaptação é necessária para garantir uma absorção eficaz.”

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Legenda da foto,

Frutas secas, como uvas-passas, são opções de alimento ricos em açúcares naturais (frutose, glicose e sacarose) e de fácil armazenamento

Uma pessoa pode exercitar-se sem comer antes, mas apenas se não estiver com fome, explicam as especialistas.

“Uma boa forma de ilustrar é o hábito de praticar exercícios em jejum: se a pessoa acorda sem fome, tendo feito um bom estoque no dia anterior, pode se exercitar”, diz Engel.

“Mas, se estiver com fome, não é ideal, porque isso gera estresse desnecessário para o corpo.”

O importante é prestar atenção nos sinais que o corpo está dando.

Evitar comer antes do treino ou consumir porções pequenas demais, o que pode fazer alguém sentir fome durante o exercício, pode prejudicar não só o desempenho esportivo, mas também a saúde.

“Algumas pessoas começam a atividade física com fome, acreditando erroneamente que a sensação desaparecerá durante o exercício”, diz a nutricionista.

Exercitar-se com fome pode fazer com que a pessoa fique fatigada de forma mais rápida devido à baixa disponibilidade de glicogênio.

Os sintomas em si também podem prejudicar o treino: sem “combustível” suficiente, tontura, fraqueza e desconfortos gastrointestinais como enjoo e náuseas podem surgir.

Além disso, a falta de combustível pode levar à perda de massa muscular, uma vez que o corpo pode começar a buscar energia no tecido muscular.