- Author, Redação
- Role, BBC News Mundo
O grupo radical sunita publicou um vídeo do ataque como evidência da autoria, e os Estados Unidos deram credibilidade à mensagem, já que dias antes haviam alertado seus cidadãos na Rússia para evitarem espaços públicos devido à ameaça de um ataque “extremista”.
Washington garante que alertou Moscou, que se mantém em silêncio, mas os detalhes da advertência são desconhecidos num momento de máxima tensão entre os dois países em decorrência da guerra na Ucrânia..
A Rússia apresentou no domingo (24/3) quatro suspeitos de autoria do ataque, que deixou pelo menos 137 mortos e mais de 100 feridos — eles foram acusados perante o tribunal de “cometer atos de terrorismo”.
Testemunhas disseram à BBC que pessoas vestidas de marrom invadiram o Crocus City Hall, pouco antes das 20h de sexta-feira, abriram fogo com rifles de assalto e lançaram coquetéis molotov contra a plateia de um show da banda de rock Picnic.
O ataque causou um incêndio no auditório. Parte do telhado desabou e o fogo se deslocou para a parte da frente do Crocus City Hall, destruindo os dois andares de cima.
O governo da Rússia ainda não ofereceu uma versão oficial sobre quem poderia estar por trás do ataque — e os canais de propaganda russos alegaram que a declaração do Estado Islâmico era falsa.
As autoridades ainda não especificaram se os quatro suspeitos apresentados perante o tribunal no domingo pertencem ao Estado Islâmico, tampouco as possíveis razões do atentado.
Dada a incerteza, vários analistas explicam por que a Rússia seria um alvo do Estado Islâmico — e quão plausível é que a organização tenha cometido o ataque no auditório.
O fator Talebã
O Estado Islâmico tem um histórico violento de ataques contra a Rússia. Em 2015, o grupo assumiu a responsabilidade pela explosão de um avião russo que decolava do Egito transportando 224 pessoas. Em 2022, a organização atacou a embaixada russa em Cabul, matando dois diplomatas russos e quatro afegãos.
Entre as reivindicações históricas do grupo contra o Kremlin estão as guerras no Afeganistão e na Chechênia. Atualmente, a organização condena os ataques russos contra suas forças na Síria e na África Ocidental.
“A participação da Rússia em operações contra o Estado Islâmico e seus aliados, especialmente na Síria, e as tentativas de estabelecer vìnculos com os talebãs, fazem da Rússia um adversário chave”, explica Amira Jadoon, professora da Universidade de Clemson, nos Estados Unidos, e coautora do livro The Islamic State In Afghanistan And Pakistan (“O Estado Islâmico no Afeganistão e no Paquistão”, em tradução livre).
O ataque ao auditório é atribuído à célula afegã do Estado Islâmico que se originou na província de Khorasan, no leste do Afeganistão. Este grupo surgiu em 2015 na região onde uma vez se escondeu Osama bin Laden.
A princípio, seus alvos eram principalmente locais: a comunidade xiita do Afeganistão, que o Estado Islâmico considera herege, e o movimento Talebã, que foi criticado por sua participação nas negociações de paz com os Estados Unidos.
Mas agora o motivo mais convincente para o ataque do grupo extremista de Khorasan contra a Rússia seria o fator Talebã.
“Os talebãs são o pior inimigo do Estado Islâmico, e esta organização considera a Rússia amiga do Talebã”, afirma Michael Kugelman, diretor do Instituto do Sul da Ásia no Wilson Center, com sede em Washington.
Recentemente, a célula afegã do Estado Islâmico decidiu expandir suas fronteiras, o que especialistas citados pelo Wall Street Journal consideram como prova de que “a organização terrorista está abandonando seu berço, a Síria e o Iraque, onde sofreu uma derrota total”.
“A incursão na Rússia se encaixa neste padrão, sobretudo considerando que os serviços de inteligência de vários países ocidentais alertaram recentemente sobre possíveis ataques terroristas em seus territórios”, avalia Lucas Webber, cofundador do centro de pesquisa de conflitos militares Militant Wire.
Inimigos da fé muçulmana
A propaganda do Estado Islâmico nos últimos anos retratou o presidente russo, Vladimir Putin, como um inimigo dos muçulmanos — e uma fonte de perseguição contra eles na Rússia e no exterior.
“A luta dos Estados Unidos e do mundo democrático com potências autoritárias (Rússia, Irã e China) se intensificou em meio às guerras na Ucrânia e em Gaza. Mas para o Estado Islâmico, todos são inimigos da fé muçulmana, e todos devem ser destruídos”, escreveram dois especialistas em Estado Islâmico no Wall Street Journal.
“A estratégia do Estado Islâmico é atacar não com muita frequência, mas com precisão”, explica Riccardo Valle, especialista em islamismo e diretor do centro de estudos Khorasan Diary, em Islamabad, no Paquistão.
“O objetivo é projetar uma imagem de resiliência para atrair seguidores.”
“O Estado Islâmico está disposto a esperar pacientemente pelo momento certo para atacar”, acrescenta.
“Hoje eles estão em Moscou. Há pouco tempo, estiveram no Irã. Haverá mais ataques, possivelmente em outras capitais”, afirma o analista militar Murat Aslan, que é ex-coronel do Exército turco, à rede Al Jazeera.
A suposta rejeição por parte das autoridades russas de migrantes da Ásia Central que vão para a Rússia como mão de obra pode ser outro fator que influenciou o ataque.
Embora os migrantes tentem aproveitar as oportunidades de emprego deixadas pela mobilização de civis para lutar na guerra na Ucrânia, muitas vezes eles não falam bem russo — e são maltratados ou atacados pela polícia.
“A atitude das autoridades em relação aos migrantes certamente contribui para a radicalização do Estado Islâmico”, disse Kadyr Toktogulov, ex-embaixador do Quirguistão em Washington, ao Wall Street Journal.
Novas pautas
No dia seguinte ao ataque, o Estado Islâmico emitiu uma nova declaração reivindicando a responsabilidade pelo que aconteceu na casa de shows.
A agência de notícias Amak, supostamente ligada ao grupo extremista, publicou uma foto que parece mostrar quatro participantes no ataque. Seus rostos aparecem meio cobertos por máscaras e desfocados por um filtro fotográfico.
Mas, segundo Mina Al-Lami, especialista da BBC em grupos extremistas, a mensagem não menciona qual departamento regional preparou e executou o ataque.
Na declaração sobre o Crocus City Hall, diz apenas: “Rússia”.
Al-Lami adverte que a falta de menção ao braço regional é uma prática comum do Estado Islâmico. Neste caso, pode indicar que a organização está tentando proteger sua célula na Rússia da atenção das forças de segurança.
Ou pode até mesmo significar que o braço regional não participou do ataque.
Os canais russos pró-governo também chamaram a atenção para a falta de menção ao braço regional do grupo. Por isso, consideram a declaração falsa — e preferem apontar o dedo para a Ucrânia, algo que Kiev nega.
Em janeiro de 2024, quando o Estado Islâmico assumiu a responsabilidade pelos ataques na cidade iraniana de Kerman, também não identificou o braço regional que executou o atentado.
Al-Lami afirma que há muitos elementos em comum entre o ataque à casa de shows nos arredores de Moscou e o ataque de janeiro em Kerman.
Em primeiro lugar, o número de vítimas — mais de 100 mortos na Rússia, e aproximadamente 100 no Irã. Em segundo lugar, o fato de ambos terem sido cometidos em países onde a organização não tem presença significativa, membros ativos ou base de apoio.
Os suspeitos
Os suspeitos acusados de realizar o ataque nos arredores de Moscou foram identificados pelas autoridades russas como Dalerdzhon Mirzoyev, Saidakrami Murodali Rachabalizoda, Shamsidin Fariduni e Muhammadsobir Fayzov.
Quando compareceram ao tribunal no domingo, Mirzoyev e Rachabalizoda estavam com hematomas nos olhos, e a orelha de Rachabalizoda estava enfaixada. As autoridades disseram que a mesma foi parcialmente cortada durante a prisão.
Já Fayzov foi levado ao tribunal em uma cadeira de rodas — e parecia estar sem um olho, segundo a agência de notícias Reuters. O rosto de Fariduni, por sua vez, estava muito inchado.
Os especialistas concordam que o Estado Islâmico e seus apoiadores vão ver os ataques deste ano na Rússia e no Irã como uma grande jogada de marketing destinada a ajudar a organização a recuperar sua imagem como uma ameaça global e a alavancar seus esforços de recrutamento.
“Apesar destes ataques, este é um ano difícil para o Estado Islâmico, repleto de fracassos”, acrescenta Mina Al-Lami.
Fonte: BBC
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