• Leandro Machado
  • Da BBC News Brasil em São Paulo

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Nagan morreu no dia 31 de dezembro

A morte do leão Nagan, que estava em um zoológico na cidade de Americana, no interior de São Paulo, está causando revolta em advogados, veterinários e ativistas dos direitos dos animais.

Sob suspeita de negligência e maus tratos, a morte de Nagan chegou à Justiça paulista em uma tentativa de se descobrir o que de fato aconteceu com o felino.

O imbróglio ainda está no início, mas já envolveu uma disputa até pela necropsia do animal. O Ministério Público também foi acionado, e deve iniciar uma investigação sobre o caso.

Nagan morreu no dia 31 de dezembro de 2022 nas dependências do Parque Ecológico de Americana, um zoológico público administrado pela prefeitura do município, que fica a 126 quilômetros da capital.

No mesmo dia, a prefeitura divulgou uma nota afirmando que Nagan, que tinha 24 anos, havia morrido de velhice.

Segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza, a expectativa de vida para leões em cativeiro é justamente de 24 anos.

Porém, segundo veterinários que acompanharam a necropsia, o leão estava desnutrido e bastante debilitado, além de ter vários tumores espalhados pelo corpo e feridas infestadas por larvas de moscas.

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O Leão Nagan foi encontrado morto no zoológico municipal de Americana

Nesta quinta-feira, a BBC News Brasil procurou a gestão do prefeito Chico Sardelli (PV), mas a prefeitura respondeu que só vai se pronunciar após a divulgação do laudo oficial da necropsia, o que só deve acontecer em 40 dias.

O caso começou em 24 de outubro, quando a consultora e ativista Mirella Cecchini se mudou para uma casa vizinha ao zoológico de Americana.

“No primeiro dia comecei a ouvir um leão rugindo. Até aí, normal. Mas ele rugia muitas horas sem parar. Achei esquisito e resolvi procurar o zoológico”, conta.

Segundo ela, uma veterinária do estabelecimento respondeu que estava tudo bem com Nagan.

“Ela me disse que ele estava bem de saúde e que rugir o dia todo era normal para um leão idoso, como se fosse um gatinho. Ela disse que ele recebia a melhor alimentação do mundo, que estava tudo de acordo com as normas do Ibama e pediu que eu ficasse tranquila”, conta.

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Nagan tinha 24 anos quando morreu, em dezembro. Essa é uma imagem da época em que chegou no zoológico de Americana

Mirella não conseguiu ver Nagan nessa primeira visita. Mas os rugidos continuaram nos dias seguintes, e ela, desconfiada e preocupada, decidiu voltar ao zoológico em 21 de dezembro.

“Quando o vi, fiquei sem palavras com a situação. Ele estava muito magro, só pele e osso. Ficou um tempão deitado, sem se movimentar, sem força. Mal conseguia andar, às vezes se arrastava”, conta ela, que gravou dois vídeos e tirou fotos de Nagan.

As imagens foram divulgadas nas redes sociais, gerando comoção e revolta entre ativistas da causa animal.

Mirella conta ter procurado a prefeitura no dia 21 de dezembro. Alguns funcionários disseram para ela não se preocupar, e que Nagan estava bem.

No entanto, poucas horas antes da virada do ano, ela soube que o leão tinha morrido.

Disputa pela necropsia

Aconselhada por ativistas e veterinários, Mirella decidiu procurar a Justiça para tentar descobrir o que tinha acontecido. “Passei o réveillon dedicada ao Nagan”, conta.

Ela, a veterinária Priscilla Sarti e a Associação Protetora dos Animais de Americana entraram com uma ação pedindo que a necropsia do animal não fosse realizada por técnicos da prefeitura.

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Nagan estava muito magro antes de morrer, aponta moradora que viu o animal

“Para mim estava claro que a necropsia deveria acontecer na USP, que é uma universidade pública com muita experiência nesses procedimentos com grandes felinos”, explica Sarti, que é especialista em felinos silvestres.

O juiz André Pereira de Souza, que estava de plantão, decidiu que não era necessário levar o corpo para a USP, mas que o procedimento só poderia ser realizado com acompanhamento da veterinária.

A necropsia aconteceu no dia 10 de janeiro no hospital veterinário da Faculdade de Americana (FAM), instituição particular de ensino que tem parcerias com a prefeitura de Americana – segundo pessoas que acompanharam o caso, a gestão insistiu para que a necropsia fosse realizada na faculdade.

Quando entrou na sala, Sarti percebeu que o corpo de Nagan já havia passado por procedimentos: a cabeça e duas pernas tinham sido removidas.

“Já achei esquisito o corpo ter sido modificado antes da necropsia, porque isso poderia alterar o resultado do exame”, diz.

Segundo Jorge Salomão, diretor técnico do hospital veterinário da FAM, o corpo foi modificado por funcionários da prefeitura. “O que disseram para a gente foi que a cabeça e os membros foram retirados para caber no freezer do zoológico”, disse.

Já a prefeitura de Americana não respondeu aos questionamentos da reportagem.

A necropsia foi feita pela patologista Josemara Neves Cavalcanti, que trabalha na FAM.

O corpo continua no hospital da faculdade. E ativistas agora vão entrar na Justiça para tentar realizar uma contraprova sobre a causa da morte.

A veterinária Priscila Sarti, que acompanhou o procedimento, afirma que o estado de Nagan “era chocante”.

“Ele tinha um tumor na boca e outro na mandíbula, ambos visíveis. Havia vários cistos no fígado, um deles do tamanho de uma mão. O queixo e parte do pescoço tinham sido comidos por larvas de moscas, as chamadas bicheiras. Dava para ver a musculatura. Ele estava tão magro que não tinha gordura, era pele e osso”, explica.

Para ela, Nagan pode ter ficado meses ou até anos doente e sem tratamento médico ou medicação.

“Ele sofreu por muito tempo, com muita dor. Como ele não passava por exames ou tratamento, o estado dele foi se agravando. Estava tão doente que não conseguia mais comer e por isso ficou desnutrido, não tinha força para levantar, ficava se arrastando”, diz.

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Nagan tinha tumores e cistos pelo corpo

Segundo Salomão, que também acompanhou a necropsia, não é possível afirmar qual foi a causa da morte antes do laudo definitivo.

Ele afirma que, dois dias antes, em 29 de dezembro, ele tratou Nagan a pedido da prefeitura. O animal foi sedado e medicado. As larvas, diz, foram retiradas em grande quantidade.

O veterinário, também especialista em felinos, confirmou que o leão tinha uma série de problemas graves de saúde, como tumores e cistos, mas atribui parte deles à idade avançada.

“Ele tinha hepatopatia (doenças no fígado), alterações nos rins e tumores. Alguns desses problemas se devem à idade, e são comuns em felinos domésticos. Ele tinha 24 anos, e infelizmente não tem muito o que fazer”, explica.

Segundo ele, a FAM não cobrou pelo atendimento. “Nós atuamos quando somos chamados”, explica.

Salomão conta que examinou Nagan em julho de 2020, quando foi constatado as doenças hepáticas. “Nós recomendamos um tratamento com medicamentos, mas ele foi tocado pelo próprio zoológico”, diz.

A prefeitura não respondeu se o leão estava recebendo algum tipo de tratamento.

Para Antilia Reis, advogada ativista da causa animal e que assumiu o caso de Nagan, a história do leão de Americana é um exemplo do sofrimento de muitos animais que vivem em zoológicos.

Filhotes

Nagan chegou em 2015 ao Parque Ecológico de Americana, que tem cerca de 400 animais, e cobra R$ 4 pelo ingresso.

Uma reportagem do Estado de S. Paulo, publicada em dezembro de 2006, conta que Nagan era o pai de dois leõezinhos que nasceram no Horto Municipal de São Vicente, no litoral paulista.

Kiara, de 3 anos, era a mãe.

Ele já havia sido pai antes. O filhote se chamava Natan.