Crédito, Agência Brasil

Legenda da foto,

Pardos se tornam maior grupo populacional do país, enquanto autodeclarados brancos e amarelos recuam

  • Author, Thais Carrança
  • Role, Da BBC News Brasil em São Paulo
  • Twitter, @tcarran

Com isso, a proporção de pretos no total da população avançou de 7,6% para 10,2%.

Ao mesmo tempo, os autodeclarados pardos superaram os brancos pela primeira vez no Censo.

Em 2022, 92,1 milhões de brasileiros (45,3% do total) se declararam pardos, ante 88,3 milhões de brancos (43,5%). Em 2010, 47,7% da população dizia ser branca e 43,1%, parda.

Entre 2010 e 2022, a população brasileira cresceu 6,5%, passando de 190,8 milhões para 203,1 milhões.

A mudança do perfil étnico-racial dos brasileiros confirma tendência já conhecida através da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), pesquisa amostral realizada mensalmente pelo IBGE nos domicílios.

Ela também dá continuidade a um processo já observado de “escurecimento” da população brasileira, com número crescente daqueles que se autodeclaram pretos e pardos, o que, segundo analistas, é fruto de questões demográficas, mas também do avanço da valorização da negritude na sociedade.

Essas são algumas das novidades divulgadas pelo IBGE, que nesta sexta-feira (21/12) publica o material Censo Demográfico 2022: Identificação étnico-racial, por sexo e idade – Resultados do universo. Trata-se da quinta divulgação de dados coletados pelo último Censo.

Leia também:

Outras tendências reveladas pelo instituto são a queda no número de autodeclarados brancos (-3,1%) e o envelhecimento desta parcela da população.

Uma mudança metodológica também levou a recuo acentuado da parcela da população que se declara amarela (-59,2%), termo usado pelo IBGE para as pessoas de origem oriental (japonesa, chinesa, coreana etc).

Confira cinco novidades sobre o perfil étnico-racial dos brasileiros reveladas pelo Censo 2022.

1. Pardos superam brancos e se tornam maior grupo

“Nos censos demográficos, é a primeira vez que temos essa inversão “, observa Marta Antunes, responsável pelo projeto de Povos e Comunidades Tradicionais do IBGE.

“Essa é a grande mudança da estrutura [étnico-racial do país] que apresentamos com esses dados de 2022.”

O IBGE trabalha desde o Censo de 1991 com cinco categorias de cor ou raça: branca, preta, amarela, parda e indígena.

O instituto considera como parda a pessoa que se declara assim ou que se identifica com a mistura de duas ou mais opções de cor ou raça, incluindo branca, preta, parda e indígena.

O movimento negro brasileiro costuma agrupar pretos e pardos na categoria “negros”. Trata-se de uma estratégica histórica para fortalecer a luta por direitos para esse grupo, apoiada na visão de que pardos também são vítimas do racismo.

O IBGE, no entanto, não utiliza a nomenclatura “negro”, tratando pretos e pardos como categorias separadas.

Antunes observa que essa opção se deve ao fato de que, para o IBGE, os pardos não são apenas pessoas com ascendência africana, mas também descendentes de outros grupos étnico-raciais existentes no Brasil, como os indígenas.

A luta do movimento negro por direitos e contra o racismo está, no entanto, diretamente relacionada ao aumento do número de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, observa Mario Theodoro, autor do livro A sociedade desigual: Racismo e branquitude na formação do Brasil (Zahar, 2022).

“Nos últimos anos, com o advento do movimento negro, da militância negra e com uma certa valorização da imagem do negro que foi dada a partir dos anos 1980 e 1990, uma série de pessoas que antes se declaravam brancas passaram a assumir sua negritude ao se declararem como pardas”, observa o economista.

O especialista destaca ainda que muitos que antes se declaravam pardos passaram a se declarar como pretos, em função da maior valorização do negro dentro da história e da cultura do país, um resultado também da militância negra, no entendimento do especialista.

Theodoro observa que há também um componente demográfico nesse “escurecimento” da população brasileira.

Isso porque pretos e pardos tendem a ter mais filhos do que os brancos, por questões culturais, mas principalmente pelo fator renda.

Pretos e pardos são maioria entre os mais pobres e menos escolarizados, e essa parcela da população tem taxa de fecundidade maior do que os mais ricos.

“Mas esse crescimento [no número de autodeclarados pretos e pardos] nos últimos anos é muito maior do que a questão demográfica, então a explicação precisa levar em conta essa mudança de mentalidade, de as pessoas cada vez mais admitirem sua negritude.”

Michael França, coordenador do Núcleo de Estudos Raciais do Insper e autor do livro Números da discriminação racial (Jandaíra, 2023), acrescenta que a miscigenação também é um fator relevante para o aumento da população que se declara parda.

O avanço dessa parcela da população se reflete ainda na composição étnico-racial dos municípios.

Em 3.245 municípios brasileiros (58,3% do total), pardos são o grupo étnico-racial predominante, com destaque para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, além do norte dos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo.

Outros 2.283 municípios (41%) têm predominância branca, notadamente no Sul e Sudeste.

Indígenas predominam em 33 municípios (0,6%) e pretos em apenas 9 (ou 0,1% do total). Não há municípios com predominância de pessoas de cor ou raça amarela.

2. População preta cresce 42%

Isso é resultado de uma mudança metodológica, mas também do movimento de recuperação da identidade indígena que tem se fortalecido nos últimos anos.

Agora, o instituto divulga um forte crescimento também em outro grupo étnico-racial: os autodeclarados pretos, com avanço de 42%.

Os motivos aqui são similares aos que explicam o avanço no número de pardos, ou seja, fatores culturais e demográficos combinados.

Além disso, segundo especialistas, há uma ressignificação nas últimas décadas do termo “preto”. Antes visto como pejorativo por parte da sociedade brasileira, o termo tem sido abraçado por muitos na esteira do movimento de valorização da negritude.

França, do Insper, cita a instituição da Lei de Cotas em 2012 — que estabeleceu a reserva de vagas no Ensino Superior para pretos, pardos, indígenas e estudantes de escolas públicas — e o assassinato por policiais do afro-americano George Floyd em 2020, como marcos do debate racial no Brasil.

“Há a formação de uma massa crítica nas universidades, que está produzindo livros e ampliando o debate racial de forma considerável nos últimos anos”, diz França.

“Em meio a isso tudo, há a formação de várias novas lideranças negras, de negros com grande visibilidade no debate público. Isso impacta também o que chamamos de modelos sociais: agora muitas crianças e jovens passam a ter mais referências negras para se espelhar, o que ajuda no processo de formação da identidade e de autodeclaração como negro”, observa o pesquisador.

“No passado, em alguns setores da sociedade, ser chamado de preto era algo até pejorativo, mas com o passar do tempo há essa valorização da identidade negra, que estimula as pessoas cada vez mais a não só se verem como negras, mas valorizarem a própria identidade.”

3. Metodologia muda e população amarela diminui

Se as parcelas preta e parda da população aumentaram entre os censos de 2010 e 2022, a parcela amarela foi na contramão, diminuindo de 2,1 milhões (ou 1,1% do total), para 850 mil (0,4%).

Trata-se de uma redução de 59,2% e isso se deve a uma mudança na metodologia do Censo, explica Marta Antunes, do IBGE.

“O IBGE identificou em estudos um descolamento de parte da população que se declarava amarela, em relação à definição oficial do instituto do que é a cor ou raça amarela”, observa a técnica.

Para endereçar esse problema, no Censo de 2022, o IBGE adotou uma mensagem automática que passou a ser lida pelos recenseadores a todas as pessoas que se declarassem amarelas.

Crédito, IBGE

Legenda da foto,

Mensagem lida pelos recenseadores às pessoas que declararam ser de cor ou raça amarela no Censo 2022

A mensagem dizia: “Considera-se como cor ou raça amarela a pessoa de origem oriental: por exemplo: japonesa, chinesa, coreana. Você confirma sua escolha?”

Com isso, muitas pessoas acabaram mudando sua autodeclaração para outras categorias, o que levou à redução observada nessa parcela da população.

4. Brancos estão mais concentrados entre idosos

A parcela da população brasileira que se declara branca diminuiu em 3,1%, de 99,1 milhões para 88,3 milhões entre 2010 e 2022.

Mas, além desta queda, outro dado chama a atenção: a parcela branca da população é maior entre pessoas acima de 60 anos, enquanto pardos e pretos são mais prevalentes entre os mais jovens.

“A retração da população branca [entre 2010 e 2022] ocorre principalmente nas faixas etárias mais jovens, enquanto o aumento da população parda e preta acontece em todas as faixas etárias”, observa Antunes.

“Essas diferenças precisam ser pensadas a partir de uma multiplicidade de fatores: podem misturar questões demográficas, como natalidade, fecundidade, mortalidade, migração e arranjos familiares, mas também uma multiplicidade de critérios de pertencimento étnico-raciais “, pondera a técnica.

Mario Theodoro observa ainda que, para além da questão demográfica, o discurso da negritude e da valorização do negro tem sido mais absorvido pelas camadas mais jovens da população, que têm mais facilidade de assumir essa nova mentalidade do que as camadas mais velhas.

O Censo 2022 também traz os dados da população por raça ou cor para a Amazônia Legal, região que compreende 772 municípios e quase 59% do território brasileiro.

“Vemos que, na Amazônia Legal, há uma composição étnico-racial muito diferente em relação ao conjunto da população brasileira”, observa Leonardo Athias, analista do IBGE.

Enquanto na população brasileira em geral, há 45,3% de pessoas pardas, na Amazônia Legal esse percentual chega a 65,2%.

Ainda na Amazônia Legal, brancos são 22,3%, pretos 9,9%, amarelos 0,2% e indígenas 2,4% — uma participação bem mais significativa do que na população nacional (0,6%).

Segundo o IBGE, os números são fundamentais, diante da relevância ambiental desse território e da importância das estatísticas étnico-raciais para a elaboração de políticas públicas.