Toda criança brinca, orgulhosa, de saber dizer anticonstitucionalissimamente. Sem nem imaginar que essa palavra (de 29 letras) é um advérbio que significa algo feito de maneira contrária à Constituição. Trata-se da maior palavra não-cientifica da língua portuguesa. Que a maior mesmo refere doença (rara por aqui) do pulmão, de quando se inala pó vulcânico – pneumoultramicroscopicossilicovulcanoconiótico (46 letras). Bem menor que a maior do mundo, a fórmula química da proteína titina, presente no DNA humano: methionylthreonylthreonylglutaminylarginyltyrosylglutamyl-serylleucylphenylalanylalanylglutaminylleucyllysylglutamylargin… (e por aí vai, com 189.819 letras). Impossível de ser registrada. Como é fórmula química, alguns acham que não conta como palavra de verdade. Que ninguém jamais a usará em uma frase. Sendo assim, a campeã mundial tem origem na literatura. Mais precisamente na gastronomia. E refere um prato fictício:
lopadotemachoselachogaleokranioleipsanodrimhypotrim-
matosilphioparaomelitokatakechymenokichlepikossy
phophattoperisteralektryono-
ptekephalliokigklopeleiolagoiosiraiobaphetraganopterygon (182 letras).
Assim está registrado em peça de Aristófanes (447 – 386 a.C.) – dramaturgo grego que, com sátiras, criticava a pompa, os desmandos e a corrupção na sociedade em que viveu. Seus alvos preferidos eram personalidades influentes: políticos, poetas, filósofos, cientistas. Velhos ou jovens. Ricos ou pobres. Já seus heróis eram os que defendiam o passado de Atenas, os valores democráticos tradicionais, as virtudes cívicas e a solidariedade social. Abordou todos os temas importantes da época – a Guerra do Peloponeso (entre Atenas e Esparta), os métodos de educação, as discussões filosóficas, o surgimento da classe média e, sobretudo, o papel da mulher na sociedade. Com esse tema escreveu As Mulheres na Assembleia (ou a Assembleia das Mulheres ou a Revolução das Mulheres), a tal peça (encenada em 392 a.C.) onde está o prato fictício de tantas letras.
A peça fala de um grupo de mulheres, lideradas por Praxágora, que decide convencer os homens a lhes dar o controle de Atenas, na suposição de que governariam melhor do que eles. “É às mulheres que devemos entregar o Governo, da mesma forma que confiamos a elas a direção de nossos lares”. Elas então instituem um governo no qual o estado alimenta, provê moradia e toma conta de cada ateniense. Usando propriedades e dinheiro de um fundo comum. “Todos terão de entregar seus bens ao Governo, para que todos tenham partes iguais desses bens e vivam deles”. Permitindo, ainda, que cada homem se deite com qualquer mulher. Desde que se deite primeiro com toda mulher em Atenas que seja mais feia ou mais velha que a escolhida. Todas aquelas mulheres, segundo ele, cozinhavam muito bem. E preparavam banquetes em praça pública. “Elas cozinham como antigamente, fazem bolo como antigamente e amolam seus maridos como antigamente”. Criaram receitas memoráveis. Entre elas, o tal prato de tantas letras. Espécie de cozido com vários ingredientes misturados: diferentes espécies de aves (pássaros, pombos, galos), peixes (cação, tubarão), crustáceos (camarões e espécies de caranguejos), rãs, serpentes, verduras, mel, vinho e muitas especiarias. Só não se sabe quem deu nome a esse prato e o que significa exatamente. O que sabemos é que a maior palavra do mundo refere uma iguaria culinária.
O problema é que, chegando ao poder, as mulheres não conseguiram se desprender da estrutura social em que estavam inseridas. E acabaram repetindo os mesmos erros dos homens. Abusando do poder e corrompidas por ele. “Afinal de contas, eu não ia fazer a revolução para aprontar a cama para as outras deitarem”, disse Praxágora.
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Fonte: Folha PE
Autor: Letícia Cavalcante
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