- Author, Maddy Savage
- Role, BBC Worklife
Seu filho tinha oito meses e eles ficaram juntos em um agradável mês de setembro, quando seu empregador concedeu quatro semanas de licença com 90% do salário, pago pelo Estado.
Enquanto isso, sua esposa voltou a trabalhar em período integral.
“Saímos para caminhar muitas vezes”, ele conta. “Eu tinha um desses carregadores de bebê nas costas. Ficávamos fora o tempo todo.”
É claro que esse período também incluiu incontáveis trocas de fraldas e muito tempo na cozinha. O pai também precisou aprender a confortar seu filho quando ele não estava bem.
Mas, de forma geral, Sarnold adorou a experiência.
Ele não trabalha para uma startup progressista, nem para uma corporação global tentando promover políticas de experiências para os funcionários.
A ideia é que a licença pudesse ser compartilhada entre os casais conforme eles preferissem, oferecendo os mesmos direitos às mães e aos pais.
A política passou a ser lei em 1974. Desde então, o número de dias de licença parental remunerados aumentou ainda mais.
Atualmente, os pais e mães da Suécia — incluindo os solteiros, adotivos e LGBTQIA — têm direito legal a 480 dias de licença, um dos pacotes financiados pelo Estado mais generosos do planeta.
Nos primeiros 390 dias, a maioria dos pais pode pedir benefícios equivalentes a 80% do salário, até o teto mensal de 47.750 coroas (US$ 4.650 ou cerca de R$ 23,1 mil). Depois desse período, a lei estabelece uma remuneração diária de 180 coroas (US$ 16, cerca de R$ 79,50).
A política sueca traz muitas ideias para países ou empresas que procuram oferecer políticas de assistência às crianças com menos distinção de gênero. E existem cada vez mais pesquisas que destacam os impactos positivos da licença para o bem-estar dos pais e das mães.
Por outro lado, defensores da igualdade de gênero afirmam que, embora a política sueca possa parecer utópica para as observadoras feministas, quando o assunto é incentivar os casais a compartilhar a licença, seu sucesso nos últimos anos tem sido limitado.
Atualmente, a maioria dos casais heterossexuais não compartilha seus dias de licença subsidiados pelo Estado igualmente.
A normalização da licença-paternidade
Os progressos da Suécia no incentivo ao uso da licença entre os novos pais devem ser analisados no contexto da sua política.
Os movimentos pelos direitos das mulheres cresceram em todo o mundo nos anos 1960 e 1970. E essa ideologia entrou mais rapidamente na política da Suécia do que em muitos outros países.
Sucessivos primeiros-ministros sociais-democratas, especialmente Olof Palme (1927-1986), prometeram incentivar a igualdade de gênero e fortalecer o bem-estar oferecido pelo Estado, usando os impostos para financiar a mudança.
“Um dos objetivos declarados foi fazer com que os pais se envolvessem mais no trabalho de cuidar dos filhos em casa… e, ao mesmo tempo, possibilitar que as mães trabalhassem mais ou voltassem para o mercado de trabalho mais cedo”, explica a pesquisadora Ylva Moberg, do Instituto Sueco de Pesquisas Sociais da Universidade de Estocolmo.
Apesar do forte apoio nas urnas, as normas sociais não mudaram da noite para o dia.
Em 1974, quando foi criada a política de licença parental compartilhada, apenas 0,5% de todos os dias de licença foram usados pelos homens. E, nos anos 1990, essa proporção ainda estava na casa de um dígito.
Em 1995, pela primeira vez, 30 dias de licença foram reservados especificamente para cada um dos pais. A ideia era que o “mês do papai” pudesse incentivar os casais a compartilhar o benefício de forma mais igualitária.
Essa licença “use-a ou perca-a” foi aumentada para 60 dias em 2002 e para 90 dias em 2016. Cada uma dessas reformas fez com que os homens fizessem uso de um percentual maior dos dias de licença-paternidade, até atingir a marca de cerca de 30% hoje em dia.
Outro incentivo criado para incentivar os pais da Suécia a compartilhar o benefício é a flexibilidade sobre a época da licença subsidiada pelo Estado.
Muitos casais cumprem seus períodos em casa em turnos, até que a criança vá para a pré-escola. Mas os casais podem também tirar até 30 dias de licença simultaneamente — e 96 dias podem ser reservados para uso quando a criança for mais velha (entre 4 e 12 anos de idade).
Os pais também têm legalmente o direito de trabalhar em meio período e receber pela licença parental no restante da semana de trabalho.
Os pais da Suécia tiram a maior proporção de licença subsidiada pelo Estado da União Europeia, segundo dados recentes da OECD (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, na sigla em inglês).
Um estudo publicado em 2023 pela Inspeção Sueca da Previdência Social concluiu que apenas 18% dos homens que tiveram filhos em 2017 não usaram sua licença-paternidade.
Moberg afirma que, pelo menos nos ambientes profissionais, houve uma mudança de cultura.
“Existe agora uma certa estigmatização dos homens que não tiram a licença”, ela conta. “Agora, está meio que enraizado que ser um bom pai, um pai moderno, é tirar pelo menos uma parte da licença.”
Quem compartilha esta opinião é Martin Roxland, vice-CEO (diretor-executivo) e um dos fundadores da Froda, uma startup de tecnologia financeira com sede em Estocolmo.
Roxland tirou nove meses de licença-paternidade para cada um dos seus dois primeiros filhos e sua esposa voltou ao trabalho depois de tirar um período similar.
Hoje com 39 anos de idade, ele fica em casa com sua filha caçula, Siri. Um dos passatempos atuais da menina de 10 meses é morder livros de ilustrações, sem falar na sua fascinação pela máquina de lavar pratos da família.
“É ótimo passar tanto tempo juntos e realmente conhecê-la antes que ela vá para a pré-escola”, conta Roxland. “Realmente, não vejo motivo para não dividir [a licença] igualmente.”
Como gerente, ele admite que a política da Suécia traz suas dificuldades, já que os colegas frequentemente tiram licença quando têm filhos e é preciso cobrir o trabalho deles.
Mas, como a política já faz parte da vida na Suécia há décadas, as empresas estabelecidas possuem rotinas determinadas e as startups como a Froda precisam ter agilidade para desenvolver seus próprios modelos, sem arriscar a perda de seus talentos.
Funcionários mais felizes e saudáveis
A licença parental compartilhada mudou a dinâmica doméstica e teve efeito significativo sobre a cultura profissional da Suécia.
É comum que os pais e mães que dividem a licença continuem a compartilhar outras responsabilidades, como levar os filhos para a pré-escola e trazê-los para casa, além de ficar com eles quando estão doentes.
Isso significa que, em muitos escritórios, não existe a cultura de trabalhar até tarde, nem de que os pais paguem por creches particulares ou babás.
“As companhias modernas tentam evitar reuniões no início da manhã e no final da tarde, para que os pais possam pegar e levar seus filhos para a pré-escola”, explica Amanda Lundeteg, diretora da organização sem fins lucrativos Allbright, que trabalha para promover a diversidade nas empresas.
“Na Suécia, você precisa ter soluções disponíveis para os homens e as mulheres, para ter esse tipo de equilíbrio na vida profissional”, explica Roxland.
Roxland defende que a cultura profissional favorável aos pais da Suécia provavelmente também é influenciada por outras normas do país, como estruturas de gestão menos hierárquicas e alto nível de confiança social.
“A questão não são as horas em que você está no trabalho, mas o trabalho que você realmente consegue fazer”, segundo ele.
E a Suécia também conta com uma população com conhecimento tecnológico, que adotou a digitalização nos anos 1990. Isso ajudou a tornar normal um certo grau de trabalho flexível em casa, muito antes da pandemia.
A política de licença parental da Suécia passou a ser uma ferramenta cada vez mais popular entre as empresas que procuram atrair talentos globais em busca de melhor equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal.
Empresas suecas como a Spotify e a Volvo criaram recentemente sistemas de licença parental similares aos do país para seus funcionários em todo o mundo.
“Elas usam a licença parental como estratégia de marca do empregador… Algo que muitos pais realmente levam em consideração quando se candidatam a empregos”, explica Lundeteg.
Ela acrescenta que é comum que os suecos trabalhando no exterior voltem para o país natal para formar família e usufruir ao máximo dos benefícios.
Em 2023, pesquisadores do Departamento de Ciências da Saúde Pública da Universidade de Estocolmo publicaram um estudo sobre os benefícios da extensão da licença parental para a saúde mental.
Após analisarem a literatura científica global, os pesquisadores concluíram que os pais e as mães de países com esquemas de licença generosos, como a Suécia, apresentam menor risco de depressão e burnout.
Outra pesquisa também indicou redução de comportamentos de risco, como o abuso no consumo de álcool, entre os homens da Suécia que tiraram licença-paternidade e grande redução das hospitalizações psiquiátricas entre homens migrantes que tiraram maiores períodos de licença.
Para a professora de ciências da saúde pública Sol Juarez, uma das autoras da pesquisa, essas conclusões indicam que políticas generosas de licença parental podem ter “impacto profundo” sobre a população como um todo.
“Pais e mães saudáveis significam sociedades saudáveis e também profissionais saudáveis”, defende ela.
Para Juarez, as políticas familiares da Suécia “representam um investimento” que vai muito além de um benefício assistencial.
Ideais vs. realidade
Os acadêmicos e os defensores da igualdade de gênero na Suécia não deixam de destacar que existem limitações na política sueca — que pessoas em outros países, admiradas pelos progressos do país escandinavo, muitas vezes ignoram.
Moberg indica que, embora 30% dos dias disponíveis sejam tirados pelos pais, isso significa que a maioria das licenças ainda é usada pelas mães.
É verdade que a Suécia é mais igualitária em questões de gênero do que muitos outros lugares, mas a assistência às crianças no país não é compartilhada igualmente, apesar da sua reputação mundial de igualdade.
Existem também pesquisas que indicam que certos grupos da sociedade sueca costumam fazer muito menos uso dos seus dias de licença parental do que outros. Esses grupos incluem pais de baixa renda e os desempregados, autônomos e nascidos no exterior.
“Esta é uma grande questão de classes sociais”, explica Moberg. “Mesmo se você receber cerca de 80% do seu salário, ainda existe uma perda, certo? Por isso, algumas famílias de baixa renda podem sentir que não conseguem arcar com esse prejuízo.”
O valor da licença parental na Suécia também depende da renda estável de cada pessoa antes de se tornar pai ou mãe (embora todos os pais e mães recebam o benefício legal básico do Estado).
Isso pode dificultar o uso da licença por alguns grupos, como estudantes, trabalhadores informais ou portadores de doenças crônicas.
Além disso, mesmo com os anos de políticas destinadas a promover oportunidades iguais no trabalho e na assistência aos filhos, Lundeteg ressalta que a cultura e as normas tradicionais “referentes a quem deve ser o cuidador principal” ainda prevalecem em muitos setores da sociedade sueca.
Ela menciona uma pesquisa que indica que os pais que trabalham em setores dominados pelos homens são menos propensos a tirar licença-paternidade do que aqueles que trabalham em setores dominados pelas mulheres.
Pesquisadores indicam ainda que as mães suecas ainda são mais propensas a trabalhar em meio período do que os homens, o que pode perpetuar os papéis e desigualdades de gênero tradicionais em casa.
As mães da Suécia também passam mais tempo fazendo trabalho doméstico e tiram mais tempo para cuidar dos filhos doentes. E tudo isso pode resultar em crescimento salarial mais lento para as mulheres, segundo Lundeteg.
“A Suécia vive um pouco com base em méritos antigos, eu acho. Não podemos construir ambientes de trabalho igualitários se não começarmos a compartilhar igualmente em casa”, defende ela.
Na Suécia, a diferença de salário bruto médio por hora entre homens e mulheres é de 11,2% – abaixo da média de 12,7% da União Europeia, mas bem acima do nível de 5% atingido recentemente por alguns países europeus, como a Bélgica, a Itália e a Eslovênia.
E uma pesquisa da Allbright indica que o aumento das mulheres em cargos de gerência executiva em uma lista determinada de empresas nunca foi tão reduzido.
O índice ficou estável em 27% em 2022, depois de uma década aumentando apenas 1% ao ano.
Organizações como a Allbright defendem que a solução é destinar especificamente uma parcela maior de dias de licença parental a cada um dos pais. Mas o atual governo de direita da Suécia defende maior liberdade de escolha para o uso da licença.
A partir de julho deste ano, os pais e mães da Suécia poderão tirar até 60 dias de licença simultaneamente, até que o filho complete 15 meses de idade. E as famílias terão a opção de transferir até 90 dias de licença para outro adulto.
O governo argumenta que esta política irá permitir que parentes ou amigos próximos ajudem no cuidado com as crianças, atendendo à complexidade do que os suecos chamam de livspusslet — o quebra-cabeça da vida.
Mas existe quem tema que esta medida possa incentivar as famílias a “contratar” pessoas para cuidar dos filhos.
A política recebeu fortes críticas do principal partido de oposição da Suécia — os sociais-democratas, que foram os primeiros a incentivar o sistema de licença parental com igualdade de gênero do país, nos anos 1970.
Lições globais
Para outros países ou empresas que quiserem incentivar os pais de todos os gêneros a tirar períodos maiores de licença, as experiências suecas oferecem lições valiosas, segundo Ylva Moberg.
Em primeiro lugar, ela destaca o uso limitado da licença pelos pais suecos até a introdução das cotas “use-a ou perca-a” no país. Moberg sugere que medidas de incentivo similares provavelmente serão necessárias para gerar mudanças radicais em outras partes do mundo.
“Nada acontece sozinho. Você não terá maior igualdade de gênero automaticamente. Você precisa criar algum tipo de incentivo forte para fazer com que aconteça.”
Além disso, embora cada vez mais pais estejam usando a licença-paternidade, o fato de que as mulheres suecas ainda tendem a tirar a maior parte do período demonstra o impacto limitado da legislação, face a séculos de normas de gênero.
“Mesmo se você introduzir uma política que incentive ativamente as pessoas [a mudar], é muito difícil e leva tempo alterar as normas e a cultura”, explica Moberg.
“Na Suécia, como na maioria dos outros países, a mãe é considerada uma espécie de cuidadora primária natural e mudar a mentalidade para passar a pensar que os dois pais têm a mesma responsabilidade é uma mudança que acontece lentamente e nem todos a adotaram.”
Motivo de orgulho
À parte dos debates políticos, econômicos e sobre a melhoria da saúde, as políticas de licença parental vêm favorecendo as famílias suecas há muito tempo.
E elas claramente continuam a ser motivo de orgulho para os pais daquele país, como Martin Roxland e o septuagenário Kjell Sarnold.
Para Roxland, “é um subsídio fantástico que você recebe do Estado”.
Ele conclui que é uma ferramenta prática que ajuda os pais e as mães a dividir a sobrecarga logística e um catalisador de apoio à diversidade no ambiente de trabalho. E espera que a política sueca continue a inspirar outros países.
Já Sarnold fica satisfeito ao observar os números crescentes de pais que estão tirando a licença nas últimas cinco décadas. E também aprecia a evolução da Suécia para uma sociedade mais igualitária em questões de gênero, em relação aos anos 1970.
Mas, mais do que tudo, ele comemora como a política do país pode ajudar os pais e mães a formarem laços mais profundos com seus filhos.
“Você fica mais próximo deles. É isso que acontece”, ele conta. “Eu certamente recomendo.”
Fonte: BBC
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