- Author, Ángel Bermúdez
- Role, BBC News Mundo
- Twitter, @angelbermudez
Rafah, considerada a última fronteira da guerra em Gaza, pode estar prestes a ser tomada por Israel.
Nesta terça-feira (7/5), os militares israelenses afirmaram ter assumido o controle operacional do lado palestino da passagem de Rafah, que fica na fronteira com o Egito.
Testemunhas em Rafah disseram à BBC que durante toda a noite houve sinalizadores iluminando o céu e o som constante de bombardeios.
O exército israelense afirma ter matado 20 pessoas consideradas “terroristas do Hamas”.
Por ora, esta ainda é uma operação limitada, e não se trata da ofensiva terrestre em larga escala de Rafah para a qual as potências mundiais têm alertado.
Caso a ofensiva terrestre aconteça, teme-se que haja terríveis consequências humanitárias em uma cidade cheia de palestinos que fugiram de outras partes do Gaza.
A cidade palestina de Rafah tem sido, desde o início do conflito entre Israel e o Hamas, um centro de refúgio para a população civil e uma porta de entrada para ajuda humanitária.
Situada na parte sul da Faixa de Gaza e com uma área de cerca de 55 km quadrados, a cidade é o último acesso a Gaza ainda não controlado por Israel e tem sido durante décadas um ponto de chegada de assistência e uma porta de saída para doentes, feridos e viajantes.
Após o início da atual guerra — desencadeada pelo ataque surpresa que o Hamas lançou contra Israel em 7 de outubro, no qual 1,2 mil pessoas foram mortas e cerca de 240 foram feitas reféns, segundo as autoridades israelenses — Rafah tornou-se o último refúgio de mais de um milhão de palestinos que foram deslocados das suas cidades devido a bombardeios e incursões terrestres das Forças de Defesa de Israel (FDI).
Como resultado da chegada massiva de pessoas, a população de Rafah aumentou de cerca de 280 mil habitantes para quase 1,4 milhão de pessoas, razão pela qual foi classificada pelo chefe do Conselho Norueguês para os Refugiados, Jan Egeland, como “o maior campo de pessoas deslocadas no mundo”.
Mas o status da cidade como refúgio para os que fogem da guerra começou a ser questionado em fevereiro deste ano, quando Israel lançou uma operação que deixou dezenas de palestinos mortos e permitiu o resgate de dois reféns das mãos do Hamas.
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, ordenou às Forças de Defesa de Israel que preparassem a evacuação de civis de Rafah, para lançar ali uma grande ofensiva.
Esse anúncio despertou preocupação na comunidade internacional, desencadeando uma enxurrada de críticas e advertências contra os planos de Israel, que temiam que pudesse haver uma “catástrofe humanitária”.
Esses receios voltaram na segunda-feira (6/5), quando as FDI começaram a distribuir panfletos em Rafah com instruções para cerca de 100 mil pessoas evacuarem uma área no leste da cidade e seguirem em direção a Khan Younis e Al-Mawasi.
Horas depois, as Forças Israelenses iniciaram uma série de ataques a uma área da cidade como parte de uma “operação limitada”.
Porém, Rafah tem uma importância que vai muito além desta operação.
‘Último bastião’ do Hamas
“É impossível alcançar o objetivo desta guerra sem eliminar o Hamas e deixando quatro batalhões do Hamas em Rafah”, afirmou o gabinete de Netanyahu em fevereiro.
Esse é o argumento no qual o premiê vem insistindo há meses.
Israel afirma que milhares de combatentes do Hamas — e alguns dos seus líderes — estão em Rafah.
Ele diz que quer acabar com o que estima serem cerca de quatro batalhões do Hamas ali presentes para encerrar a sua campanha que visa a eliminar o poderio militar do grupo palestino.
Estima-se que cerca de 200 mil israelenses tiveram de abandonar as suas casas após o início da guerra com o Hamas e se mudar para zonas mais seguras do país, longe das zonas fronteiriças onde poderiam ser alvo do Hamas ou do seu aliado no Líbano, a milícia xiita Hezbollah.
Muitas destas pessoas já conviviam há anos com foguetes que eram lançados de tempos a tempos de Gaza contra Israel, uma situação que o governo de Netanyahu tolerou durante algum tempo, até finalmente responder com um breve conflito que deu origem a um novo cessar-fogo.
Esse era o status quo da região até o ataque de 7 de outubro.
Desde então, nem as autoridades israelenses, nem muitos dos seus cidadãos consideram mais um risco aceitável viver com um Hamas armado no poder em Gaza.
No entanto, desde o início do conflito, numerosos analistas políticos e militares alertaram que a ideia de Netanyahu de erradicar o Hamas é muito difícil — ou mesmo impossível — e que os custos humanos da tentativa seriam muito elevados, dados os túneis que o Hamas construiu sob Gaza para sua proteção. E, na superfície, é difícil diferenciar entre combatentes e civis.
O governo israelense garante que suas forças tomam muito cuidado para não afetar a população civil, o que não impediu que cerca de 34 mil pessoas morressem em Gaza desde o início do conflito — a maioria mulheres e crianças, segundo o Ministério da Saúde da Faixa de Gaza, controlada pelo Hamas.
O correspondente da BBC Frank Gardner alerta que não está claro o que Israel poderia conseguir com uma operação militar em Rafah.
“Os últimos cinco meses de conflito devastador em Gaza não conseguiram provocar a tão esperada libertação dos reféns. A última vez que um número significativo de reféns saiu vivo de Gaza foi em novembro e aquilo foi em resultado de uma troca cuidadosamente negociada entre o Catar e o Egito”, diz.
“O exército israelense avalia que quatro batalhões do Hamas sobreviveram acima e abaixo do solo em Rafah e querem terminar o trabalho como planejaram. Mas mesmo que se consiga destruir essas unidades, as chances de os reféns escaparem ilesos são mínimas.”
Política e alianças em jogo
Politicamente, o que acontece em Rafah pode afetar negociações de meses com o Hamas, mediadas pelo Catar e pelo Egito, para alcançar um cessar-fogo, bem como a libertação de alguns dos reféns israelenses e dos palestinos detidos em Israel.
No entanto, o verdadeiro alcance do cessar-fogo não é claro, uma vez que o governo de Netanyahu disse que o negociado está longe de cumprir os requisitos de Israel e enviou uma comissão ao Cairo.
Na semana passada, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, elogiou a proposta e afirmou que ela era “extraordinariamente generosa” da parte de Israel, e que por isso o Hamas deveria aceitá-la.
No entanto, aquela semana passou sem avanços nas negociações.
Uma escalada militar de Israel em Rafah poderá aumentar as tensões entre o governo de Netanyahu e os Estados Unidos, já que o presidente Joe Biden deixou clara a sua rejeição a uma ofensiva sem primeiro um plano para proteger a população civil ali presente.
Segundo a Casa Branca, Biden confirmou a sua posição a Netanyahu durante uma conversa por telefone na segunda-feira.
Uma escalada em Rafah também poderá afetar os esforços do governo dos EUA para chegar a um acordo para a normalização das relações diplomáticas entre Israel e a Arábia Saudita, que já foram prejudicadas pelo ataque do Hamas em 7 de outubro.
Para avançar nesse caminho, a Arábia Saudita espera que Israel concorde em acabar com a guerra com o Hamas e se comprometa a seguir um caminho que conduza à criação de um Estado palestino.
A normalização das relações entre Israel e a Arábia Saudita é vista como um avanço importante não só devido às suas implicações bilaterais, mas porque ambos os países — tal como os Estados Unidos — vêem com desconfiança a política do Irã no Oriente Médio e o seu plano de desenvolvimento nuclear.
Outra relação vital que poderá ser prejudicada por uma ofensiva em Rafah é a que existe entre Israel e o Egito, que foi o primeiro Estado árabe a reconhecer Israel.
Desde o início do conflito atual, o governo de Abdel Fattah al-Sisi tem estado preocupado com a possibilidade de que a repercussão da violência em Gaza acabe levando os combatentes e líderes do Hamas para o Sinai.
Cairo não vê com bons olhos os membros do Hamas, uma organização que se originou como um ramo da Irmandade Muçulmana Egípcia e que considera uma ameaça à sua segurança.
Além disso, o Egito está preocupado com impacto na situação humanitária que uma ofensiva israelense em grande escala em Rafah poderia ter.
Nos últimos meses, têm surgido numerosas vozes na comunidade internacional que alertaram para o perigo de as centenas de milhares de palestinos que se refugiaram em Rafah serem empurrados por uma ofensiva em direção à fronteira com o Egito. Cairo reiterou em numerosas ocasiões que não pretende acolher refugiados palestinos no seu território.
Frank Gardner, da BBC, considera este o aspecto “mais preocupante”.
“Israel estima o número de habitantes de Gaza potencialmente afetados (por uma possível ofensiva) em 100 mil. Agências de ajuda palestinas dizem que o número está próximo de 250 mil. Muitas destas pessoas já foram deslocadas das suas casas no norte do território”, aponta.
Embora Israel tenha apresentado esta operação como um ataque limitado contra alvos específicos do Hamas em Rafah, existe sempre o risco de escalada.
Na verdade, a Jihad Islâmica — outro grupo armado palestino aliado do Hamas em Gaza — tem lançado foguetes contra o sul de Israel.
A ofensiva israelense também colocou em alerta a Jordânia, o segundo vizinho árabe com quem Israel estabeleceu relações diplomáticas.
Em reunião com Biden na Casa Branca, o rei Abdullah 2º alertou que uma ofensiva israelense em Rafah poderia fazer com que o conflito se espalhasse para a região e alertou que poderia levar a um “novo massacre”.
Fonte: BBC
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