Um representante do Unicef na Faixa de Gaza diz nunca ter visto tantas crianças tão gravemente feridas numa guerra.
“Nos meus 20 anos na Unicef, acho que nunca vi tantas crianças com ferimentos de guerra”, disse à BBC James Elder, porta-voz da organização que chegou à Faixa de Gaza há poucos dias.
No domingo, Elder visitou a parte norte do território, a mais atingida pelos ataques de Israel em resposta ao assassinato e sequestro de israelenses pelo Hamas em 7 de outubro.
“Quando um morteiro atinge seu prédio, sua casa, são múltiplas as lesões causadas em uma criança. São ossos quebrados, mas também são [feridas de] estilhaços, são queimaduras horríveis para as crianças”, acrescentou.
Elder descreveu os hospitais no norte da Faixa de Gaza como “zonas de guerra”, onde estacionamentos e espaços ao ar livre estão repletos de salas de emergência improvisadas.
“As crianças nos hospitais precisam de muito mais suprimentos médicos do que os que recebemos. (…) Os médicos precisam desses itens com urgência. Estou vendo médicos nas salas de emergência tomando decisões enquanto fazem um cálculo entre quem pode sobreviver e quem não sobrevive, e isso inclui crianças”, disse Elder.
Na sexta-feira (24/11), Israel e o Hamas iniciaram uma trégua de quatro dias, que foi prolongada por mais dois na segunda-feira.
Durante esse período, foi realizada a troca de mais de 50 reféns detidos pelo Hamas, por 150 palestinos que estavam detidos em prisões israelenses, a maioria deles por ataques violentos contra as forças de segurança israelenses.
Os grupos incluem principalmente mulheres e menores.
“Estive ontem numa igreja no norte, num hospital que também foi atingido [por projéteis]. É uma sala de emergência. Falei com um menino de 7 anos, que perdeu a mãe, perdeu o pai e o irmão gêmeo. E perguntei à tia dele: ‘Por que ele está constantemente fechando os olhos enquanto fala?’ E ela disse: ‘Ele está com tanto medo de esquecer como sua mãe e seu pai eram que ele quer fechar os olhos e continuar a ‘imaginá-los, não os perder em sua mente como os perdeu na vida real'”, narrou Elder.
“Infelizmente, estas histórias estendem-se de norte a sul por toda a Faixa de Gaza”, disse ele.
Entre o início do conflito e 22 de novembro, estima-se que mais de 5.300 crianças tenham morrido na Faixa de Gaza em consequência da guerra, segundo números divulgados pela Unicef.
A organização de defesa das crianças também disse ter relatos de que cerca de 1.200 crianças ainda estão sob os escombros.
“A destruição de Gaza e o assassinato de crianças não trarão paz à região”, disse Elder.
Do lado israelense, o governo relatou cerca de 1.200 mortes nas mãos do grupo islâmico Hamas.
“Hoje, a Faixa de Gaza é o lugar mais perigoso do mundo para ser criança”, declarou a diretora executiva do UNICEF, Catherine Russell, diante do Conselho de Segurança da ONU na quarta-feira, 22 de novembro.
Elder questionou se o mundo está perdendo o “impulso natural” de proteger as crianças e pediu que Israel proteja os mais jovens.
“Tragam os reféns para casa, mas certifiquem-se de que não vejamos uma devastação contínua para as crianças em Gaza”, disse ele.
‘Você está aqui para parar a guerra?’
O funcionário da Unicef descreveu o cenário que viu na Faixa de Gaza como “realmente difícil”.
“É apenas trauma e estresse. A ansiedade está estampada no rosto das pessoas”, disse Elder.
“As pessoas estão desesperadas, perderam tudo. Perderam as suas casas. Quase todas as pessoas com quem falo perderam um ente querido”, acrescentou.
Elder descreveu a trégua acordada entre as partes como “uma trégua em que as pessoas procuram os seus entes queridos, os seus filhos perdidos” e que deseja que a pausa vire um cessar-fogo.
O funcionário da Unicef disse que durante sua passagem por essa zona do território palestino, pessoas aproximaram-se dele e perguntaram, em inglês: “Estás aqui para parar a guerra?”
“É claro que minha resposta é: ‘Não. Sua vida é decidida por pessoas de outros lugares. Estamos aqui para entregar ajuda e acredito que para estancar o sangramento'”.
Segundo Elder, as três coisas que os moradores de Gaza pedem são comida, água e combustível. Este último é utilizado em centrais de dessalinização para o fornecimento de água potável à população.
“Isso é um ponto de virada. Agora vejo muitas crianças com doenças gastrointestinais graves, então a água limpa muda as regras do jogo, e o combustível equivale a água limpa”, disse ele.
O funcionário da Unicef disse ter visto tanto “avós carregando os netos”, quanto “crianças empurrando idosos e doentes em cadeiras de rodas,” fugindo do norte ao sul da Faixa de Gaza.
Mas ele ressaltou que é difícil, para eles, tomar a decisão de largar tudo e ir embora.
“As pessoas simplesmente não querem sair de casa e eu entendo o porquê. Quem quer deixar sua casa e tudo pelo que tanto trabalhou, especialmente quando você vai vir para o sul e estar no que era uma escola ou um faculdade técnica, e agora são 40 mil pessoas, onde sua filha de 15 anos ficará numa fila por cinco horas para usar o banheiro?”, disse ele.
Fonte: BBC
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