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Eleições para presidente nos EUA: nem tanto, nem tão pouco

Após a desistência do presidente Joe Biden e a consolidação do nome de Kamala Harris para a disputa na eleição dos Estados Unidos contra o magnata e ultradireitista Donald Trump abriu-se uma polêmica entre os progressistas do mundo acerca das similaridades e diferenças entre os Partidos Democrata e Republicano, bem como seus principais porta-vozes no pleito.

Vamos combinar que as eleições nos EUA não são lá uma grande referência para o processo do sufrágio democrático para começar. Com a votação ocorrendo numa terça-feira, dia de trabalho para todos os cidadãos estadunidenses, voto opcional, sem dispensa do emprego para votar, financiamento todo privado de campanha, sustentado por grandes corporações e empresas, peso do voto do Colégio Eleitoral sendo decisivo, superando o do voto direto e outras pérolas que mostram o quão elitizado e engessado é o mecanismo eletivo do país, isso inclusive foi o que gerou a cristalização de apenas dois partidos com chances reais de ganhar, mesmo havendo dezenas de outros disputando, que sequer conseguem aparecer para a grande maioria do eleitorado.

Somado a isso, é preciso entender que a correlação de forças entre os progressistas e democratas do mundo versus a ultradireita não tem se mostrado com larga vantagem para os primeiros, ao contrário, a disputa entre o fascismo e a democracia tem sido renhida, dura e complexa. Nos EUA adquire nuances peculiares, o Trumpismo capturou o Partido Republicano, hoje tem a hegemonia do mesmo, com uma agenda e um discurso que se inserem no bojo do que as forças mais conservadoras do planeta têm proferido.

Trump é um símbolo mundial para a ultradireita, sua vitória reforça Bolsonaro, Meloni, Milei, Urban e vários outros nomes de proa desse movimento que disputam a hegemonia das ideias e das eleições em suas nações. O Partido Democrata dos EUA não é feito de “anjos puros e democráticos”, é uma força conservadora, belicosa, pró-Israel, com pautas imperialistas, isso é inegável, mas não diminui a importância de sua vitória no cenário posto geopoliticamente.

Também é inegável que, no imaginário da população dos EUA e do resto do mundo, o Partido Democrata e Kamala Harris se situam a esquerda de Donald Trump, o que não quer dizer de forma alguma que sejam de esquerda. A ascensão das ideias de ultradireita criou novos marcos na configuração do que é nosso campo, o dos progressistas e democratas, e o que forma o campo do fascismo internacional. É recorrente o discurso de Biden e Kamala conterem menções da ameaça a democracia estabelecida representada por Trump, algo similar ao que ocorria no Brasil com Bolsonaro e na Argentina com Milei.

A eleição de Donald Trump é sim, em linhas gerais, mais perigosa para o frágil equilíbrio democrático que vive o planeta do que a de Kamala Harris neste momento. Eleger uma mulher, negra e filha de imigrantes dialoga indubitavelmente com a ideia de ascensão de setores que não ocupam tradicionalmente o poder na maior nação do planeta, isso está presente no imaginário intra e extra EUA, anima e emula as forças democráticas de todo o globo, mesmo Kamala não sendo uma política de esquerda, avançada e progressista.

A vitória de Kamala se insere no campo do imaginário progressista e da luta de ideias para além daquele país, mas não tirará os EUA do seu roteiro armamentista, promotor de guerras, apoiador do genocídio na Palestina e outras coisas mais.

E do que vale então essa vitória? Vale na correlação de forças reais postas no mundo para ao menos não permitir a ascensão ao poder da maior nação e do maior arsenal nuclear do planeta de um símbolo do fascismo, do machismo, da misoginia, e da agenda ultraconservadora como Donald Trump. Simples de digerir? Não, mas necessário lutar cotidianamente e incessantemente para reverter essa correlação de forças em cada país, ao invés de apenas resmungar e tentar posar de puro e imaculado ideologicamente.

Na política, por menor que sejam as nuances, não é correto tratar os diferentes como iguais, e a correlação de forças posta no mundo reforça mais ainda a necessidade de pensar globalmente e atuar localmente para reverter o ambiente de ascensão da ultradireita, inimiga desde sua concepção dos princípios que norteiam o Estado democrático de direito em que vivemos.

Thiago Modenesi é Doutor em Educação, Especialista em Ciência Política, professor na UFPE, Historiador, Pedagogo e Bacharel em Direito.

24/07/2024 às 10:17

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