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Adolescente ficou 11 meses internada, sendo sete deles em coma, após ter dengue

  • Author, Simone Machado
  • Role, De São José do Rio Preto (SP) para a BBC News Brasil

Em 2019, Polyana Matias de Sousa tinha 15 anos e levava uma vida como qualquer adolescente da sua idade. Estudava, namorava e ajudava a cuidar do irmão mais novo e da casa.

Com sintomas clássicos da doença como dor de cabeça, dor no corpo e febre, Polyana recebeu os primeiros tratamentos para a doença em casa sob os cuidados de sua mãe, Elisângela Maria Matias Correa, que é enfermeira.

Ao ver que a filha passou a ter sintomas mais graves, como vômito, dor de barriga e confusão mental, ela levou Polyana para a emergência de um hospital particular de Divinópolis, em Minas Gerais.

“O médico disse que era uma dengue clássica e que minha filha estava com ‘frescura de adolescente’ porque havia brigado com o namorado”, conta Elisângela.

“Mas eu sabia que aquele sintoma de confusão mental podia significar um problema neurológico e insisti para que ela fosse examinada por um neurologista.”

Crédito, Arquivo pessoal

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Mãe de Polyana desconfiou de algo mais grave quando percebeu que a filha apresentava confusão mental como um dos sintomas

A enfermeira conta que, ainda no hospital, enquanto aguardavam o resultado de uma tomografia, Polyana começou a ter convulsões.

Mesmo com medicação, a adolescente não apresentou melhora.

“Ela foi entubada e colocada em coma para que os médicos conseguissem controlar as crises convulsivas, mas ela não melhorou”, diz Elizângela.

Polyana ficou 11 meses internada, sendo sete deles em coma, de acordo com sua mãe, e chegou a ser desenganada pelos médicos.

“Com três meses de internação, eles disseram que minha filha não voltaria do coma e iniciaram os procedimentos de morte encefálica”, diz a enfermeira.

“Mas, nesse dia, ela teve novas convulsões e voltou a ter atividade cerebral.”

Segundo a família, Polyana teve meningoencefalite, a inflamação do cérebro e das meninges, o tecido que reveste o sistema nervoso central, e que pode ser causada por vírus, fungos, bactérias ou parasitas.

Atualmente com 19 anos, a estudante perdeu a visão, os movimentos do corpo, respira com ajuda de aparelhos e faz uso de sonda para se alimentar.

Apesar das sequelas, Polyana é consciente e estuda — está no segundo semestre da faculdade de nutrição.

“A comunicação dela é com auxílio nosso. A audição é perfeita, vamos falando as letras e ela vai piscando, assim, formamos as palavras e frases que ela quer dizer”, conta sua mãe.

Problemas neurológicos causados pela dengue

Crédito, Agência Brasil

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Brasil vive explosão de casos de dengue no início de 2024 na comparação com 2023

O Brasil registrou, nas primeiras três semanas deste ano, 217.481 casos prováveis de dengue.

Em 2023, nesse mesmo período foram contabilizados 65.366 casos prováveis da doença.

Os dados são do Ministério da Saúde e foram divulgados em 30 de janeiro.

Ainda segundo o levantamento, com a explosão de casos da doença, 15 mortes já foram confirmadas e outras 149 seguem em investigação.

Além de dor de cabeça, no corpo, febre e manchas vermelhas, a dengue pode envolver outros sintomas como sonolência, confusão mental, desorientação, irritabilidade e, até mesmo, diminuição da força dos membros inferiores e paralisia nos membros e rosto.

Chamada por especialistas e pesquisadores de dengue neurológica, essa forma da doença é considerada rara e acontece quando o vírus atinge o sistema nervoso — cérebro ou medula.

Os prejuízos neurológicos, quando ocorrem, podem ser graves e, muitas vezes, irreversíveis.

“Quando os sinais de inflamação neurológica aparecem é porque essa inflamação já está grave”, diz Mauricio Hoshino, neurologista do Hospital Santa Catarina – Paulista.

“Os primeiros sinais como sonolência, por exemplo, podem passar despercebidos no primeiro atendimento. Por isso, sempre falo para as pessoas estarem atentas a todos os sintomas e relatar aos médicos. E os profissionais de saúde também devem ter essa atenção a mais com os pacientes de dengue”, afirma.

Estudos feitos por universidades brasileiras mostram que de 1% a 5% entre os casos de dengue podem evoluir para doenças neurológicas.

O vírus da dengue tem quatro sorotipos diferentes — DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4 —, mas as pesquisas até o momento identificaram problemas neurológicos principalmente nos sorotipos 2 e 3.

Ainda não há uma explicação científica de por que isso acontece.

As complicações neurológicas podem surgir em um quadro de dengue clássica ou hemorrágica, quando a infecção começa a destruir plaquetas responsáveis pela coagulação, e o paciente passa a ter sangramentos.

Segundo os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, os quadros podem ter relação com uma resposta exacerbada do sistema de defesa do organismo.

“A infecção pelo vírus da dengue normalmente não ataca o sistema nervoso, mas pode acontecer de ela conseguir quebrar a barreira de defesa desse sistema e atingi-lo”, explica Yuri Macedo, neurologista do Hospital Badim.

“Essa quebra acontece devido a algum ‘defeito’ nessas células de defesa, como uma doença autoimune, por exemplo.”

Ainda segundo neurologistas, não há um fator de risco específico para que o vírus ataque o sistema nervoso, mas algumas comorbidades podem deixar a pessoa mais suscetível.

“Pessoas com baixa imunidade e doenças autoimunes podem ser mais propensas a esses agravamentos justamente por terem a imunidade comprometida”, acrescenta Hoshino.

As principais formas de manifestação neurológicas causadas pelo vírus da dengue e seus sintomas são:

  • encefalite (inflamação no cérebro): redução do nível de consciência, sonolência, convulsões e perda da força;
  • mielite (inflamação na medula): perda de força muscular dos membros, principalmente nas pernas, fazendo com que a pessoa, muitas vezes, não consiga andar;
  • meningite (inflamação na meninge): dor de cabeça, irritabilidade, náuseas e dor no pescoço;
  • meningoencefalite: os mesmos sintomas da encefalite — são casos considerados mais graves devido à junção de inflamações, e o paciente pode ter lesão na medula espinhal, perdendo movimentos dos membros, principalmente inferiores;
  • e síndrome de Guillain-Barré (quando o sistema imunológico do próprio corpo ataca parte do sistema nervoso): perda da força que atinge principalmente os braços, e a pessoa também pode ter dificuldades para respirar.

Luciana Macedo Barbosa, coordenadora do serviço neurológico do Hospital Sírio-Libanês de Brasília, explica que os sintomas dependem da localização da infecção do vírus no encéfalo ou na medula.

Barbosa acrescenta que eles podem surgir após a fase aguda da dengue, ou seja, depois dos dez primeiros dias.

“Muitas vezes, os pacientes já estão na fase de melhora da dengue quando começam a ter os sintomas neurológicos da doença como fraqueza, formigamento nas mãos e até mesmo alterações na visão”, diz a médica.

“Essa situação dificulta o diagnóstico, porque o paciente acha que já está livre da dengue e não associa os sintomas à doença.”

Nesses casos, o tratamento médico busca combater a infecção causada no sistema nervoso pelo vírus.

O tratamento varia conforme o paciente e seu sistema imunológico. Na maioria deles, o paciente fica sem sequelas.