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Copacabana, que deu origem ao nome do bairro carioca, fica na Bolívia

  • Author, Priscila Carvalho
  • Role, Do Rio de Janeiro para a BBC News Brasil

Ao pensar em Copacabana, é muito comum associar o nome a uma das praias mais famosas do Brasil.

Mas a Copacabana “verdadeira”, que deu origem ao nome do bairro carioca, fica na Bolívia, às margens do lago Titicaca.

Jhonny Ucedo, diretor de cultura e turismo da Copacabana boliviana diz que o nome da cidade já existia há tempos e que, inclusive, era usado pelos incas, que habitavam na região.

“A origem desse nome vem da expressão kota kahuana, do dialeto aimará, que significa ‘vista do lago'”, diz.

O idioma é uma das línguas oficiais dos habitantes até hoje, além do espanhol.

O nome também está ligado à religião católica, já que a padroeira da cidade é a Nossa Senhora de Copacabana.

Em 1583, a santa, que também existia na cultura hispânica, mas com o nome de Nossa Senhora da Candelária, foi levada ao território boliviano pelos colonizadores espanhóis e, desde então, começou a ser adorada por fiéis.

No século 18, com o contrabando na região, uma imagem foi levada ao Rio de Janeiro.

“Ela chegou aqui por meio dos peruleiros, comerciantes que traziam diversas mercadorias da atual região que hoje pertence à Bolívia até o Brasil”, explica o historiador Milton Teixeira.

“Quadrilhas agiam na região e traziam até pó de prata. Nesse período, a santa boliviana veio junto. Há quem diga que foi a original, e há quem diga que era uma réplica.”

É a partir daí que a história do bairro de Copacabana começa a ser contada.

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Procissão de Corpus Christi em Copacana é um evento tradicional na cidade

Copacabana carioca e sua importância

No século 18, Copacabana, no Rio de Janeiro, se chamava Sacopenapã, que, em tupi, significa “o barulho e o bater de asas dos socós”, que são pássaros.

Ao chegar no Brasil, a santa foi levada para a capela da Misericórdia, que hoje é a Igreja de Nossa Senhora do Bonsucesso, no Centro da capital fluminense.

Mas, segundo Teixeira, a imagem da santa não foi bem aceita e, na sequência, foi levada para outro local.

“Os irmãos da Misericórdia diziam que atraía gente estranha, que não era algo bom para a região. Parece que teve uma reação negativa na época. Então, mudaram de lugar”, diz o historiador.

“No fim do século 18, em uma data incerta, a (imagem) foi transferida para a pedra de Copacabana, que hoje é o atual Forte de Copacabana.”

Em 1746, uma capela dedicada à santa foi construída na rocha onde hoje está o forte.

Desde então, o local tornou-se um reduto de festas, peregrinações e outras celebrações.

O bairro de Copacabana era um areal quase desabitado até o final do século 19.

Foi em de julho de 1892, com a abertura de um túnel que ligava Copacabana ao bairro de Botafogo, que a região começou a receber moradores.

Nessa época, por influência da santa, já se usava o nome herdado da cidade boliviana e não mais seu nome em tupi.

“Era uma devoção muito pessoal e intensa, o que influenciou no nome”, diz Teixeira.

“Os portugueses vinham para cá, abandonavam suas terras, e eles só podiam contar com a proteção divina. Por isso a importância de capelas , igrejas e santos.”

Anos depois, no início do século 20, o nome Copacabana também passou a ser usado para a faixa de areia, que era conhecida como praia da Igrejinha.

No começo do século passado, havia muitos canhões no forte, e a ordem era que não se podia atirar para trás, justamente porque a igreja ficava próxima e na linha do fogo.

Depois de alguns anos, a igreja foi posta abaixo, e a santa ficou na mão de particulares.

Em 1956, o presidente Juscelino Kubitschek mandou reerguer a capela, ainda no Forte de Copacabana.

O problema é que, anos mais tarde, por ser um reduto militar, o local não foi considerado ideal para receber fiéis.

“Era época da ditadura militar. O forte abrigou presos políticos. Não eram muitos, mas tinha alguns”, diz o historiador.

“A visita dos fiéis incomodava o Exército, já que eles não queriam que muita gente estivesse ali. Podiam ver o que não deveriam”, afirma o historiador.

Em 1976, a imagem foi transferida para a paróquia da Ressurreição, na região do Arpoador, na divisa entre Copacabana e o bairro vizinho de Ipanema, onde está até hoje.

Bênçãos a carros e festa

A Virgem de Copacabana é muito influente até hoje na cidade boliviana.

Desde que foi trazida pelos espanhóis, ela ganhou força entre os fiéis, principalmente pelos diversos milagres atribuídos à ela, destaca Ucedo.

Todo dia 2 de fevereiro, sua chegada à região é comemorada com uma festa oficial. Este ano serão celebrados os 441 anos do acontecimento.

Durante a celebração, ocorre a bendición de las movilidades (bênçãos das mobilidades, em tradução livre).

Esse é o momento de festejo com danças típicas, e um dos atrativos é o batismo de veículos, feito por padres com bebida alcoólica e água benta.

Segundo o diretor de cultura e turismo de Copacabana, o importante é jogar um pouco do líquido no carro.

De acordo com Ucedo, o festival chega a receber quase 18 mil pessoas ao longo dos três dias de festa. Também há celebrações em outras épocas do ano.

“Os devotos da Virgem do lado peruano [do lago Titicaca] celebram nos dias 4 ,5 e 6 de agosto. Em 15 de novembro, os bolivianos de Cochabamba vêm em caravana para comemorar”, diz Ugedo.

O ritual com a bebida alcoólica acontece porque os bolivianos acreditam na Mãe Terra, também conhecida como Pachamama na cultura andina, e a divindade é sempre presenteada com comidas ou bebidas.

A partir das 10h, os fiéis e motoristas se reúnem para benzer os veículos, que também são cobertos com flores e outros adereços.

Ucedo destaca que não há um motivo específico para escolherem automóveis como “bens principais”, mas ele diz que essa tradição começou há dezenas de anos e é seguida até hoje.

“Eles (motoristas) pedem para não acontecer nada com eles no caminho, para que o carro não falhe e que não ocorra nenhum acidente”, diz.

Quem não consegue participar do festival, também pode ir à igreja da cidade receber a bênção no automóvel em qualquer outro momento do ano.

O ritual ocorre todos os dias, em horários específicos.

Crédito, Arquivo Pessoal

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A produtora Marina Guaragna conheceu Copacabana boliviana em um mochilão

Turismo religioso e para estrangeiros

A Copacabana boliviana fica a pouco mais de três horas em uma viagem de ônibus da capital, La Paz.

A cidade atrai quem faz turismo religioso ou quer ir para ilhas mais isoladas do lago Titicaca, que ficam a uma hora de barco dali.

De acordo com o diretor de cultura e turismo de Copacabana, “80% do público nacional vem por motivos religiosos”.

Ele acrescenta ainda que o santuário onde fica a virgem de Copacabana é um dos maiores do mundo, o que atrai muitos visitantes.

Vitor de Pieri, professor do Departamento de Turismo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), reforça a importância religiosa do local.

“É uma cidade que é porta de entrada para alguns pontos turísticos, como a Ilha do Sol e a Ilha da Lua, lugares sagrados para os aimarás, para os incas, para os povos originários da região”, explica.

Já os estrangeiros visitam o local para relaxar ou como parte do roteiro para conhecer as ilhas do lago.

A criadora de conteúdo Marina Guaragna, de 29 anos, conheceu a cidade durante um mochilão de dois meses pela Bolívia com seu namorado.

“Conversando com bolivianos, descobrimos que havia uma praia chamada Copacabana, resolvemos pesquisar sobre e descobrimos que essa era a Copacabana ‘original’ e que era dela que tinha vindo o nome da nossa”, diz.

Marina elogia a hospitalidade e boa gastronomia da região e acrescenta que é uma possível rota para quem está viajando pela América do Sul.

“A cidade fica próxima à fronteira com o Peru – cerca de 15 minutos de ônibus – e é o principal ponto de saída para visitar a Isla del Sol, um dos lugares mais bonitos da Bolívia”, conta.

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A cidade atrai quem decide fazer turismo religioso ou ir para ilhas mais isoladas

Copacabana boliviana x Copacabana carioca

Embora a cidade boliviana tenha dado nome à praia e ao bairro cariocas, o local pode não ser tão convidativo se o turista não gosta de passar frio.

Copacabana é uma das principais cidades do entorno de um dos maiores lagos da América do Sul e está mais de 3,8 mil metros acima do nível do mar.

Isso faz com que, mesmo no verão, as temperaturas fiquem baixas, variando entre 10ºC e 15ºC, mesmo no auge da estação.

Bem diferente do Rio de Janeiro, onde faz calor quase o ano todo.

Marina ressalta ainda outras diferenças entre as duas Copacabanas.

“A praia da Copacabana original não tem espaço para banhistas e nem para curtir a praia”, diz.

“É uma faixa de areia curta, e suas águas são tomadas por trapiches e barcos. Um lugar tranquilo, mas que não está com as areias limpas para os turistas.”

O local ainda pode ser considerado um tanto rústico por alguns turistas que buscam luxo e conforto.

Atualmente, segundo o último censo da cidade, a Copacabana boliviana tem 16,5 mil habitantes.

Já a Copacabana do Rio de Janeiro cresceu e se desenvolveu.

“Em 1917, já tinham 45 ruas em Copacabana. Então, ela foi passando por um processo de urbanização”, diz Pieri.

Vivem no bairro cerca de 146 mil pessoas, segundo o Censo de 2010 — os dados sobre o bairro na contagem mais recente, de 2022, não foram divulgados ainda.

Ou seja, caberiam quase nove Copacabanas bolivianas na Copacabana carioca.

O bairro e a praia no Rio de Janeiro também se tornaram mundialmente conhecidos e foram palco de eventos históricos, como a Revolta dos 18 do Forte.

O fracassado levante militar contra o então presidente Epitácio Pessoa e o vencedor da eleição Artur Bernardes, em 5 de julho de 1922, é lembrado na praia até hoje por uma escultura em bronze do tenente Siqueira Campos, que liderou o movimento.

Bem mais conhecida e popular entre turistas é a escultura no calçadão próximo ao forte, em homenagem ao escritor Carlos Drummond de Andrade, que viveu boa parte da vida no bairro.

Também fica na orla o hotel mais famoso do Brasil, o Copacabana Palace, que recebeu muitas celebridades e colecionou ao longo dos últimos 100 anos eventos marcantes, como o tiro à queima roupa que o presidente Washington Luís levou de sua amante em 1929.

Impossível não falar também do “maior réveillon do mundo” nas areias de Copacabana, que teve origem nas homenagens à divindade africana Iemanjá e influenciou os costumes das festas de fim de ano em todo o país.

“Copacabana é um bairro que também tem muita história do Brasil”, diz Pieri.