- Author, Luís Antonio Araujo
- Role, De Porto Alegre para a BBC News Brasil
Morador de Pelotas, no Rio Grande do Sul, o pecuarista Tiago Klug, de 44 anos, decidiu realizar um teste no último domingo (8/9).
Ele colocou um recipiente branco e limpo no centro do quintal de sua casa depois de ouvir alertas sobre um fenômeno conhecido como chuva preta.
“Escolhi um lugar distante de muros ou telhados, para que a água depositada na vasilha caísse diretamente das nuvens, sem ter contato com telhados ou muros”, explica Klug.
Ao checar o recipiente no dia seguinte, ele notou que tinha uma coloração escura incomum na água da chuva coletada.
“Nunca tinha visto nada parecido. Achei a coisa mais triste”, diz o produtor rural à BBC News Brasil.
Além de Pelotas, a chamada chuva preta foi observada em municípios próximos como Arroio Grande, São Lourenço do Sul, São José do Norte e na região de fronteira com o Uruguai.
Fotos da água escura coletada por moradores foram compartilhadas nas redes sociais.
Também ocorreu concentração de sujeira sobre casas, automóveis e instalações de infraestrutura.
Com o avanço da chuva para o restante do território gaúcho, há expectativa de que o fenômeno se repita em outras regiões do Estado.
A massa de ar frio proveniente da Argentina e do Uruguai, ao encontrar a fumaça de queimadas que cobre todo o Rio Grande do Sul, pode provocar mais chuva preta.
O Estado apresenta nesta quinta-feira (12/9) uma das maiores concentrações de fumaça da América do Sul, segundo o site MetSul Meteorologia.
Meteorologistas também dizem que a chuva preta pode ocorrer em cidades de Santa Catarina e Paraná.
O que é a chuva preta?
A meteorologista Estael Sias, do MetSul, explica que a chuva preta é resultado da mistura da água com a fuligem carregada pela fumaça.
“A fuligem é constituída de nanopartículas de carbono negro produzido pela queima incompleta de combustível fóssil, material orgânico e outros”, afirma Sias.
“Quando a queima é incompleta, as nanopartículas são levadas para a atmosfera pela fumaça.”
A direção do vento, a 1,5 mil metros de altura, determina para onde é conduzida a fumaça, explica a meteorologista.
“Quando há vento do norte para o sul, a fumaça é levada para a Argentina, para o Uruguai e para o sul do Brasil, como aconteceu ontem (11/9).”
Misturadas à umidade das nuvens, as nanopartículas de carbono negro podem atuar como núcleos de condensação, em torno dos quais formam-se gotas de chuva.
“Hoje (12/9), com a chuva avançando, a atmosfera começa um processo de limpeza dessa fumaça, do carbono negro. É o resultado da chuva limpando a atmosfera”, resume Sias.
Chuva preta oferece risco à saúde?
A meteorologista explica que o fenômeno é uma chuva contaminada, mas não necessariamente tóxica
“Uma vez que está transportando carbono negro, tem, no máximo, o efeito de sujar as superfícies no solo”, afirma Sias.
Segundo Gilberto Collares, professor de Engenharia Hídrica da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), eventuais danos oferecidos à saúde pelo fenômeno dependem de medição adequada.
“A chuva preta pode provocar alguns danos, mas se imagina que a fumaça tenha sido produzida pela queima de material orgânico, ou seja, de florestas e pastagens”, diz Collares.
“Se, além desses componentes, houvesse resíduos industriais de potencial tóxico, ocorreria o que se chama de chuva ácida, potencialmente muito mais perigoso.”
O pesquisador considera que, embora toda água da chuva que não seja límpida e cristalina inspire cuidados, na maioria das vezes, pode ser consumida após ser submetida a um processo adequado de filtragem.
“Não se imagina que a água para consumo humano nas regiões urbanas, onde existem redes de tratamento, possa ser afetada pelo que está acontecendo”, observa.
Um dos comportamentos a ser evitado é o pânico por causa da chuva preta, dizem especialistas.
“A gente não pode ser tão rígido, porque a população precisa de água. Temos de reduzir o risco de pânico, de maneira responsável”, diz Collares.
“Vivemos muito isso durante a enchente [de maio deste ano]. As pessoas vão passar por essa situação, e temos de tratá-las com acolhimento e carinho.”
Mudanças climáticas
Apesar do aparente baixo potencial de dano, Collares diz que o episódio indica o quanto a população está vulnerável diante das mudanças climáticas.
“Em Porto Alegre, autoridades recomendaram que escolas não realizem atividades ao ar livre com alunos pelo menos até domingo. São coisas com as quais a gente vai ter de conviver”, afirma.
O Rio Grande do Sul começou a ser alcançado pela fumaça produzida pela onda de queimadas no Brasil central em meados de agosto.
A fuligem, transportada por ventos denominados de “jatos de baixos níveis” ou, popularmente, corredores de vento, atingiu também a Argentina e o Uruguai.
Durante vários dias, a névoa impediu que o sol brilhasse com toda a intensidade, provocando o chamado “sol vermelho”.
Em Porto Alegre e outros municípios gaúchos, a fumaça somou-se a uma massa de ar frio e à umidade para produzir calor incomum no final do inverno, com temperaturas chegando a 36ºC.
Em Porto Alegre, o uso de máscaras faciais, raro desde o fim da pandemia do novo coronavírus, voltou a ser observado nas ruas em razão da fumaça nos últimos dias.
Além da recomendação às escolas, a prefeitura recomendou que pessoas com sintomas respiratórios busquem atendimento médico e que toda a população se mantenha hidratada, evite ambientes abertos e mantenha portas e janelas fechadas.
A piora da qualidade do ar no Rio Grande do Sul levou a empresa suíça IQAir a classificar a capital gaúcha como segunda metrópole mais poluída do mundo na terça-feira (10/9), atrás apenas de São Paulo. A classificação baseia-se em imagens de satélite.
Para Klug, além de constituir uma imagem triste, a chuva preta causa incômodo profissional.
Ligado ao agronegócio, o consultor preocupa-se com a frequente associação entre a atividade e as queimadas que devastam o centro do país.
“Sou da preservação e do cuidado com o ambiente. Há agropecuaristas que queimam florestas, mas também há pessoas que tocam fogo apenas por motivação criminosa.”
Fonte: BBC
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