- Author, Julián Reingold
- Role, BBC Future
As cataratas do Iguaçu ficam na Floresta Atlântica do Alto Paraná. No lado brasileiro, fica o Parque Nacional do Iguaçu. E, no lado oposto, o Parque Nacional Iguazú, na Argentina.
Para os mais de um milhão de turistas que visitam o local todos os anos, o cenário pode parecer apenas uma amostra de uma área que seria imensa e repleta de biodiversidade.
Mas, para as pessoas que conhecem bem a região, como a bióloga Yara de Melo Barros, os dois parques nacionais da região das cataratas, na verdade, são apenas “uma ilha de vida em meio ao desmatamento”.
Barros é coordenadora do projeto de conservação da onça-pintada chamado Onças do Iguaçu.
Ela ensina que, em 140 mil quilômetros quadrados da Mata Atlântica, existem apenas 300 onças-pintadas. E até um terço delas vive agora no estreito corredor de 2,4 mil km² protegido pelos parques nacionais do Brasil e da Argentina, na região das cataratas do Iguaçu.
Atualmente, a onça-pintada enfrenta alguma forma de ameaça em quase todo o seu habitat, que vai do sudoeste dos Estados Unidos até o norte da Argentina. E um estudo da Cites – a Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas da Fauna e da Flora Selvagem – indica que essas ameaças estão aumentando.
À medida que o desmatamento se amplia e aumentam as incursões das estradas e da agricultura na floresta, a quantidade de presas diminui e os caçadores ilegais ganham cada vez mais acesso às áreas mais remotas.
E não são apenas os grandes felinos que estão enfrentando os riscos causados pelo desmatamento e pela caça ilegal. As populações de animais selvagens monitorados na América Latina e na região do Caribe como um todo diminuíram em catastróficos 94% nas últimas décadas, segundo o relatório Living Planet de 2022, elaborado pela Sociedade Zoológica de Londres (ZSL, na sigla em inglês).
“A caça precisa ser controlada com urgência” afirma Barros. “Os caçadores entram para caçar outros animais e acabam matando a onça-pintada.”
Mas evitar a caça ilegal de qualquer criatura não é uma tarefa fácil, especialmente quando os parques mantêm relativamente poucos funcionários, frequentemente responsáveis pelo patrulhamento de grandes áreas.
Por isso, os pesquisadores e os funcionários dos parques da região das cataratas passaram a explorar novos meios para prever onde podem estar agindo os caçadores ilegais. E eles estão buscando ajuda em novas tecnologias de mapeamento.
Mapeando o problema
No início dos anos 2000, os guarda-parques ainda preenchiam relatórios de campo manualmente, segundo Cecilia Belloni. Ela trabalha há muito tempo como guarda-parque na fronteira leste do Parque Nacional Iguazú, na Argentina.
“Agora, usamos telefones via satélite na floresta, além do sistema Smart (sigla em inglês para Ferramenta de Monitoramento e Relatório Espacial) e do Sistema de Informações Geográficas Quantum para análises espaciais”, explica Belloni.
Segundo ela, “os Sistemas de Informações Geográficas podem aumentar a eficiência das patrulhas dos guarda-parques”, pois permitem que as equipes florestais registrem melhor os dados e quantifiquem qualquer informação relevante que seja observada.
Esses dados podem incluir desde incêndios até desmatamento e mudanças do uso da terra, dentro e fora das áreas protegidas.
O aplicativo Smart nos celulares ou tablets ajuda os guarda-parques a selecionar e padronizar todos os novos dados registrados. Esse software livre, de código aberto, e suas ferramentas de análise foram especialmente projetados para auxiliar os gerentes de conservação no seu trabalho de vigilância.
O aplicativo foi disponibilizado para os guarda-parques argentinos pela primeira vez em 2014, durante uma viagem de treinamento para a Tailândia, e foi testado em seguida no Parque Nacional Iguazú.
Atualmente, 20 dos 50 parques nacionais argentinos adotam o sistema Smart, segundo o técnico de serviços de informações geográficas Leónidas Lizarraga, da Administração de Parques Nacionais da Argentina (APN).
Lizarraga explica que, ao registrar fotos geolocalizadas de cada cápsula de munição encontrada, os guarda-parques podem definir uma trilha de caça.
“[Isso] acaba permitindo que eles sigam a trilha e encontrem pessoas que estão além das áreas de visitação pública”, afirma ele.
Os caçadores ilegais também costumam usar árvores frutíferas como isca, segundo Belloni, como o timbó, que serve de alimento para as antas.
Marcando (ou “geolocalizando”) no software a localização dessas árvores e sua estação de frutificação, os guarda-parques também podem planejar melhor suas patrulhas.
A APN pretende expandir o uso do Smart para todos os parques nacionais argentinos no início deste ano, segundo o guarda-parque Federico Rodríguez Mira, encarregado de operações do Parque Nacional Iguazú.
“A APN pretende adquirir equipamentos eletrônicos como smartphones e tablets resistentes a condições meteorológicas extremas, para aprimorar substancialmente a coleta de dados de campo e auxiliar na tomada de decisões”, explica ele.
Ouvindo a floresta
Mas a utilidade da tecnologia Smart depende dos dados disponíveis para alimentar o sistema.
Após 18 anos de monitoramento da população de onças-pintadas nos parques nacionais do Iguaçu, o número desses animais atingiu um pico de 105 em 2018. Desde então, a população de onças vem caindo e já atingiu cerca de 93.
“A situação operacional como um todo melhorou muito, mas a realidade é que [ainda] enfrentamos um alto número de caçadores“, segundo Belloni. E os conservacionistas da região das cataratas procuram constantemente novas formas de mapear e prever onde estarão os caçadores ilegais.
Existe ainda uma outra ferramenta de mapeamento baseada no som. Em agosto de 2018, pesquisadores brasileiros e argentinos começaram a usar métodos de monitoramento acústico para mapear os locais de caça nos dois lados da fronteira.
Apoiados pelo Projeto Yaguareté (o equivalente argentino do Onças do Iguaçu), a equipe de pesquisa instalou 20 gravadores de áudio dentro e fora da região das cataratas. O experimento durou sete meses.
A bióloga argentina Julia Martínez Pardo registra as coordenadas de um gravador automático que irá ajudar sua equipe a monitorar a atividade de caça de animais silvestres.
O estudo cobriu uma enorme área sem precedentes – 4.637 km². Posicionando os gravadores automáticos no alto das árvores, fora da visão dos caçadores, os pesquisadores conseguiram gravar os sons de tiros disparados a uma distância de até 2 km de cada local.
Ao final dos sete meses, eles haviam registrado tiros em 43 dos 90 locais de monitoramento – e cada uma dessas 43 estações registrou de um até 68 tiros.
Os pesquisadores usaram as informações para elaborar um mapa de previsão da atividade de caça ilegal. Eles também validaram seu modelo com viagens de campo em busca de evidências físicas, como cartuchos de balas e cortes de vegetação.
Essa validação confirmou que o mapa teve 82% de confiabilidade, segundo a líder do projeto, a bióloga de conservação Julia Martínez Pardo, do Instituto de Biologia Subtropical de Misiones, na Argentina.
No futuro, a aplicação prática desse sistema poderá ajudar ainda mais os guarda-parques a patrulhar com mais eficiência.
Pardo afirma que, cruzando os dados de monitoramento acústico com as trilhas de patrulha, os guarda-parques podem determinar se as suas patrulhas coincidem com os locais com maior incidência de tiros. E, se os mapas não coincidirem, as operações podem ter seus trajetos alterados.
O designer e engenheiro eletrônico Sergio Moya, da Universidade Nacional de Misiones, foi o criador do algoritmo usado pela equipe de Julia Martínez Pardo.
“Hoje em dia, a quantidade de recursos alocados à conservação é muito escassa”, segundo ele. “Por isso, precisamos inevitavelmente confiar na tecnologia, para otimizar as ações e concentrar os esforços onde eles são realmente necessários.”
Já existem outras provas de que essa combinação de fontes de dados pode produzir resultados concretos.
Desde 2017, a ONG internacional Panthera vem desenvolvendo uma técnica similar de monitoramento acústico no seu trabalho de combate à caça ilegal na Guatemala e em Honduras. E, em três anos, as autoridades locais conseguiram usar os dados acústicos para prender três caçadores.
A coordenadora do Panthera para a Guatemala, Bárbara Escobar, explica que seu trabalho na região de Sierra del Caral, na fronteira com Honduras, é especialmente importante para as onças-pintadas.
Estudos genéticos demonstram que a conectividade da espécie na América Central e no México está sendo perdida.
“Embora tenhamos descoberto que a caça na região se concentra nas presas da onça-pintada, ela também é uma ameaça para o grande felino”, afirma Escobar, “pois a perda das presas e o desmatamento do seu habitat contribuem para a perda de conectividade.”
Além do mapa
Voltando às cataratas do Iguaçu, a combinação de sensores visuais e acústicos ajudaria as equipes de guarda-parques a concentrar seus esforços, segundo Federico Rodríguez Mira. Da mesma forma, a adoção de drones também pode ajudar a vigilância em áreas de difícil acesso.
Por isso, Rodríguez Mira afirma que a APN argentina tem planos de incorporar estas e outras tecnologias em 2024. A esperança é que os novos equipamentos ajudem a orientar seu trabalho de vigilância da caça ilegal e liberem tempo dos funcionários para que possam monitorar e auxiliar os mais de um milhão de visitantes que visitam o parque nacional todos os anos.
O estudo de Julia Martínez Pardo também concluiu que melhorar o mapeamento e o patrulhamento pode ser muito útil para reduzir a caça ilegal.
Seu modelo demonstrou que os principais fatores determinantes da ocorrência de caça foram a distância até os postos de controle dos guarda-parques (que servem de entraves para a atividade ilegal) e a proximidade e fácil acesso a assentamentos humanos, que são locais convenientes para os caçadores. Quando o acesso às cidades e vilarejos é mais fácil, a atividade de caça aumenta.
Por isso, também é essencial combater as ameaças à vida selvagem na fonte – especialmente depois da posse do novo presidente da Argentina, Javier Milei, que pretende enfraquecer a proteção ambiental.
O estudo de Pardo recomenda, entre outras medidas, melhorar a situação socioeconômica dos moradores locais. O turismo pode trazer novas fontes de renda, mas também aumenta as dificuldades, já que a infraestrutura turística ajuda os caçadores.
No Brasil, o analista ambiental Ivan Carlos Baptiston, ex-chefe do Parque Nacional do Iguaçu, destaca que os recentes planos de reabertura da Estrada do Colono, que atravessa áreas protegidas do Parque Nacional do Iguaçu, foram suspensos. Por outro lado, o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro assinou uma nova concessão para o parque em 2022.
“As novas propostas ainda estão em discussão, mas elas autorizariam novos mirantes e pontes no já saturado circuito das Cataratas, que divide a floresta em volta das quedas d’água”, explica Baptiston. Ele está preocupado com o impacto dessas medidas sobre a biodiversidade da região.
Os métodos adotados pelos caçadores também estão ficando cada vez mais sofisticados. Yara Barros destaca que, no Brasil, eles usam temporizadores para liberar iscas e atrair as presas, além de silenciadores para despistar as patrulhas e, em alguns casos, até GPS e walkie-talkies.
As multas para os infratores podem ser consideráveis. Em 2023, um caçador foi multado na Argentina em 3,77 milhões de pesos – o equivalente a quase US$ 11 mil (cerca de R$ 53,6 mil), ou 29 vezes o salário mínimo médio da Argentina, na época.
Ainda assim, muitos caçadores ainda se livram da prisão, segundo Nicolás Lodeiro Ocampo, um dos fundadores e diretor-executivo da ONG argentina Red Yaguareté.
“Na Argentina, as sentenças de menos de três anos de prisão por qualquer delito são cumpridas em liberdade”, afirma ele. “Por isso, precisamos aumentar as penas para pelo menos quatro ou oito anos.”
A coordenadora do Programa Paisagens Terrestres da Fundação Vida Silvestre Argentina, Lucía Lazzari, acredita que os esforços para introduzir novas ferramentas tecnológicas, como o sistema Smart e o monitoramento acústico, devem sempre fazer parte de um conjunto maior de ações de conservação ambiental.
Estas ações devem incluir o trabalho de conservação, restauração e conexão de habitats, além do combate ao desmatamento ilegal e à degradação da floresta, bem como a promoção de práticas de produção sustentáveis.
“O desmatamento é a ameaça mais importante enfrentada pela nossa floresta hoje em dia”, afirma Lazzari. “[Ele] afeta não só os animais, como a onça-pintada, mas também as pessoas que vivem e dependem dos serviços do ecossistema [da floresta].”
Para Yara Barros, o uso de mapas de alta tecnologia para melhorar as patrulhas dos guarda-parques deve ser combinado com o trabalho junto às comunidades locais. E, se não houver mudanças, ela teme pelo pior.
“Não quero viver em um mundo onde os olhos dourados da onça-pintada não existem mais”, conclui a bióloga.
Fonte: BBC
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