- Author, Felipe Llambías
- Role, BBC News Mundo
- Twitter, @felipellambias
Quer Sergio Massa ou Javier Milei vença as eleições presidenciais neste domingo (19/11), os argentinos continuarão fazendo as mesmas perguntas.
Quanto custará um quilo de carne no próximo mês?
Que reajustes as tarifas públicas terão com o novo governo?
Este ano foi difícil para o bolso dos argentinos, com a inflação ultrapassando os 140% ao ano, uma queda real de 5,5% nos salários nos primeiros nove meses do ano, uma moeda local que perdeu entre metade e 60% do seu valor frente ao dólar americano, dependendo da taxa de câmbio praticada.
Vale lembrar que 2022 também já não tinha sido favorável.
O governo atribui isso à falta de dólares no país, tanto para fazer frente aos pagamentos como para acumular reservas que lhe permitam defender o valor de sua moeda.
Independentemente de quem vença as eleições presidenciais, tudo indica que o próximo presidente da Argentina terá melhores rendimentos nos cofres do Estado em 2024.
“No próximo ano, a balança comercial da Argentina poderá aumentar em cerca de US$ 25 bilhões (R$ 120 bilhões)” a favor do país sul-americano devido ao aumento das exportações, diz o economista argentino Miguel Kiguel à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.
Mas, antes que essas receitas de exportação comecem a fluir, a economia argentina deverá cair ainda mais, com uma possível aceleração da inflação, preveem os especialistas.
Apesar disso, as receitas geradas por grãos, combustíveis e lítio oferecem três boas notícias a médio prazo para o próximo presidente.
1. Produção agrícola
Considerado um dos maiores celeiros do mundo, a Argentina possui vastas extensões de terra onde se cultivam principalmente soja, milho e trigo, cujo principal destino é a exportação.
Dois a cada três dólares que entraram no país em 2022 foram provenientes de exportações relacionadas com o setor agroalimentar.
Como a venda desses cereais no exterior é fortemente tributada, a agricultura alimenta os cofres do país com cifras consideráveis todos os anos.
Mas durante a safra de 2022/2023 (que começa em junho), a Argentina registrou uma das piores secas da sua história, o que reduziu substancialmente sua produção agrícola e, como resultado, a entrada de dinheiro na economia do país sul-americano.
A situação começou a se reverter no segundo semestre de 2023, quando o fenômeno meteorológico La Niña — que causou a seca — terminou e deu lugar ao El Niño, período em que predominam as chuvas na região.
A Bolsa de Rosário, localizada no interior argentino e especializada em produtos agrícolas, estima que na safra 2023/2024 serão colhidas 136 milhões de toneladas de grãos na Argentina, muito acima dos 80 milhões de toneladas do ano agrícola anterior.
“Considerando em dólares, isso nos dá uma estimativa de que as exportações atinjam US$ 34,3 bilhões (R$ 165 bilhões)”, diz Franco Ramseyer, analista de mercado da Bolsa de Valores de Rosário, à BBC News Mundo.
Esse valor é superior em quase US$ 10 bilhões (R$ 48 bilhões) às exportações do ano anterior.
A Bolsa de Cereais de Buenos Aires tem projeções semelhantes e afirma que o setor renderá US$ 14 bilhões (R$ 68 bilhões) aos cofres do Estado, 50% a mais que um ano antes.
“Estamos diante de uma colheita razoável, que não vai ser das melhores porque temos todo um ambiente macroeconômico que tem feito com que muitos não desenvolvam o seu potencial, mas a colheita não vai ser ruim”, assinala o presidente da Bolsa de Valores de Cereais de Buenos Aires, José Martins, ao apresentar as projeções em setembro.
Ramseyer destacou que, “se a melhora se concretizar — porque ainda não se materializou — seria uma contribuição importante para a reconstrução das reservas internacionais”.
O Banco Central tem reservas de cerca de US$ 20,9 bilhões (R$ 101 bilhões), segundo dados oficiais. O saldo líquido, ao descontar seus passivos (dívidas), é negativo em US$ 10,6 bilhões (R$ 51 bilhões), segundo estimativas da consultoria Ecolatina.
2. Mudança na equação dos hidrocarbonetos
Até o ano passado, a Argentina era importadora de hidrocarbonetos — gás e petróleo — porque, embora possuísse uma boa quantidade desses recursos naturais, eles não eram suficientes para suprir a demanda interna.
A conclusão neste ano das obras no campo petrolífero de Vaca Muerta, no oeste do país, permitiu aumentar a produção de gás e petróleo, e a equação passou a ser de equilíbrio em 2023 e superávit comercial de energia em 2024, ou seja, mais exportações do que importações desses combustíveis.
Segundo a secretária de Energia, Flavia Royón, em 2024 haverá um superávit na balança comercial de energia de US$ 3,7 bilhões, enquanto em 2022 o saldo foi negativo em US$ 4,4 bilhões.
O diretor da consultoria Economía y Energía, Nicolás Arceo, diz à BBC News Mundo que as estimativas dele são um pouco mais conservadoras.
Em suas estimativas, o superávit da balança comercial de energia será de US$ 2,5 bilhões (R$ 12,1 bilhões) no próximo ano — mas concorda em apontar que a transformação do setor terá um impacto positivo na necessidade de moeda estrangeira do país.
“Sejam US$ 2,5 bilhões ou US$ 3,7 bilhões, o que marca é uma mudança estrutural no setor, que esteve cronicamente deficitário desde meados da primeira década do século 21 e que vai se tornar um setor com excedentes em termos comerciais ao longo da próxima década”, explica.
“Há uma longa discussão sobre se o problema da economia argentina é fiscal ou externo. Estou mais inclinado para o externo e, nesse sentido, o aumento das exportações do setor dos hidrocarbonetos vai ser decisivo para moderar (reduzir) a restrição externa na próxima década”, observa.
Arceo diz que o impacto da expansão da rede de gasodutos na Argentina será visto “com toda a sua intensidade” no próximo inverno austral e que isso não significará apenas a substituição das importações de gás natural liquefeito, mas também uma menor importação de combustíveis líquidos, particularmente o diesel, para o sistema de geração de energia elétrica.
A Argentina possui uma das maiores reservas mundiais de lítio, mineral utilizado na fabricação de baterias e que hoje é muito demandado pela indústria de carros elétricos. O país é o quarto maior produtor do mundo, atrás apenas da Austrália, Chile e China.
“A indústria do lítio na Argentina atrai atualmente investimentos muito importantes”, explica Patricia Vásquez, pesquisadora do centro de estudos Wilson Center, nos Estados Unidos.
Além dos dois projetos de exploração que já existiam, um terceiro iniciou operações em meados deste ano e prevê produzir 40 mil toneladas em 2024, o que representará exportações adicionais para o país de cerca de US$ 820 milhões (R$ 4 bilhões), se o preço no mercado internacional permanecer o mesmo.
Outros dois projetos anunciaram o início da produção em 2024 e, no total, a indústria planeja aumentar seu volume de exportação de 37,5 mil toneladas para 141,5 mil. Isso significa receitas adicionais de mais de US$ 2,1 bilhões (R$ 10,2 bilhões) por ano.
“O lítio é importante para uma economia como a Argentina, que precisa de dinheiro, mas também não é o que vai salvar o país”, ressalva Vásquez.
Falta de dólares ou gastos públicos elevados?
No centro do debate sobre os desafios econômicos persiste a discussão sobre onde realmente está a chave para enfrentar a crise: uma maior entrada de dólares no país, como enfatiza Massa, ou um corte profundo nos gastos fiscais, como destaca Milei.
“A economia argentina é disfuncional e tem muitos problemas, mas para mim a questão central é que não tem reservas e por isso o mercado espera uma desvalorização e há uma inflação muito alta”, diz Kiguel.
O economista prevê que a maior receita cambial em 2024 será usada para pagar as dívidas de importação que o país tem.
O Banco Central da Argentina projetou um superávit comercial de US$ 22,4 bilhões (R$ 107 bilhões) até 2024, valor que aumentaria para quase US$ 42 bilhões (R$ 204 bilhões) em 2030.
Se essa previsão se concretizar, o mercado argentino terá mais dólares, e o país estará em melhor posição para enfrentar seus desafios econômicos.
No entanto, nem todos acreditam que a chave é um fluxo maior de moeda estrangeira.
O economista-chefe da Fundação Latino-Americana de Pesquisas Econômicas (Fiel), Juan Luis Bour, diz acreditar que o problema não está na balança comercial, como o governo tem dito, mas nos gastos públicos, e que a próxima gestão terá que fazer um ajuste fiscal.
“Essa é uma visão típica de quem dirige uma economia de ações (restrições cambiais) na qual todo o problema da economia argentina se resolve conseguindo alguns dólares para distribuí-los com certa discrição, para manter a taxa de câmbio sob controle… Todas são medidas contrárias a uma política econômica saudável”, diz Bour à BBC News Mundo.
“Embora alguns setores devam se recuperar em 2024 e outros possam registrar crescimento em comparação com anos anteriores, não acredito vão retornar ao nível de outrora, porque a maior parte da economia é de serviços e indústria. Além disso, a maior parte desses setores deve apresentar queda durante o próximo ano como parte de um processo de ajuste para evitar um processo hiperinflacionário”, prevê.
Alguns analistas dizem acreditar que uma combinação de receitas fiscais mais altas provenientes das exportações e uma diminuição da despesa pública ajudará o próximo presidente a estabilizar as finanças.
Não será fácil para quem chegar à Casa Rosada. Mas pelo menos nem tudo são más notícias a médio prazo.
Fonte: BBC
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