- Author, André Shalders e Leandro Prazeres
- Role, De Madri para a BBC News Brasil
- Twitter, @Da BBC News Brasil em Brasília
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Depois de oito anos e quatro meses de ausência, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, está de volta ao Brasil.
Acusado de graves violações de direitos humanos pela Organização das Nações Unidas (ONU) e de “narcoterrorismo” pelos Estados Unidos, Maduro aterrissou em Brasília para uma reunião dos chefes de Estado e de governo de 11 países latinoamericanos, a ser realizada na terça-feira (30/05).
O venezuelano estava acompanhado da primeira-dama, Cilia Flores, quando subiu a rampa do Palácio do Planalto para uma reunião bilateral com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Maduro não vinha ao Brasil desde janeiro de 2015, quando esteve na posse da ex-presidente Dilma Rousseff, também do PT.
Ao assumir o governo brasileiro em 2019, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) rompeu relações com o governo de Nicolás Maduro – que comanda de fato o país desde 2013 – e passou a reconhecer o opositor Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela, embora este nunca tenha exercido o poder no país vizinho.
Em 2017, ainda no governo de Michel Temer (MDB), o então encarregado de negócios da Venezuela no Brasil, Gerardo Antonio Delgado Maldonado, foi considerado “persona non grata” no Brasil.
A medida foi uma resposta à decisão de Caracas de fazer o mesmo com o embaixador brasileiro na Venezuela, o diplomata Ruy Pereira.
E, em setembro de 2020, já sob Bolsonaro, o corpo diplomático venezuelano no Brasil também deixou de ser reconhecido pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE) – os profissionais não foram expulsos de Brasília, mas não tinham mais o status de representantes diplomáticos para o governo brasileiro.
Sob o governo do ex-capitão, o Estado brasileiro passou a relacionar-se com representantes indicados por Guaidó.
Na reunião desta segunda-feira, Lula e Maduro trataram da normalização das relações entre o governo brasileiro e o regime de Caracas. Segundo Lula, é “um prazer” receber Maduro novamente em Brasília.
“É difícil conceber que tenham passado tantos anos sem que mantivessem diálogos com a autoridade de um país amazônico e vizinho, com quem compartilhamos uma extensa fronteira de 2.200 km”, disse Lula após o encontro.
O presidente brasileiro disse ainda que as acusações de autoritarismo contra a Venezuela são apenas “narrativas”.
“Você sabe a narrativa que se construiu contra a Venezuela. Da antidemocracia, do autoritarismo… Então eu acho que cabe à Venezuela mostrar a sua narrativa, para que possa efetivamente fazer as pessoas mudarem de opinião. (…) E eu acho que, por tudo que nós conversamos, a sua narrativa vai ser infinitamente melhor que a narrativa que eles têm contado contra você”, disse Lula em entrevista no Palácio do Planalto, ao lado de Maduro.
Na prática, o governo brasileiro já havia retomado as relações com o governo Maduro logo após a posse de Lula – na última quarta-feira (24/05), o petista recebeu as credenciais do novo embaixador da Venezuela no Brasil, Manuel Vicente Vadell Aquino. A cerimônia marcou o início dos trabalhos do embaixador em Brasília.
As acusações contra o regime de Maduro
Entidades como a Anistia Internacional, a Human Rights Watch e a Organização das Nações Unidas (ONU) acusam o governo comandado por Maduro de ser uma ditadura que usa da violência para manter o poder.
Os métodos incluiriam execuções, sequestros, estupros e prisão de opositores. Iniciado por Hugo Chávez, o grupo político de Maduro – o chavismo – está no poder na Venezuela de forma ininterrupta desde 1999.
Segundo as entidades, o governo usaria o aparato de inteligência civil e militar para vigiar a sociedade civil, inclusive sindicalistas e membros da imprensa.
Em 2020, o governo dos Estados Unidos acusou Maduro de envolvimento com o tráfico de drogas e de “narcoterrorismo” contra a população americana – as acusações continuam em aberto, e há uma recompensa pela prisão do chefe de Estado venezuelano.
Por fim, os principais índices que se propõem a medir o grau de democratização dos diferentes países ao redor do mundo são unânimes em considerar o atual regime venezuelano como uma ditadura.
Para o índice V-Dem, baseado na Suécia, a Venezuela é hoje uma “autocracia eleitoral” – um regime autoritário, apesar das eleições. Maduro foi eleito presidente em 2013 e reeleito em 2018.
A eleição vencida por ele em 2018, porém, foram colocadas sob suspeita por diversos outros países.
Além disso, após ter sofrido uma derrota na eleição de 2015 para obter maioria na Assembleia Nacional – o Legislativo unicameral da Venezuela -, Maduro convocou uma Assembleia Nacional Constituinte.
Na prática, o movimento serviu para esvaziar o Legislativo eleito e comandado pela oposição.
As últimas acusações de violação de direitos humanos dirigidas contra o governo Maduro foram apresentadas em março deste ano pela Missão das Nações Unidas para Verificação de Fatos sobre a Venezuela (FFMV, na sigla em inglês).
A missão relatou a existência de pelo menos 282 presos por razões políticas no país, e apontou a permanência de um clima generalizado de medo por parte da população.
“Num contexto de impunidade generalizada de crimes sérios mencionados em nossos relatórios anteriores, os cidadãos que criticam ou se opõem ao governo se sentem ameaçados e desprotegidos. O medo da prisão e de torturas por parte do governo impedem as pessoas de se expressarem ou protestarem”, disse Marta Valiñas, a chefe da FFMV.
Em outro relatório, de setembro de 2020, a mesma missão da ONU detalhou a forma como o governo venezuelano usava agências de inteligência civis e militares para reprimir opositores.
“Ao fazê-lo (o governo) comete crimes graves e violações de direitos humanos, incluindo atos de tortura e violência sexual. Estas práticas precisam parar imediatamente”, disse Valiñas na ocasião.
O relatório foi baseado em 245 entrevistas confidenciais com cidadãos venezuelanos, além de análise de documentos.
No fim de março deste ano, a Anistia Internacional estimou entre 240 e 310 o número de presos políticos na Venezuela, além de destacar as dificuldades econômicas enfrentadas pela população.
A maioria dos venezuelanos sofre com “severa insegurança alimentar e falta de acesso a cuidados médicos adequados”, enquanto o Estado trata de forma repressiva “jornalistas, integrantes da mídia independente e defensores de direitos humanos”, segundo a organização.
A reportagem da BBC News Brasil procurou a embaixada venezuelana em Brasília por e-mail no começo da tarde desta segunda-feira para comentários sobre as acusações, mas até o momento não houve resposta.
Em 2020, porém, o então embaixador da Venezuela na ONU, Jorge Valero, classificou a iniciativa das Nações Unidas como “hostil” e disse que a produção dos relatórios fazia parte de uma iniciativa dos Estados Unidos para atacar o governo de Caracas.
‘Tradição brasileira’
A professora do curso de Relações Internacionais da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Carol Pedroso, diz que o Brasil tem uma tradição de buscar relações com todos os países – mesmo os que são considerados ditaduras.
“Existe uma tradição na diplomacia brasileira, consolidada no começo do século vinte, de que o Brasil não se posiciona contra governos. o Brasil (…) não faz críticas diretas à situação interna de outros Estados. O entendimento é de que se nós (Brasil) nos posicionamos contra questões domésticas de outro país, nós também nos colocamos em posição de receber críticas dos outros”, diz ela.
“E sendo o Nicolás Maduro o presidente de fato da Venezuela, aquele que governa realmente o país, que controla as instituições, ele deve ser recebida como chefe de Estado”, diz.
“Agora, tem a questão simbólica, com todo esse histórico recente. Há várias acusações graves de violação de direitos humanos por parte do governo Maduro, e até questionamentos de se a Venezuela seria de fato uma democracia”, diz a pesquisadora à BBC News Brasil.
“Nessa dimensão simbólica, a recepção do Maduro com honras de chefe de Estado pesa contra o Lula, sobretudo no âmbito interno (ao Brasil)”, completa ela.
Segundo Carol Pedroso, a aproximação de Lula com Maduro pode estar relacionada à tentativa do brasileiro de trazer o regime venezuelano de volta às negociações com a oposição.
“O Lula pode (tentar) ganhar uma projeção internacional como mediador, assim como ele está tentando fazer no caso do conflito da Ucrânia. A gente sabe que ele pessoalmente tem uma capacidade de negociação grande, porém as condições atuais (na Venezuela) são muito diferentes daquelas dos dois primeiros governo dele”, diz ela.
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