- Author, Marianna Spring
- Role, Correspondente de redes sociais da BBC News
Eu havia terminado minha investigação sobre se o Twitter é capaz de proteger seus usuários após a compra da plataforma por Elon Musk quando, para minha surpresa, ele próprio tuitou sobre isso.
“Desculpe por transformar o Twitter de um paraíso para um lugar que tem… trollagem”, disse ele numa postagem com a foto da minha reportagem.
De acordo com dados do próprio Twitter, essa mensagem de Musk foi vista por 30 milhões de perfis.
A matéria deixava claro que o Twitter nunca foi perfeito. Mas ela expôs como o ódio está florescendo na plataforma após a compra da empresa por Musk.
Funcionários que continuam no Twitter e que saíram de lá me disseram que “ninguém está cuidando” dos mecanismos criados para proteger usuários de discursos de ódio e ameaças.
Eu pedi entrevista a Musk como parte da minha investigação para o programa Panorama, da BBC. Mas ele não respondeu. Em vez disso, decidiu compartilhar sua reação depois da publicação aos seus mais de 130 milhões de seguidores na rede social.
Os tuítes dele desencadearam uma torrente de ataques contra mim por outros usuários. Houve centenas de postagens, incluindo comentários misóginos e ofensas.
Recebi também mensagens com ameaças que continham descrições de sequestro e enforcamento.
Depois, Musk postou novamente, respondendo a um tuíte crítico à reportagem da BBC. Ele escreveu “roflmao”, sigla em inglês que significa “rolando no chão de tanto rir”. Com isso, mais mensagens de ódio foram enviadas, predominantemente dos Estados Unidos e do Reino Unido.
Algumas delas de contas que haviam sido suspensas anteriormente. Mais provas para sustentar a investigação do Panorama sobre a proliferação de mensagens de ódio.
A maioria das mensagens eram direcionadas a mim. Esse tipo de ataque contra mim no Twitter não é novidade. Afinal de contas, sou uma jornalista que compartilha lá minha cobertura sobre desinformação, conspirações e ódio .
No início da minha investigação para o Panorama, um time do Centro Internacional para Jornalistas e a da Universidade de Sheffield monitoraram as mensagens de ódio que recebi e verificaram que elas triplicaram em volume desde que Elon Musk comprou o Twitter, comparado com o mesmo período do ano anterior.
E os mecanismos usados pelo time de pesquisadores não eram nem capazes de captar todas as mensagens abusivas. Algumas, que atraíram mais de 14 mil comentários, não foram computadas porque não usavam meu nome diretamente ou foram escritas em resposta ao tuíte original de Musk.
Outras eram mensagens privadas, entre elas um vídeo de uma mulher sendo amarrada e ameaçada com arma de fogo, e uma outra que mostrava enforcamentos. Também havia algumas falando sobre como a minha vida terminaria “de uma maneira horrível” e dizendo que gostariam de me ver “ardendo no inferno”.
Muitas combinavam expressões misóginas com linguagem sexualizada. Fui repetidas vezes chamada de prostituta. A maioria das mensagens vieram do Twitter e uma minoria de outras plataformas, após os tuítes de Musk.
Perfis suspensos voltaram à ativa
Durante minha investigação para o Panorama, verifiquei os perfis que enviavam mensagens abusivas pelo Twitter. Muitos se tornaram ativos na plataforma depois que Elon Musk decidiu restaurar milhares de contas suspensas.
Dessa vez, analisei os perfis que me enviaram mensagens de ódio. Muitas dessas contas se tornaram mais ativas após a compra do Twitter por Musk. Algumas eram de proeminentes teóricos da conspiração que tiveram suas contas desbloqueadas por Musk. Alguns tinham o símbolo azul de conta verificada.
Todas as vezes em que me tornei alvo de ataques no ano passado, usei mecanismos das redes sociais para me proteger. Dessa vez, esses instrumentos no Twitter não pareciam funcionar da mesma maneira.
O modo de segurança, que automaticamente bloqueia contas abusivas, estava bloqueando perfis que me mandavam mensagens de ódio, mas também, por erro, bloqueava usuários que postavam mensagens de apoio.
Isso combina com o que funcionários atuais e antigos do Twitter me disseram. Eles afirmaram que os recursos destinados a proteger os usuários do Twitter de trolagem e assédio estão se mostrando difíceis de manter e estão funcionando de forma inconsistente.
Pelo menos metade dos funcionários do Twitter foram demitidos ou decidiram sair desde que Musk comprou a plataforma.
Quando eu voltei a contatar minhas fontes do Twitter para perguntar o que eles achavam da nova onda de abuso online, muitos disseram que ela confirmava preocupações que levantaram desde que Musk assumiu o controle da plataforma.
Procurei Musk e o Twitter várias vezes para perguntar sobre sua visão para a plataforma. Eu insisti várias vezes tanto com a assessoria do Twitter quanto com Musk em busca de respostas sobre a nova onda de mensagens de ódio que eu recebi desde que ele tuitou sobre a reportagem. Eles não me responderam.
Desde então, o email da assessoria de imprensa do Twitter automaticamente me envia emojis de fezes em resposta às minhas demandas. As políticas do Twitter, que estão disponíveis publicamente online, dizem que “defender e respeitar a voz do usuário” continua a ser “um de seus principais valores”.
Os últimos episódios levantam dúvidas sobre o que liberdade de expressão realmente significa para o novo Twitter, onde trollagem parece ser parte do jogo e até jornalistas que procuram responsabilizar a plataforma se tornam alvos.
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