Prestes a completar seu primeiro ano, a guerra na Ucrânia pode ter seus rumos alterados com o anúncio do envio de tanques pela Alemanha e Reino Unido – e a expectativa de que os Estados Unidos também mandem veículos do tipo.
Desde que a Rússia invadiu o país, em fevereiro do ano passado, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, vem pedindo que seus aliados ocidentais auxiliem sua campanha com os equipamentos. Mas até então as lideranças haviam negado.
Na semana passada, porém, o governo do Reino Unido anunciou que enviaria 14 tanques e outros equipamentos militares sofisticados nas próximas semanas.
Com isso, cresceu ainda mais a pressão sobre os demais aliados ucranianos e, na terça-feira (24/1), a Alemanha se juntou aos britânicos. Segundo relatos da imprensa americana, os Estados Unidos devem fazer o mesmo em breve.
A seguir, entenda em três pontos como os tanques podem virar o jogo nesta guerra e, ao mesmo tempo, quais os riscos que eles representam.
O que foi prometido?
O primeiro país a se comprometer oficialmente foi o Reino Unido, com a promessa de enviar 14 unidades do modelo Challenger 2, que pesa 75 toneladas e é significativamente mais avançado do que os tanques que a Ucrânia tem disponíveis atualmente.
Ele é ainda o principal tanque de batalha britânico e está equipado com armas de extrema precisão.
No entanto, o Challenger 2 usa uma munição diferente dos outros tanques usados por países da Otan, a Organização do Tratado do Atlântico Norte, o que poderia tornar o seu uso complicado.
Também serão doados pelo Reino Unido quase 600 mísseis do tipo ar-terra, bem como mísseis de defesa aérea.
Ao anunciar a decisão, o secretário de Defesa britânico, Ben Wallace, classificou o envio como o “mais significativo” em termos de poder de combate desde o início da guerra.
Ele também conclamou seus colegas a acelerarem os esforços coletivos diplomáticos para seguirem auxiliando a Ucrânia.
Na mesma semana, o presidente Volodymyr Zelensky organizou uma reunião com ministros da Defesa de mais 50 países para reforçar o apelo.
Segundo ele, a Ucrânia precisa de 300 tanques de batalha principal de última geração para vencer a Rússia.
A resposta veio com o anúncio da Alemanha que comunicou oficialmente sua intenção de enviar, em um primeiro momento, 14 tanques do modelo Leopard 2.
Esse tipo de veículo é usado também por outros países europeus. Tem uma manutenção mais simples e usa menos combustível do que modelos similares e também é mais pesado do que os tanques russos da mesma categoria.
Além dos equipamentos, o governo alemão prometeu oferecer treinamento e munição às tropas ucranianas e disse ainda que irá liberar outros países que compraram seus tanques Leopard 2 a oferecê-los à Ucrânia.
Polônia, Finlândia, Espanha, Lituânia e outras nações do Báltico já haviam manifestado sua intenção de ajudar Kiev emprestando os equipamentos – só a Polônia e a Finlândia haviam prometido 25 deles no total.
Mas para fazer isso, esses países precisam antes de uma licença de exportação, concedida pelo território de fabricação, para enviá-los para o exterior.
Após o anúncio positivo de Berlim, lideranças dessas nações celebraram a decisão e agradeceram ao chanceler alemão Olaf Scholz pela ação.
Por fim, os Estados Unidos: segundo a imprensa local, o presidente Joe Biden está finalizando os arranjos para enviar cerca de 30 tanques M1 Abrams.
O modelo é um dos mais pesados em serviço pelas Forças Armadas americanas e alguns dizem ser o mais avançado do mundo.
Mas eles também têm um consumo de combustível maior do que outros tanques. Parte da resistência da Casa Branca em ceder o equipamento se justificava justamente pela sua difícil manutenção.
Qual diferença os tanques podem fazer na guerra?
O governo ucraniano afirma que os equipamentos podem ser essenciais para retomar territórios ocupados e tentar igualar sua força militar à da Rússia.
Kiev possui seus próprios tanques, mas são veículos velhos, datados do período soviético.
É o caso do modelo T-72, doado aos ucranianos por seus aliados do Leste Europeu ou capturado dos russos. Ele pesa em geral menos de 50 toneladas – bem menos do que os usados pelas potências ocidentais.
A Ucrânia começou a guerra com cerca de 900 modelos como o T-72. Já a Rússia invadiu com mais de 3 mil tanques e tem muitos outros de reserva.
“Muitos dos tanques da Ucrânia provavelmente são inúteis, porque não tiveram a manutenção correta antes da invasão”, diz a pesquisadora da área de defesa do King’s College London Marina Miron.
Especialistas afirmam ainda que os tanques podem ser essenciais para que Kiev consiga quebrar as linhas de defesa da Rússia, que são fortemente defendidas com artilharia, ou seja, uma tropa equipada com armas pesadas e coletivas de grande calibre e alcance.
Segundo Frank Ledwidge, professor de estratégia e capacidade militar da Universidade de Portsmouth e ex-oficial do Exército britânico nas guerras do Iraque e do Afeganistão, operações terrestres requerem uma combinação de equipamentos blindados, que são os tanques; de artilharia; e de infantaria, as unidades treinadas para o combate a pé.
“O melhor tipo de blindados que você pode ter para recuperar território são os tanques pesados. E os melhores tanques do mundo são os alemães, os ingleses e os americanos”, afirmou o especialista.
Além disso, há outro fator crucial em jogo: o tempo. Autoridades da Otan acreditam que Moscou está planejando uma nova ofensiva a partir de abril, após uma campanha de mobilização iniciada em setembro.
Por isso, veem as próximas semanas como uma grande oportunidade para repelir as forças russas, que estão ficando sem munição e reforços. E para isso os tanques são essenciais.
O governo ucraniano acredita que eles serão especialmente úteis na região de Donbass, onde uma batalha sangrenta se desenrola há algumas semanas, com troca pesada de artilharia e foguetes e muitas baixas ucranianas.
E se o foco é retomar território, os tanques alemães Leopard 2 são especialmente desejados. Isso porque eles são mais leves e rápidos, usam munição padrão e têm menos desvantagens do que os demais.
Frank Ledwidge explica que há também uma grande oferta desse modelo na Europa, algo em torno de 2 mil exemplares.
Isso significa que existe também grande capacidade para ajudar na manutenção e reparo, assim como grande suprimento de munições, equipamentos e peças de reposição.
“É provavelmente o tanque ocidental mais adequado para a Ucrânia e é superior à maioria dos tanques russos”, diz Ledwidge.
Por outro lado, os tanques ocidentais são mais pesados do que os utilizados na Ucrânia atualmente e, segundo especialistas, isso significa que não poderão ser utilizados em algumas regiões, especialmente naquelas onde há mais rios. Áreas com muita lama também podem levar a muitos atolamentos.
Além disso, segundo Marina Miron, os tanques ocidentais devem instantaneamente se tornar alvos para Moscou. “Os russos vão caçar ativamente esses novos tanques e tentar destruí-los”, disse.
O envio pode envolver mais países na guerra?
Até o momento, as grandes potências aliadas haviam fornecido apenas armas de defesa para a Ucrânia, por conta do receio de que o envio de equipamentos usados para ataque, como os tanques, pudessem provocar a Rússia e escalar a guerra.
Vladimir Putin cita desde o início do confronto algumas linhas que não devem ser cruzadas pelos países ocidentais, ameaçando escalar a guerra caso isso ocorra.
O problema é que, quando se trata de conflitos armados, esses limites estão constantemente mudando e sendo ultrapassados sem consequências, o que dificulta o entendimento sobre o que exatamente o presidente russo consideraria uma agressão mais grave.
Mas a reação de Moscou ao anúncio do envio dos tanques foi categórica. A embaixada russa em Berlim afirmou que a decisão levaria o conflito a um próximo nível e classificou a oferta dos equipamentos como um abandono das “responsabilidades históricas” da Alemanha com a Rússia.
Já o ministério das Relações Exteriores afirmou que a ação confirma que o conflito foi uma “guerra pré-planejada” contra a Rússia.
Essa declaração traduz justamente um dos maiores temores dos analistas e dos próprios envolvidos em relação ao envio dos tanques – o de que Putin use essa nova declaração de apoio para fortalecer a narrativa de que a Otan está provocando a guerra ao interferir e ampliar cada vez mais a sua presença nos vizinhos russos.
O presidente russo utilizou ela como uma das principais justificativas para a invasão e segue insistindo que isso está ocorrendo.
A Alemanha também tem outra questão em jogo. Desde a Segunda Guerra Mundial, o país havia se mantido firme à sua prática de não enviar armas letais sob seu controle para zonas de conflito. E com o passado nazista gravado em sua história, Berlim sabe que ter tanques alemães rodando pelo leste europeu carrega bastante simbolismo.
Mas o chanceler Olaf Scholz garantiu que avaliou todas essas variáveis antes de tomar sua decisão e tentou tranquilizar seus cidadãos.
Em um pronunciamento ao Parlamento, ele afirmou que o envio acontecerá em coordenação com outras potências ocidentais e que nunca faria algo assim “sozinho”.
Também reforçou a necessidade de agir acusando a Rússia de imperialismo. “Rejeitamos esta ideia imperialista e é por isso que apoiamos a Ucrânia”, disse.
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