- Jamille Ribeiro Bastos do Carmo
- Do Rio de Janeiro para a BBC News Brasil
“‘Oh, futebol, samba, carnaval!”, é o comentário, quase sempre acompanhado de um sorriso, que muitos ouvem no exterior quando mencionam que são brasileiros.
Mas, se por um lado essa é uma face bastante conhecida do Brasil fora de suas fronteiras, muita gente pode não saber que profissionais dessa nacionalidade também são disputados pelo mundo em outros ramos.
A BBC Brasil reúne aqui algumas histórias que contrariam o “complexo de vira-lata” e mostram áreas em que profissionais brasileiros são valorizados pela excelência técnica e eficiência profissional — e em que características “típicas” como espontaneidade e paixão ajudaram bastante.
Dentistas: técnica premiada e atendimento humano
Priscila Kolbe, que atua em Londres há 15 anos, costuma dizer que ninguém senta na cadeira do dentista porque quer, mas que seus pacientes definitivamente se sentem aliviados por estarem sendo tratados por uma dentista brasileira.
“O dentista brasileiro não trabalha só com as mãos, ele trabalha com o coração. Nós como brasileiros, pelo menos eu que sou de Salvador, temos uma energia diferente. É um ser humano por trás de um profissional”, afirma.
Para além do tratamento e da comunicação com o paciente, a odontologia brasileira é conhecida internacionalmente pela excelência técnica.
O curso de odontologia da USP, por exemplo, foi considerado em 2022 o melhor do mundo na classificação internacional SCImago Institutions Rankings (SIR), ranking anual que é ligado ao Conselho Superior de Investigaçōes Científicas (CSIC), agência do Estado espanhol dedicada ao fomento da investigação científica e tecnológica.
O Brasil também é exportador de novas técnicas de odontologia como o Digital Smile Design (DSD), conceito desenvolvido em 2007 pelo dentista e ceramista brasileiro Christian Coachman, que permite ao dentista projetar tratamentos e mostrar ao paciente uma prévia do resultado.
Para Priscila os negócios vão bem e expansōes estão a caminho.
“No Reino Unido essa é uma profissão bem reconhecida e, consequentemente, bem remunerada. Comecei como uma dentista individual que trabalhava muito, um dia abri minha primeira clínica, seguida pela segunda e pela terceira. Hoje nós somos um time de dentistas brasileiros atendendo em Londres” conta a profissional baiana, que também faz sucesso no Instagram com quase 30 mil seguidores.
Publicitários: diversidade em prol da inovação
Em 2022, o Brasil foi novamente um dos destaques do Festival de Criatividade de Cannes, o principal prêmio da publicidade mundial. Foram 70 Leōes trazidos para casa e um deles conquistado pela equipe de Daniel Schiavon, da Ogilvy.
“É o terceiro país mais premiado do mundo no geral, não é pouca coisa. A gente está competindo com os Estados Unidos e Londres, que são os primeiros lugares, que tem verbas muito maiores, onde estão as matrizes das maiores marcas. E a gente aqui com muito menos eu acho que a gente consegue fazer bastante coisa”, diz.
O segredo, para Schiavon, está na “mistura” característica do país.
“Toda essa miscigenação brasileira faz com que a gente consiga conversar com pessoas com bagagens culturais muito diferentes e isso faz com que a gente performe muito bem em festivais globais. A publicidade brasileira se beneficia do tamanho do país”, afirma o publicitário.
Para Schiavon, o jeito brasileiro de ser também contribui muito para o sucesso na publicidade.
“A gente de fato se comunica muito bem, seja em qual língua for e consegue expressar nossas opiniões sem medo de se colocar e se posicionar. Essa forma latina de saber trazer alegria, emoção e todos esses sentimentos muito fortes ajudam a gente a construir bons projetos porque grandes ideias com uma história contada sem emoção não conseguem performar”, diz.
Com reputação de inovadora, a publicidade brasileira tem servido de exemplo no mundo todo.
“Às vezes a gente acha que a inovação vai partir de um país de primeiro mundo, onde a tecnologia está mais presente. Mas nós aqui com a Lu do Magalu, que foi o case vencedor do Leão de Ouro em Cannes esse ano, somos um projeto que a Ogilvy China usa para vender Inteligência Artificial no país deles”.
Daniel acha que o motor por trás da inovação é a forma apaixonada de fazer as coisas e uma consequente curiosidade maior que a média. A (personagem digital) Lu do Magalu citada por ele é hoje a maior influenciadora digital virtual do mundo, na frente de nomes como Barbie e Minnie Mouse, mesmo falando português ao invés de inglês.
“A Lu já era a Lu antes de se falar de metaverso, as pessoas nem sabiam ainda que existia o metaverso por que faltava um Mark Zuckerberg cunhar um termo”, diz o publicitário.
Pedro Alvim, Social Media Manager do Magalu, revela que o sucesso da Lu já gera receita ao invés de gastos: “o custo da tecnologia 3D é muito alto, não é uma tecnologia muito democrática. É legal falar que a Lu já paga as roupinhas dela, é mais caro que um Chanel”, conta.
Chefs: ingredientes únicos e paixão
Quem sente o cheiro do tucupi sendo aquecido em uma das ruas no bairro londrino de Bethnal Green pode até estranhar, mas é que ali funciona uma cozinha que é comandada pelo chef brasileiro Rafael Cagali.
Sempre inclinado a usar ingredientes brasileiros em suas descobertas gastronômicas, o paulista tem feito sucesso com o restaurante Da Terra, criado há apenas 3 anos, mas já com duas estrelas Michelin.
“Foi em janeiro de 2021 que a gente recebeu a segunda estrela. Foi uma sensação que me arrepia só de lembrar”, conta o chef.
O nome de Rafael está longe de ser o único de destaque fora do Brasil — onde Helena Rizzo já foi eleita a melhor chef mulher do mundo e Alex Atala chegou ao posto de sexto melhor restaurante global com o autoral D.O.M.
Para Rafael, um dos segredos desse sucesso é. “o modo do brasileiro ser, muito trabalhador e com muita vontade de fazer acontecer. Isso ajuda a se destacar mais”, opina.
A biodiversidade do país, que gera sabores únicos em biomas tão diferentes, também é vista por ele como um dos fatores que diferencia a comida de chefs brasileiros.
“O pessoal gosta muito da pimenta cumari. Os clientes querem levar pra casa, querem saber onde compra. Eles ficam empolgados para experimentar mais coisas do Brasil”, diz.
Mecânicos: jeitinho brasileiro e improviso
Outra categoria em que brasileiros acumulam prêmios no exterior pode surpreender: é a de mecânicos. O paulista Fernando Henrique Cruz, por exemplo, foi eleito o melhor mecânico do mundo em 2019 no Global TechMasters Truck, uma competição global promovida pela Mercedes-Benz a cada dois anos.
Para Marcos Giglioli, que tem, desde 2019, uma oficina mecânica de sucesso em Bournemouth, litoral da Inglaterra, um dos diferenciais no seu ramo é um velho conhecido da cultura brasileira.
“O nosso famoso jeitinho brasileiro não é bom para muitas coisas, mas para o nosso ramo aqui, focado em correção e manutenção de veículos, se torna uma vantagem, porque às vezes conseguimos corrigir o problema sem ter que trocar todas as peças como é costume se fazer por aqui”, conta.
Rogério diz que trocar peças é mais fácil para o mecânico, mas que nem sempre é necessário e torna o serviço mais caro.
“Às vezes a gente tem uma peça de suspensão que se eu trocar uma bucha do braço inferior da suspensão resolve o problema, mas aqui eles querem trocar o braço todo”, explica, acrescentando que isso faz os clientes serem fiéis aos mecânicos brasileiros quando os conhecem.
A habilidade do improviso é, inclusive, uma das razões pelas quais, na hora de contratar, Rogério prefere escolher profissionais da mesma nacionalidade:
“Muitos profissionais não gostam de sair dessa caixinha do ‘preciso fazer mais rápido para poder ganhar mais’. Para nós que trabalhamos de acordo com o que aprendemos lá no Brasil, vamos sempre optar por contratar o brasileiro porque já trabalhamos no mesmo padrão”, diz.
A mão de obra mecânica, segundo Rogério, é concorrida e difícil de encontrar no Reino Unido, onde a agenda de sua oficina não tem mais lugar para nenhum cliente pelas próximas semanas.
Segundo um estudo do Institute of The Moto Industry, a economia do Reino Unido pode enfrentar um déficit de 2.6 milhões de trabalhadores desse setor até 2030.
A escassez de profissionais aliada à eficiência do jeitinho brasileiro formam uma conjuntura positiva para mecânicos brasileiros no exterior.
“Se eu for para o Japão sem falar uma vírgula de japonês eu consigo achar um bom trabalho e ganhar um valor que vai me garantir uma vida boa, é uma mão de obra sempre solicitada”, conta.
Você precisa fazer login para comentar.