Após a retirada das tropas russas da cidade ucraniana de Kherson nesta sexta-feira (11/11), o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, celebrou o que chamou de dia “histórico”.
Kherson é “nossa”, escreveu Zelensky em seu canal no Telegram. Na mensagem, o mandatário confirmou que unidades especiais das Forças Armadas ucranianas já estavam na cidade após a saída de Moscou.
Fotos tiradas na cidade mostram centenas de ucranianos nas ruas comemorando a retirada russa.
Em um vídeo verificado pela BBC, moradores são vistos agitando bandeiras e cantando em homenagem aos soldados ucranianos: “Glória à Ucrânia! Glória aos Heróis!, Glória às Forças Armadas da Ucrânia!”.
Mais cedo, o Ministério da Defesa russo já havia anunciado que cerca de 30.000 de seus homens haviam deixado a região de Kherson em direção à margem leste do rio Dnipro.
A cidade foi a única grande capital regional capturada por Moscou desde o início da invasão em fevereiro.
E embora o governo russo não use a palavra “retirada”, o abandono de Kherson pelas suas tropas é visto por muitos analistas como “um revés humilhante” para os planos de Vladimir Putin.
Como lembra Andrei Goryanov, chefe do escritório da BBC em Moscou, há apenas um mês Putin proclamou que este território permaneceria “para sempre” na Rússia.
Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin, negou se tratar de uma humilhação para Putin.
“Existem muitos especialistas diferentes — alguns dizem isso, outros dizem outras coisas. Não queremos comentar nenhuma das declarações. A operação militar especial continua”, disse Peskov aos jornalistas que o questionaram sobre o tema.
Mas, até então, Kherson tinha sido fundamental para a estratégia de Moscou na Ucrânia.
A ocupação da cidade permitiu que a Rússia tivesse acesso terrestre do continente à península da Crimeia, controle que o Kremlin pretendia usar para alcançar as cidades ocidentais de Odessa e Nikolaiev para isolar a Ucrânia do Mar Negro.
Mas os avanços militares ucranianos no sul, somados a operações como as que levaram ao naufrágio do Moskva, principal navio da frota russa do Mar Negro, expuseram as deficiências e a má preparação do Exército de Putin.
Graças aos mísseis HIMARS fabricados nos EUA, as tropas ucranianas também conseguiram destruir as pontes que ligam as duas margens do rio Dnipro, o que cortou o fornecimento de munições e suprimentos para os soldados russos.
“As tropas russas em Kherson morreriam de fome se ficassem lá por mais tempo”, diz Goryanov, para quem a retirada “era inevitável e apenas uma questão de tempo”.
No entanto, como explica o enviado especial da BBC à Ucrânia, Jeremy Bowen, também é possível que, militarmente falando, essa retirada seja a “coisa mais sensata que os russos fizeram desde o início da guerra”.
Ao deixar sua posição no oeste da cidade, que já estava se tornando insustentável, para se reorganizar do outro lado do rio, os russos podem ter complicado uma eventual ofensiva ucraniana, diz Bowen.
A margem leste do Dnipro está sendo fortificada desde a barragem de Nova Kakhovka até o Mar Negro, como mostram imagens de satélite — as quais revelam também que as tropas russas cavaram mais de 160 quilômetros de defesas ao longo do rio,
A Rússia também estaria construindo bunkers de concreto para defender essa margem do rio.
A imprensa ucraniana comparou essas fortificações à “Muralha do Atlântico”, criada pelos nazistas para tentar impedir os desembarques aliados durante a 2ª Guerra Mundial.
O secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), Jens Stoltenberg, disse que a Rússia está sob pressão e afirmou que a retirada russa é “mais uma vitória” para os ucranianos.
Mas a retirada das tropas não está isenta de perigo, como advertiu Mijailo Podoliak, conselheiro do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky.
Para começar, as forças russas podem ter minado a cidade e deixado armadilhas para as tropas ucranianas que entram no território.
Ao sair da margem oeste do rio, as tropas russas também “evacuaram”, muitas vezes à força, um grande número de civis. Dessa forma, a Rússia poderia, segundo Podoliak, bombardear Kherson sem piedade.
Além disso, como lembra o conselheiro, toda vez que a Rússia sofreu um revés militar, sua resposta foi punir ainda mais a população. Assim, ataques com mísseis e drones poderiam dificultar ainda mais o inverno para os ucranianos.
Na quarta-feira 09/11), Zelensky assegurou que estava procedendo “com muito cuidado, sem emoção, sem riscos desnecessários, com o objetivo de liberar todas as nossas terras para que as perdas sejam as menores possíveis”.
Nos últimos dias, as forças ucranianas recapturaram a cidade-chave de Snigurivka, localizada cerca de 50 km ao norte de Kherson e que representa um importante nó de comunicações ferroviárias para Nikolaiev.
Avanços também foram feitos na margem oeste do Dnipro em direção a Berislav. No total, 264 quilômetros quadrados de território foram recuperados, segundo Valerii Zaluzhnyi, comandante-chefe das Forças Armadas da Ucrânia.
Kherson, que antes da guerra tinha uma população de 380.000 habitantes, “é a porta de entrada para a Crimeia”, explica Marina Miron, pesquisadora de Estudos de Defesa da Kings College de Londres, à BBC. “Recuperá-la pode facilitar o caminho para a reconquista da Crimeia, algo que a Ucrânia busca alcançar nesta guerra.”
A retirada de Kherson tem, segundo Andrei Goryanov, “um enorme impacto militar, simbólico e político”.
Além do efeito desmoralizador que a derrota impõe sobre as tropas russas, a retirada de Kherson e a construção de uma nova linha de defesa contra um eventual ataque à península da Crimeia muda o curso do conflito: a partir de agora, torna-se uma guerra de defesa para a Rússia.
Em um nível simbólico, Kherson também representa um fracasso para Moscou: após oito meses de guerra, as forças russas não conseguiram demonstrar resultados significativos.
Mas o impacto político é, segundo o correspondente russo da BBC, muito mais severo.
“O regime de Putin é baseado na ideia da Rússia como uma superpotência. A derrota significativa contra um país muito menor coloca toda essa ideia em xeque”, explica Goryanov.
Como consequência, o presidente russo vem recebendo críticas da ala mais dura de seu regime e, cada vez mais, a palavra “negociações” é ouvida com frequência entre os russos.
A Ucrânia, por sua vez, já disse que não está pronta para negociar até que a Rússia se retire de todos os territórios ocupados e pague uma indenização.
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