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Live do CAO Cidadania aborda frustações e resgates de uma geração que não aceita ouvir “não”

12/09/2022 – O que fazer por uma infância e juventude que não aceitam ouvir o “não”? Para responder essa pergunta, o Centro de Apoio Operacional (CAO) de Defesa da Cidadania do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) promoveu um encontro virtual com especialistas de diversas áreas que debateram sobre o tema. A live foi transmitida no último dia 25 de agosto pelo YouTube do CAO Cidadania, onde encontra-se disponível, com tradução simultânea em Língua Brasileira de Sinais (Libras) .

O evento foi mediado pela coordenadora do CAO Cidadania e promotora de Justiça, Dalva Cabral. “Há alguns anos, o ‘não’ era simbolizado com um olhar. O dever dos filhos era esse respeito aos pais, com diálogo, obviamente. E hoje em dia a gente quer resgatar, ou pelo menos corrigir o que esteja desalinhado dessa relação plural: jovens-escola, jovens-comunidade, jovens-igreja, jovens-rua, jovens-profissões”, destacou.

Em sua fala, o promotor de Justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional de Defesa da Educação (CAO Educação), Sérgio Gadelha Souto, fez um recorte da situação no período da pandemia da Covid-19. “Foi um período muito intenso que nós vivenciamos, e dentro do ambiente escolar, houve muitas mudanças que provocaram consequências nessa juventude”, comentou. O promotor reforçou as perdas e consequências do afastamento do ambiente escolar, local de muita socialização, dos amigos e dos familiares, para uma geração que estava iniciando uma formação, em período de maturação – e para a qual, o excesso de conectividade acabou tirando deles a percepção do convencimento do porquê do “não”.

“As perdas principais foram emocionais: dessa convivência que se findou nesse período de afastamento; de familiares que se foram, vítimas da Covid-19; perdas familiares, também, do ponto de vista financeiro e econômico, que trouxe para esses jovens uma nova realidade, com a ampliação de uma realidade já existente; e, ainda, perdas pedagógicas e cognitivas consideráveis. Os levantamentos também apontaram um aumento dos conflitos internos e familiares, da violência doméstica e, nesse período de retorno às aulas presenciais, diversos casos de crises emocionais nesses jovens”, pontuou Sérgio Souto.

Para o pesquisador na área de estudos da saúde mental de crianças, adolescentes e jovens, autor do livro A Geração do Quarto: quando crianças e adolescentes nos ensinam a amar (Editora Record), Hugo Monteiro Ferreira, a geração do quarto não é transitória no mundo, ela se consolida a cada dia em razão de uma série de fatores. Segundo ele, há uma fragilidade muito grande por parte dos adolescentes e dos jovens, sobretudo dos que nasceram no final do Século XX, para enfrentar frustrações. 

“Mais do que ser uma geração que não aceita não, ela mostra isso através do sofrimento psíquico. E esse é um grande desafio contemporâneo, porque não estávamos habituados a lidar com esse tipo de comportamento de crianças e adolescentes; nós estávamos acostumados a uma espécie de silenciamento do sofrimento”, comentou. “É como se essa geração não conseguisse ou não tivesse interesse de esconder a sua dor”.


 

Segundo a pediatra e psiquiatra, especialista em saúde mental da infância e adolescência, Rackel Eleutério, ao se falar de uma geração que está tendo dificuldades, não se pode deixar de mencionar quem está cuidando dessa geração. “Quem trabalha em escolas, pais, professores, médicos, psicólogos, todos esses que têm acesso a crianças e adolescentes tem que estar atentos a como está chegando a escuta e, também, ao que está sendo dito para esses jovens. Como é que está sendo feita essa comunicação?”, indagou Rackel.

“É nesse diálogo, em que a gente primeiro escuta, depois se coloca, se posiciona, que se começa esse trabalho de formação das capacidades do indivíduo de dar respostas ao mundo. A criança e o adolescente, nesse ambiente, vai ouvir; e na escola e em ambientes externos, vai exercitar. Então, ela vai vivenciando conflitos com os coleguinhas, uma dificuldade com uma tarefa, com uma aula, e ela vai trazer aquele problema para casa. E a gente precisa ouvir o que eles pensam daquela dificuldade, porque aquele problema que ele está vivendo parece pequeno, mas é grande para ele, e é uma amostra do que vai ser a vida”, explicou a médica. 

Ela também reforçou que a importância da pessoa que está no papel de educador, seja pai ou professor, permitir que aquele que teve uma atitude inadequada possa perceber e vivenciar a consequência daquilo. “Se pais, mães, já chegam para suprir, para compensar, para minimizar as consequências, que lições de vida estão sendo dadas? E a questão da consequência é algo extremamente importante, principalmente para o adolescente, porque ele começa a experimentar a vida, a desafiar, e a gente precisa dar autonomia, validar esse lugar deles, porque senão não serão adultos capazes de fazer enfrentamentos”, destacou.

Ambiente escolar  Na sequência, o professor universitário e gestor escolar, Jamerson Kleber França da Silva, falou um pouco sobre o acolhimento no ambiente escolar e os desafios de ser um gestor de escola pública nos dias de hoje. “Nunca foi tão desafiador. A gente recebe alunos de diversas comunidades diferentes. Não temos uma juventude hoje, temos juventudes, cada uma com suas peculiaridades”, disse. 

“Nessa correria desenfreada do Século XXI, nesse mundo capitalista, o século do ‘ter’ e não do ‘ser’, temos essa necessidade de que o jovem seja isso e não aquilo; que ele tem que alcançar esse sonho, esse projeto, e não aquele; e a gente meio que dita, em discursos prontos, o que é que o jovem deve ser e o que ele não deve ser. E isso só alimenta mais um discurso de uma geração que foi criada numa situação de conectividade, de todos conectados e isolados ao mesmo tempo, o que só dificulta ainda mais as relações interpessoais na escola e fora dela”, comentou o professor.

De acordo com o médico psiquiatra, mestre em psicopatologia e psicanálise, Marcos Creder, “o mundo em tela modifica um pouco o nosso padrão de relacionamento com o outro, na medida em que a gente vai se distanciando das relações presenciais, das relações com o outro em que você tem uma visão tridimensional, em que você não está apenas focado em um determinado objeto, em uma pessoa, mas também em um ambiente, em outros personagens que estão envolvidos em nossa história”.

“Esse mundo virtual tem uma característica muito parecida como ocorre com pessoas que têm uma dependência química. Eles são muito intolerantes à frustração. Por quê? Porque o mundo virtual gratifica, tem rede social, tem a questão dos algoritmos, que a cada momento vai ali, convidando a ficar cada vez mais tempo com o seu smartphone, procurando notícias, eventos que vão acontecendo e que, de alguma maneira, vão te agradando. A rede social o tempo todo está lhe convidando a não se desligar do celular”, explicou Creder.

Já a juíza do Trabalho da 6ª Região, Andrea Keust, mencionou que, hoje, uma das principais causas de frustrações é a pessoa ter que descobrir a profissão que irá seguir ainda na adolescência, sem o devido preparo. “Todo esse arcabouço de necessidade de escolhas muito recente causa uma frustração enorme no mundo do trabalho. Então nós vemos que as pessoas hoje, dentro das escolas, não só nas fundamentais, no ensino médio, nas universidades, mas também nas pós-graduações, estão ainda sem saber o que querem de verdade”, comentou Keust.

Ao final, quando foi aberto um espaço para perguntas do público, a médica Rackel Eleutério reforçou a importância de se quebrar o tabu e falar sobre o tema suicídio com os jovens, ofertando sempre um canal para que possam compartilhar o que estão sentindo e se sentir compreendidos. Segundo ela, hoje, o suicídio ocupa o terceiro lugar como sendo a principal causa de morte de 14 a 29 anos, conforme dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). 

“A gente sabe que a maioria dos jovens, adolescentes que cometeram suicídio comunicaram a algum amigo na semana anterior ao evento, e isso é algo que chama a atenção. E pode ser que ele não tenha, naquele momento, intenção real de se matar, mas o que é que ele está tentando comunicar, de uma forma tão distorcida, que sofrimento aquela pessoa, tenha a idade que seja, está tentando dizer, e não está conseguindo passar de outra forma, dizendo: ‘eu não suporto mais’? Então a gente tem sempre que validar, ouvir e ouvir a demanda familiar. A gente não pode subestimar, porque vai existir sempre o risco”, finalizou a pediatra.

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