- Letícia Mori
- Da BBC News Brasil em São Paulo
O presidente Jair Bolsonaro (PL) intensificou nos últimos dias as convocações de apoiadores para um ato em Copacabana, no Rio de Janeiro, no feriado de 7 de setembro, data em que se comemora a Independência do Brasil.
Tradicionalmente o feriado é comemorado pelo presidente da República com uma parada militar na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Mas, em um ano eleitoral, a data entrou na estratégia de campanha de Bolsonaro, que decidiu participar também de um ato no Rio.
O presidente está em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, mas vem lentamente reduzindo a diferença com o primeiro lugar, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Embora haja uma expectativa na campanha de Bolsonaro de que os atos gerem um saldo positivo, o presidente corre o risco de cometer crimes eleitorais ao participar da manifestação em Copacabana, segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil e alertas do Ministério Público Federal.
O ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Superior Eleitoral Gilson Dipp afirma que há um potencial crime se o presidente usar a máquina pública para promover os atos de 7 setembro como parte de sua campanha e não apenas como comemoração da Independência.
“Ele se aproveita tanto do cargo quanto da proximidade com o Exército, e movimenta tudo isso a seu favor”, afirma Dipp. “Não querendo perder as eleições, ele movimenta toda a máquina pública em favor da sua candidatura. Está em permanente estado de flagrante delito”, afirma o ex-ministro.
A lei eleitoral veda o uso de bens, recursos e espaços da administração pública para a promoção de candidatos, ou seja, é quando um agente público se vale da sua função para beneficiar eleitoralmente a si mesmo ou outro candidato.
Quem infringir a lei eleitoral pode ser punido com multa, prisão ou até mesmo cassação do registro, explica o professor de direito Guilherme Amorim Campos da Silva, especializado em direito constitucional.
No entanto, o que configura o uso da máquina pública é algo delicado de se definir, explica o constitucionalista, porque a linha divisória entre o que o presidente faz como chefe de Estado e o que faz como candidato é muito tênue.
“Desde 1994, quando foi aprovada a emenda constitucional que permite a reeleição, a gente tem a possibilidade do ocupante do cargo concorrer novamente, o que gera esse dilema”, explica.
Algumas atitudes são objetivas, afirma o professor. Por exemplo, se o presidente viaja para um ato de campanha no avião presidencial, isso precisa ser contabilizado e reembolsado por sua campanha.
Mas em uma situação como os atos em 7 de setembro, as coisas ficam mais nebulosas.
“Se trata da comemoração do Bicentenário da Independência em São Paulo, Rio e Brasília. A princípio, não há o que se falar em evento de campanha, por Bolsonaro comparecer como chefe de Estado”, diz Amorim.
Mas se, no mesmo evento em que comparece como chefe de Estado, Bolsonaro fizer um discurso em que fale de temas próprios à campanha eleitoral – fazendo o evento se assemelhar a um comício – isso pode caracterizar a utilização da máquina administrativa para campanha, explica o professor, o que é vedado.
“Mas é uma linha muito tênue. Se ele desce do palanque e em outro momento do ato faz um outro discurso, separado, dessa vez como candidato, já não configura ilegalidade. E é sempre algo que se verifica pós-fato”, explica o professor.
O Ministério Público Federal do Distrito Federal pediu que o Poder Executivo adote medidas para garantir que “os atos oficiais e o desfile cívico-militar de 7 de setembro não sejam confundidos com atos de natureza político-partidária”. “As medidas foram motivadas diante das manifestações político-partidárias agendadas para o mesmo dia, horário e local do desfile cívico-militar que acontecerá na Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF). Nesse contexto, foram distribuídos convites a servidores civis lotados nos ministérios para que comparecessem ao evento”, diz a nota.O órgão disse que solicitou medidas para garantir “a integridade de militares que atuarão no evento e a ida de servidores civis de forma livre, sem coação”.
A BBC News Brasil entrou em contato com o Palácio do Planalto, que não respondeu até a publicação desta reportagem. Já a advogada Karina Kufa, que representa a campanha de Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral, disse que “o presidente não cometerá nenhuma ilegalidade”. “Os atos de governo e de campanha serão devidamente separados”, disse Kufa à BBC News Brasil.
Segundo especialistas, Bolsonaro também pode infringir a lei eleitoral caso faça acusações sem provas sobre a confiabilidade do sistema eleitoral.
“Ele pode ser acusado de disseminação de desinformação”, afirma a advogada Vânia Aieta, professora da UERJ e especialista em direito eleitoral.
“O TSE já deixou bem claro que não é aceitável na campanha a propagação de fake news”, afirma Amorim, “e este caso (de ataques infundados às urnas) é um caso notório de notícia falsa porque até os militares que fizeram questionamentos pro TSE estão atestando a segurança.”
Ou seja, a configuração ou não de crime eleitoral nos atos de 7 de setembro depende do que Bolsonaro falar em seus discursos – se vai promover sua candidatura, atacar oponentes ou disseminar notícias falsas.
Acusar um adversário de cometer um crime, por exemplo, configura injúria, o que é crime comum e também crime eleitoral – no entanto, explica Aieta, existe um campo amplo para discussão política no qual o presidente poderia agir sem cair na conduta.
“Por exemplo, se ele chamar alguém de ‘desgraçado’. O que é ‘desgraçado’? Percebe? Não é um crime”, diz ela.
“Dizer que o Lula foi presidiário também não é crime”, explica a professora, por mais que depois ele não tenha sido condenado e tenha sido solto pela Justiça.
“Inclusive a discussão sobre se a prisão de Lula foi ou não injusta é parte do debate político e não configura injúria”, afirma Amorim. “Mas falas e acusações sem contexto, de quaisquer dos lados, podem infringir a lei.”
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