- Mariana Schreiber – @marischreiber
- Da BBC News Brasil em Brasília
Com a disparada dos preços dos combustíveis pesando no bolso dos brasileiros, o futuro da Petrobras voltou ao centro da discussão eleitoral, repetindo 2018, quando a operação Lava Jato jogou luz sobre a corrupção na estatal.
Dessa vez, enquanto o presidente Jair Bolsonaro (PL) tenta às pressas tirar do papel uma série de medidas para conter o encarecimento do gás de cozinha, da gasolina e do diesel antes da eleição de outubro, seus principais adversários reforçam a artilharia contra a forma como a estatal vem sendo administrada em seu governo.
No centro do debate eleitoral está a política de preços da empresa, que desde o governo Michel Temer (2016-2018) passou a alinhar o valor cobrado pelos combustíveis no Brasil às cotações do mercado internacional. O problema é que esses valores têm subido muito com a retomada econômica global após a fase mais críticas da pandemia de covid-19 e a invasão da Ucrânia pela Rússia, importantes produtores.
Com isso, os preços da gasolina e do gás de botijão acumulam alta de quase 30% em média no Brasil no último ano, segundo o IPCA, principal índice de preços do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Já o diesel ficou 52% mais caro no mesmo período e o preço médio praticado no país se aproxima de R$ 7,00 por litro, mostra levantamento da ANP (Agência Nacional do Petróleo).
Como boa parte do transporte de carga e urbano no país é movido a diesel, seu encarecimento pressiona também a inflação de outros itens essenciais na vida da população, como alimentos e tarifa de ônibus.
Líderes na pesquisa querem intervenção
Os defensores do alinhamento dos preços da estatal com as cotações internacionais dizem que isso maximiza os lucros de empresa, favorecendo mais investimentos e o retorno de recursos para os cofres públicos por meio de tributos e dividendos pagos pela estatal. Alegam também que o controle de preço praticado nos governos petistas, somado a desvios por corrupção e decisões equivocadas (como investimentos mal gerenciados em refinarias), teriam “quebrado” a Petrobras.
Já os críticos do alinhamento dos preços ao mercado externo afirmam que ela atende a interesses do mercado financeiro (acionistas minoritários da empresa) em detrimento do bolso da maioria dos brasileiros. Argumentam ainda que os valores cobrados da Petrobras devem estar alinhados aos custos domésticos de produção da estatal, que são mais baixos que o valor internacional do petróleo.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que hoje lidera com folga as pesquisas para a eleição presidencial, defende que a estatal volte a controlar o preço dos combustíveis e aumente os investimentos em refinarias, para reduzir a necessidade de importação. Ciro Gomes, pré-candidato do PDT que aparece em terceiro nas pesquisas, atrás de Bolsonaro, também propõe essas mudanças.
Já Bolsonaro foi eleito em 2018 com a promessa de uma agenda econômica bastante liberal, representada pelo ministro da Economia Paulo Guedes, que defende o alinhamento dos preços ao mercado externo. No entanto, desde o primeiro ano de governo, quando os combustíveis vendidos pela estatal já sofriam reajustes impopulares, passou a pressionar a empresa a segurar os aumentos — e agora atua abertamente pela intervenção nos preços.
Bolsonaro também passou a defender a privatização da empresa. O argumento do governo é que isso aumentaria a competição no setor, favorecendo preços menores. Segundo nota do Ministério de Minas e Energia no final de maio sobre a intenção de “desestatizar” a empresa, esse “processo é fundamental à atração de investimentos para o País e para a criação de um mercado plural, dinâmico e competitivo, o qual promoverá ganhos de eficiência no setor energético e uma vigorosa geração de empregos para os brasileiros”.
Os críticos da proposta dizem que vender a estatal na verdade manteria os preços atrelados ao mercado internacional. Argumentam também que a empresa é estratégica para o país e por isso deve permanecer em controle estatal. Lula e Ciro são contra a medida.
O próprio Bolsonaro já reconheceu, porém, que a venda da Petrobras seria um processo “muito difícil”, que levaria anos.
Diante disso, ele tenta contornar o problema da alta de preços mudando o comando da empresa. A queda de braço com a estatal levou à primeira troca de presidente em fevereiro de 2021, com a demissão do economista Roberto Castello Branco. Em seu lugar, assumiu o general Joaquim Silva e Luna, mas ele acabou demitido pelo mesmo motivo em março desse ano, quando a disparada de preços internacional se agravou com invasão da Ucrânia pela Rússia.
Agora, com menos de dois meses no cargo, o substituto de Luna, o engenheiro José Mauro Coelho, pediu demissão na última semana após Bolsonaro e o presidente da Câmara, Arthur Lira, defenderem uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o comando da estatal.
O novo indicado de Bolsonaro é o publicitário Caio Mario Paes de Andrade, que integrou a equipe de Guedes, mas seu nome ainda precisa ser confirmado pelo Conselho de Administração da empresa.
Em paralelo à mudança de diretoria para tentar barrar novos aumentos até outubro, Bolsonaro estuda amenizar o aumento dos combustíveis com mais benefícios sociais, como a criação de um auxílio direto a caminhoneiros autônomos no valor de R$ 1 mil, a ampliação do auxílio para compra de gás de cozinha por famílias mais pobres e o aumento temporário do valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600.
Segundo reportagem do jornal O Globo, esses novos gastos sociais custariam cerca de R$ 30 bilhões e devem substituir o corte do ICMS (imposto estadual) sobre o óleo diesel, que chegou a ser anunciado pelo governo. As medidas, porém, esbarram na legislação eleitoral, que proíbe criação de novos benefícios sociais antes do pleito, justamente para evitar que o governo use a máquina pública a seu favor nas eleições. O governo deseja que o Congresso aprove estado de emergência no país devido ao encarecimento dos combustíveis, para que a restrição eleitoral possa ser driblada, mas a medida é alvo de controvérsia jurídica e pode vir a ser barrada no Poder Judiciário.
Para Rafael Cortez, cientista político e sócio da consultoria Tendências, a movimentação do governo Bolsonaro reflete o aumento da preocupação do eleitor com a inflação, revelada em diferentes pesquisas.
Em levantamento realizado em maio pelo Ipespe, a alta de preços foi apontada como o tema mais importante a ser tratado pelo próximo presidente por 23% dos entrevistados, ficando em primeiro lugar na lista de preocupações ao lado de educação. Já em novembro de 2021, educação liderava sozinha como tema mais importante (30%) e inflação era citada por 15% dos entrevistados.
Outra pesquisa do Ipespe de maio mostrou também que 45% da população aponta Bolsonaro como muito responsável pelo aumento dos combustíveis e 25% como pouco responsável. Já os governos do PT (Lula e Dilma Rousseff) são vistos como muito responsáveis por 37% e pouco responsáveis por 23%.
Pesquisa Datafolha do mesmo mês revelou ainda que três em cada dez eleitores dizem que podem mudar seu voto se a inflação continuar subindo até a disputa de outubro.
Na visão de Cortez, a Petrobras já teria destaque no embate eleitoral desse ano pelos debates de privatização e corrupção — esse último como um tema “para ajudar os rivais do presidente Lula”, devido ao escândalo investigado pela operação Lava Jato no governo petista de Dilma Rousseff.
“E agora deve ter um espaço ainda mais privilegiado por conta do debate inflacionário, debate que fica muito concentrado no preço dos combustíveis. Mesmo com a alta forte dos preços dos alimentos, a questão dos combustíveis é que mais gera barulho político, pois a gasolina impacta diretamente as pessoas de maior renda que têm também mais voz no debate”, ressalta.
Para Cortez, a questão inflacionário traz o tema Petrobras para um campo mais difícil para Bolsonaro.
“O debate econômico virou quase sinônimo de inflação, e não há uma perspectiva de reversão (antes da eleição). Os preços não vão cair. Na melhor das hipóteses, eles vão subir com menor intensidade”, analisa.
“Então, a economia não vai gerar dividendos políticos para a reeleição. O que o presidente pode eventualmente conseguir é minimizar essa percepção de que ele é o responsável por esse cenário, mas me parece pouco provável que tenha sucesso nesse processo a ponto de se tornar favorito na disputa de 2022”, acrescenta.
O que pode acontecer após a eleição?
Com os candidatos mais competitivos defendendo o fim da paridade internacional, o cenário mais provável hoje é que o próximo governo busque uma nova política de preços. No entanto, especialistas no setor veem fatores que podem dificultar o controle.
Ex-diretor da ANP, David Zylbersztajn diz que para controlar os preços o governo teria que fechar o capital da Petrobras. Hoje, ressalta, a empresa está sujeita a regras de mercado e à supervisão de órgãos reguladores no Brasil e nos Estados Unidos, como CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e SEC (Securities and Exchange Commission).
“Com quase 800 mil acionistas que a empresa tem, (esses acionistas) não vão mais aceitar o que aconteceu no passado. O governo controla a gestão da Petrobras, mas está sujeita à CVM, à SEC americana. Se a gestão causa prejuízo deliberado à empresa, diretores podem ser processados”, ressalta Zylbersztajn.
Já o professor da UFRJ especialista em energia Adílson de Oliveira defende uma solução intermediária: que suavize a alta dos preços, mas preserve a rentabilidade da empresa. Para ele, os preços poderiam seguir os custos internos de produção da Petrobras e um percentual das variações internacionais.
“O cenário atual (de alta constante dos combustíveis) é insustentável, paralisa a economia e cria conflitos sociais”, afirma.
Ele ressalta, porém, que o problema demanda soluções estruturantes, de longo prazo, que envolvem também o aumento do refino de combustíveis no país, com a construção de novas refinarias. Hoje a Petrobras está reduzindo os investimentos no setor e focando na extração de petróleo, que oferece retornos maiores. Para Oliveira, o governo precisa criar um planejamento estratégico, que incentive investimentos privados em refinarias.
“A ideia de reduzir o poder de monopólio da Petrobras também é uma boa ideia, mas isso não pode ser alcançado no curto prazo. São todas ideias que exigem um longo planejamento, um longo período de execução. Não é projeto para apenas um governo”, analisa.
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