- Nathalia Passarinho – @npassarinho
- Da BBC News Brasil em Londres
O empresário Marconi Antônio de Souza, de 71 anos, mora em Brasília e atua no ramo de máquinas de cartão de benefícios corporativos, como vale-alimentação. Eleitor de Jair Bolsonaro (PL), ele considera que a economia no Brasil vai bem.
“Tivemos uma pandemia que ainda não acabou e que está tendo uma fase aguda na China, temos uma interferência de uma guerra e um ano eleitoral. Mesmo assim, acho que a economia está indo bem, porque o governo tomou medidas que fizeram com que houvesse uma reação, como redução de juros para financiamento imobiliário”, disse à BBC News Brasil.
A empresa de Marconi de Souza não encolheu, mas também não cresceu muito nos últimos dois anos. Ele atribui isso à pandemia e a fatores externos.
“Nossa empresa estabilizou em 2020 e cresceu um pouco no ano passado. O setor de turismo sofreu muito com a pandemia e alguns outros setores reduziram a produtividade por um problema de abastecimento que é global, mas a economia não andou para trás. Tem segmentos reclamando de barriga cheia”, diz.
O empresário de Brasília faz parte dos 5% de brasileiros que, segundo a pesquisa de opinião eleitoral BTG-FSB, divulgada em 25 de abril, consideram que o Brasil vive “um bom momento econômico”. Outros 32% acreditam que o Brasil está em crise econômica, mas conseguindo superar. A maioria, porém – 62% – avalia que o Brasil está em crise econômica e com dificuldade de superar.
Alguns indicadores econômicos importantes, como alta de preços, taxa elevada de desemprego e baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), alimentam esse cenário menos otimista. A inflação no ano passado, de janeiro a dezembro de 2021, alcançou 10,06%, a pior taxa desde 2015. Levando em consideração as 11 maiores economias da América Latina, o Brasil só fica atrás de Argentina e Venezuela, dois países que atravessam crises profundas, que vão muito além dos problemas trazidos pela pandemia de covid-19 e suas repercussões.
Em março, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerado a inflação oficial do Brasil, acelerou para 1,62%, a maior taxa em 28 anos. E, recentemente, o Banco Mundial reduziu a projeção de crescimento da economia brasileira de 1,4% para 0,7% em 2022.
Mas, então, o que leva 5% dos eleitores a considerar que a economia vai bem? Quem é essa parcela da população?
Segundo cientistas políticas ouvidas pela reportagem, a explicação pode estar no forte apoio desse público ao atual governo e também no poder aquisitivo – muito ricos ou muito pobres. Entenda:
Apoiadores de Bolsonaro
Para a cientista política Andréa de Freitas, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), esses 5% são majoritariamente formados por pessoas que apoiam fortemente Bolsonaro. “Acredito que sejam o núcleo duro de apoio ao bolsonarismo. Bolsonaro, mesmo nos piores momentos de avaliação do governo, sempre mantém algo em torno de 15 a 20% de aprovação”, disse à BBC News Brasil.
“Quando a gente vai olhando para várias perguntas das pesquisas de opinião que direcionam o entrevistado a questões específicas do governo, você sempre tem o núcleo duro, que acha que tudo está muito bem. Esses 5% são parte desse grupo.”
Segundo Freitas, a percepção desse eleitorado sobre a economia, portanto, está mais ligada à identificação com Bolsonaro do que com a situação socioeconômica dessas pessoas. Isso porque, destaca a professora, embora haja setores menos afetados pela inflação e o baixo crescimento econômico, nenhum deles está se beneficiando fortemente do estado atual da economia.
“Eu não acho que tenha um setor que esteja se beneficiando, seja de políticas públicas ou de ausência das políticas públicas do Estado para economia. Todo mundo está, de alguma forma, sendo afetado pela queda no consumo, causada pela diminuição da renda e pelo aumento do desemprego”, diz.
Segundo ela, nesse contexto, os eleitores que integram o núcleo duro de Bolsonaro vão utilizar “duas ferramentas racionais” para analisar o estado da economia.
Uma delas, diz Freitas, é distribuir responsabilidades. “Ele vai dizer que a responsabilidade é dos governadores que fecharam o comércio na pandemia, do Congresso, do Supremo Tribunal Federal ou da guerra da Ucrânia. A segunda é afirmar que a economia poderia estar muito pior, não fosse por Bolsonaro.”
A professora da Unicamp destaca que, de fato, a pandemia e a guerra são fatores que influenciam na economia. “Mas quando a gente vai olhar os indicadores frios, o Brasil está pior do que muitas economias da América Latina. E todas elas, assim como o Brasil, estão sendo afetadas pela guerra e pela pandemia.”
O empresário Marconi de Souza tem outra avaliação. Para ele, parte da “imprensa e adversários de Bolsonaro” pintam um quadro excessivamente dramático da economia.
“Os segmentos do Brasil que têm problema não estão tendo problema por causa da forma como o governo trabalha. O segmento que sofreu muito é o informal: o cara que vendia pipoca na praia, no semáforo, perto dos estádios. Com o ‘fica em casa’ durante a pandemia, esses segmentos tiveram prejuízos. Mas o governo atendeu dando o auxilio emergencial”, argumenta.
“Como a gente está num ano eleitoral, as pessoas estão querendo tomar proveito disso. Tem gente querendo queimar o governo.”
Muito rico e muito pobre
Já a professora de Ciência Política Maria do Socorro Braga, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) avalia que os 5% que consideram que a economia vai bem são os muito ricos ou muito pobres – esses últimos beneficiados recentemente com o Auxílio Brasil.
“Essas pessoas devem integrar as camadas mais ricas que, independentemente da inflação ou das condições sociais e políticas, vão manter um patamar de riqueza”, avalia. “Ou é o segmento muito pobre que, independentemente da situação, não enxerga potencial de melhora na própria condição de vida. São pessoas em condição vulnerável, com baixa inteligibilidade do que se decide politicamente e o impacto dessas decisões na política.”
Entre os integrantes dessa camada mais pobre, o recebimento do Auxílio Brasil pode ter contribuído para uma percepção mais positiva do estado da economia, diz a professora. Esse programa de transferência de renda foi Instituído pelo governo Bolsonaro para substituir o Bolsa Família e paga cerca de R$ 400 por mês a cerca de 18 milhões de famílias. A criação do Auxílio Brasil foi alvo de controvérsia, com críticos afirmando que ele teria caráter eleitoreiro.
Por sua vez, Andréa Freitas, da Unicamp, acredita que o benefício em si, sozinho, não seria suficiente para gerar essa avaliação positiva. Para ela, o componente ideológico, de apoio a Bolsonaro, é o fator principal, enquanto o Auxílio Família seria o argumento racional usado para justificar a percepção otimista sobre a economia.
“Não é que o auxílio não faça diferença, mas eu acho que, de novo, ele entra nesse lugar da argumentação racional”, diz.
“Pode haver pessoas que estão recebendo auxílio e que sintam que estão melhores do que antes. Mas eu não acho que é isso que vai conduzir necessariamente o voto no Bolsonaro, porque o processo de implementação do programa foi confuso e gerou a percepção de uma política instável.”
Economia será tema central da eleição
O fato é que a economia deverá ser o principal tema da eleição presidencial deste ano. E a melhora ou piora nos indicadores deve ter efeito direto na aprovação de Bolsonaro.
Segundo a consultoria internacional Eurasia Group, a principal preocupação do eleitor atualmente é “renda e emprego”. Entre março e abril, pesquisas de intenção de voto revelaram um avanço de Bolsonaro, embora o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) continue à frente em todos os cenários para o primeiro e segundo turno. Lula aparece com 41% a 45% das intenções de voto, dependendo da pesquisa, e Bolsonaro com 30% a 32%.
E, em média, o percentual dos que aprovam a gestão de Bolsonaro subiu de 30% para 35% nos primeiros três meses deste ano. A Eurasia Group atribui a melhora na avaliação de Bolsonaro “à modesta recuperação do poder de renda” da população mais pobre nos primeiros meses deste ano devido a medidas pontuais.
“No segundo semestre de 2021, a renda real no Brasil caiu 11%, impulsionada por um aumento inflacionário maior do que o previsto, que atingiu duramente as famílias de baixa renda. Mas, no início de 2022, essas famílias recuperaram parcialmente a renda perdida com o reajuste anual de 10% do salário mínimo nacional, 13º salário para aposentados e algumas medidas tomadas pelo governo, como o perdão da dívida estudantil e liberação de saques do FGTS”, diz a consultoria.
Apesar dessa leve recuperação na renda, a situação econômica do país continua difícil, com alta nos preços dos alimentos e combustíveis. No acumulado de 12 meses, a inflação chegou a 11,3%. Alimentos e combustíveis são alguns dos setores mais afetados.
O preço médio do litro da gasolina ficou em R$ 7,283 na última semana de abril, o que representa uma alta de 0,18% em relação ao levantamento anterior.
Trata-se do maior valor nominal pago pelos consumidores desde que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) passou a fazer levantamento semanal de preços, em 2004. Já a taxa de desemprego no primeiro trimestre de 2022 foi de 11,1%, o mesmo patamar do primeiro trimestre de 2021. É uma taxa menor que a projetada pela agência Bloomberg, de 11,4%.
Segundo a consultoria Eurasia, Bolsonaro precisa de avanços mais substanciais nos indicadores econômicos para continuar crescendo nas pesquisas.
Socorro Braga, professora da UFSCar lembra que, historicamente, eleitores culpavam o candidato à reeleição pelas crises econômicas em vigor. Mas o cenário atual, de pandemia seguida por uma guerra na Ucrânia, viabilizou uma narrativa de culpabilização de fatores externos.
“A inflação no Brasil está alta e atinge a classe média. Nas eleições anteriores, quanto maior a inflação, menor capacidade de compra e, como consequência, culpava-se o governo”, diz.
“Mas uma parcela da população, sobretudo esses 5% que consideram que a economia vai bem, está culpando o efeito da pandemia ou da guerra, e não a falta de políticas efetivas para debelar essa situação. É uma narrativa forte você dizer que isso é consequência de uma guerra, da falta de insumos e da pandemia.”
Resta saber se essa narrativa vai ganhar força ou perder espaço ao longo da campanha eleitoral.
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