- Author, Veronica Smink
- Role, BBC News Mundo, Argentina
Quando o economista Javier Milei se tornou o primeiro “libertário” na história mundial a chegar à presidência, em 10 de dezembro, dentro e fora da Argentina, muitos se perguntaram o que esperar desse outsider da política.
Sua campanha tinha sido repleta de declarações controversas, como sobre a criação de um “mercado de órgãos” humanos ou o livre porte de armas.
Seis meses depois, nada disso aconteceu. Também não se tornaram realidade várias das propostas que faziam parte da plataforma eleitoral de La Libertad Avanza, o partido de Milei.
Por exemplo, seu compromisso de remover os controles de capital (conhecidos localmente como “cepo al dólar”), fechar o Banco Central (que ele prometeu “dinamitar”) e dolarizar a economia.
Segundo explicou o presidente, todas essas propostas ainda estão de pé, mas, para implementá-las, deve primeiro ajustar a economia, começando por reduzir a inflação, próxima de 290% ao ano, a mais alta do mundo.
Nesse sentido, em seus primeiros meses como presidente, Milei surpreendeu com o pragmatismo de algumas de suas medidas.
Longe de fechar o Banco Central – que recebeu com reservas negativas – dotou-o com fundos (comprou cerca de US$17 bilhões), e, em vez de eliminar o peso, fortaleceu o seu valor em mais de 70%.
Mas outras decisões – como um ajuste sem precedentes dos gastos públicos e confrontos constantes no âmbito externo e interno – mergulharam o país em um estado de conflito permanente que ratifica a condição de “radical” do presidente, como a revista Time resumiu em sua capa.
Durante esses seis meses, o nome do presidente não deixou de ser mencionado um único dia na Argentina, seja por seu comportamento, suas declarações públicas, sua atividade nas redes sociais ou pelas crises que abalaram seu governo, que não foram poucas.
Os aumentos de casos de dengue no verão, a falta de gás natural no início do inverno, e a última que envolve a não distribuição de alimentos para restaurantes populares, com mandados de busca expedidos pela Justiça contra depósitos de alimentos estatais, são alguns exemplos.
Aqui contamos cinco das decisões mais polêmicas envolvendo Milei em seu primeiro semestre como presidente e o efeito que tiveram.
Déficit zero
Embora Milei tenha mostrado flexibilidade com algumas das propostas mais controversas defendidas em campanha, há uma sobre a qual tem sido absolutamente contundente, respeitando-a estritamente no seu primeiro semestre no comando: o chamado “déficit zero”.
Dito em termos simples, trata-se de garantir que o Estado tenha mais receitas do que gastos.
O presidente disse que o déficit zero é algo “que não é negociável de forma alguma” porque o considera a única maneira de baixar os preços, o problema mais urgente dos argentinos.
“Se o Estado não gasta mais do que arrecada e não recorre à emissão, não há inflação. Não é mágica”, explicou o economista.
Isso é algo que ele tem mantido desde o primeiro dia, apesar do custo social sem precedentes no país.
É que para alcançar o precioso déficit zero, Milei teve que aplicar o ajuste mais forte de que se tem lembrança, reduzindo de cara em 35% os gastos do Estado em relação a 2023.
Como ele observou ao abrir as sessões do Congresso, em 1o de março, “nos últimos 123 anos, a Argentina teve um déficit em 112 deles”, um número que mostra o quão desafiador é manter as contas argentinas fora do vermelho.
Milei parece, no entanto, ter conseguido: em seus primeiros seis meses não somente não teve déficit, como até relatou “superávits gêmeos” (excessos de receita sobre despesas fiscais e comerciais), algo que aconteceu poucas vezes em toda a história argentina.
E, como previu, a inflação – que tinha disparado para além 25% ao mês em dezembro, quando assumiu e o valor do peso argentino caiu pela metade – caiu para 8,8% em abril, o mais recente número oficial divulgado. Muitas consultorias privadas prevêem que continuará a cair em maio e junho.
No entanto, além das polêmicas relacionadas ao ajuste – que veremos mais adiante – há dúvidas sobre se o excedente tão festejado pelo governo realmente existe.
“Acontece que você não pagou a Cammesa (encarregada de operar o mercado elétrico por atacado), você não pagou as obras públicas, você não pagou o que deve às províncias, você não pagou o que você deve às universidades…”, observou Cristina Fernandéz de Kirchner em um discurso no final de abril.
“É como se vocês, em suas casas, depois de não terem pago a luz, o gás, a água, as despesas, o aluguel, a senhora que trabalha, a babá, digam ‘eu tenho um superávit. Não irmão, você não tem superávit”, acrescentou a ex-presidente.
Para além das disputas políticas, muitos economistas duvidam que a obsessão do presidente seja sustentável a longo prazo, especialmente por causa da tolerância social que seria necessária para manter esse nível de ajuste.
Motosserra
Para atingir seu objetivo de déficit zero, Milei realizou o que ele definiu como “um ajuste fiscal sem precedentes na história da humanidade”.
Dos quase 17 pontos do Produto Interno Bruto (PIB) de déficit que herdou – se somar o fiscal, o comercial e o do Banco Central – em apenas três meses cortou 13.
Para isso, trouxe à tona a famosa motosserra que exibiu em alguns atos partidários e, apenas dois dias depois de ter assumido, anunciou fortes cortes que incluíram:
- A redução pela metade do número de ministérios e secretarias
- Corte de funcionários públicos com menos de um ano de serviço
- A suspensão de obras públicas por um ano
- A redução de subsídios aos setores de energia e transporte
- A suspensão da publicidade do governo na imprensa por um ano
- A redução “ao mínimo” das transferências discricionárias do Estado nacional para as províncias
Embora as medidas tenham contribuído para gerar o superávit que o governo buscava, elas também tiveram consequências muito graves para muitos argentinos.
Em particular, o freio à obra pública causou um colapso da construção, que caiu 32% no primeiro trimestre do ano, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec).
O índice de produção industrial recuou 15,4% no mesmo período.
O colapso foi ainda pior do que durante a pandemia de coronavírus, com quedas que não se viam desde a crise de 2001/2, até agora a pior da história da Argentina.
Além disso, as cerca de 25.000 demissões no Estado – Milei já alertou que mandará embora outros 50.000 funcionários -, em um país onde o trabalho público virou, nos últimos anos, o principal motor do emprego, também contribuíram para que nos primeiros quatro meses se registrasse a maior redução de postos assalariados desde 2002, com uma contração anual de 1,4%, de acordo com dados da Secretaria do Trabalho.
O Indec informou que no primeiro trimestre do ano, o nível de atividade econômica caiu 5,3%. Em março, a queda em relação ao ano anterior foi de 8,4%.
O governo argumenta que a queda econômica chegará ao seu ponto mais baixo no primeiro semestre do ano e que depois haverá um “forte rebote” em forma de “V” quando o controle de capital que pesa sobre o dólar for aberto.
O ministro da Economia, Luis Caputo, observou, inclusive, há alguns dias que o país já está “em franca recuperação” já que, apesar da forte queda anual da indústria e da construção, em abril ambos os setores mostraram um pequeno crescimento em relação ao mês anterior. Um indício, dizem, de que a tendência está mudando.
Como sinal positivo de que o ajuste já está dando frutos, eles ressaltam que os bancos voltaram a oferecer créditos hipotecários a 20 e 30 anos, algo poucas vezes visto no país.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) parece compartilhar o otimismo das autoridades argentinas com o futuro: estimou que em 2025 o país crescerá 5%.
No entanto, o panorama para este ano não é muito encorajador: após o ajuste anunciado por Milei, o FMI reverteu a previsão de que o país cresceria 2,8% em 2024, para uma expectativa de contração de 2,8%, antes de voltar a crescer no próximo ano.
Liquidificador
Um dos debates mais acalorados que ocorreram durante o primeiro semestre do governo foi sobre o quanto do ajuste de Milei foi obtido passando a motosserra nos gastos da “classe política” – como ele tinha prometido em campanha – e quanto as pessoas comuns realmente pagaram.
Como já vimos, os cortes nas obras públicas e no emprego estatal tiveram um impacto muito além do mundo político. O mesmo aconteceu com a suspensão da publicidade governamental na imprensa, que levou a demissões em empresas jornalísticas que dependiam dessa contribuição (a agência estatal Télam foi fechada).
Enquanto isso, a redução de subsídios à energia e ao transporte bateu diretamente no bolso dos argentinos.
Mas isso não foi tudo. Uma grande parte do ajuste se deu através do que os economistas chamam de “liquidificação de gastos”. É algo que acontece quando há alta inflação, que vai “comendo” o valor do dinheiro.
Se, por exemplo, você tem um salário determinado e este permanece o mesmo ao longo do tempo, cada mês de inflação irá reduzir o quanto se pode comprar com esse dinheiro.
Quando assumiu, Milei decidiu por decreto que o orçamento nacional de 2023 fosse prorrogado para o ano de 2024. Em outras palavras, aprovou os mesmos itens que no ano passado, apesar de entre um ano e outro a inflação ter ficado próxima de 300%.
Dessa forma, poupou muito dinheiro para o Estado. Mas, o efeito foi que muitos setores ficaram sem financiamento.
Foi o que aconteceu, por exemplo, com as universidades públicas, como a prestigiada Universidade de Buenos Aires (UBA), que em abril passado declarou “emergência orçamentária”, alertando que não teria como continuar funcionando na segunda metade do ano.
A paralisia foi evitada com um acordo para aumentar a transferência de fundos do Estado, embora o governo tenha enfrentado um protesto universitário de grandes proporções que convocou dezenas de milhares de pessoas para a emblemática Plaza de Mayo, em frente à Casa Rosada, em 23 de abril, em defesa da educação pública.
Mas a principal “liquidificação” não foi a sofrida por estudantes e professores universitários, mas sim pelo grupo que representa a maior despesa para o Estado: os aposentados.
Há muitos anos que as aposentadorias vinham perdendo para a inflação. De acordo com um relatório do Instituto de Pesquisas Econômicas para a Realidade Argentina e Latino-Americana (Ieral), em 2023, elas perderam 32% de seu valor, o que até então era um recorde.
Mas o pior ainda estava por vir. Com o ajuste de Milei, essa liquidificação foi acentuada. A aceleração da inflação, que entre dezembro e janeiro ultrapassou 46%, fez com que em março os aposentados perdessem entre 28,5% e 43,7% ano após ano do seu poder de compra – de acordo com seu nível de renda – informou a jornalista econômica do jornal La Nación Silvia Stang.
Apesar da queda, o presidente defendeu sua decisão de não aumentar os títulos que vinham sendo usados desde 2022 para reduzir um pouco a perda do poder de compra dos idosos.
“Não há dinheiro, e eles são o setor que tem a menor porcentagem de pobreza”, justificou em fevereiro, em uma entrevista ao canal Todo Noticias (TN), explicando que, enquanto 15% dos aposentados eram pobres, entre as crianças esse número estava acima de 60%.
No entanto, Milei negou que cerca de um terço do seu ajuste tenha sido alcançado graças à liquidificação de aposentadorias.
Consultado sobre o assunto pela jornalista da BBC Ione Wells, no final de abril, o presidente assegurou que o corte em aposentadorias e pensões representou apenas 0,4% do PIB.
“Ou seja, 90% do ajuste recai sobre a classe e apenas 10% do ajuste recaiu sobre as pensões”, disse ele a este meio.
Uma análise feita das falas do presidente feita pelo site de verificação do discurso público Chequeado determinou que essa frase do presidente era “falsa”.
Citando trabalhos das consultorias econômicas Ledesma e Eco Go, o Chequeado confirmou que o corte nas aposentadorias representou, respectivamente, 36,6% da redução de gastos no primeiro trimestre, e 32,2%, projetando os números de forma anualizada.
Outro grupo que sofreu uma grande liquidificação de renda foram os assalariados, que já tinham um dos ativos mais baixos da América Latina quando Milei chegou (US$494 de acordo com o índice de Remuneração Tributável Média dos Trabalhadores Estáveis -Ripte- elaborado pela Secretaria do Trabalho).
Os dados do Ripte, que mede apenas o setor formal – cerca de metade do universo de trabalhadores – mostram que nos primeiros quatro meses de governo os salários médios caíram 17% (em março a queda ano após ano foi de 24%).
Um relatório do Centro de Pesquisa e Formação da Central de Trabalhadores da Argentina (Cifra-CTA) estimou que o poder de compra do salário mínimo caiu ainda mais: 34,1% desde que Milei assumiu, até abril.
Os bolsos dos trabalhadores não só encolheram pela decisão do governo “libertário” de não autorizar aumentos salariais acima da inflação para conter a chamada “espiral inflacionária”, mas também pela desregulamentação de muitos setores econômicos, nos quais havia controle de preços.
Como resultado, o consumo em massa caiu. Em abril, caiu pelo quinto mês consecutivo, registrando uma queda de 20,4% em relação ao ano anterior, de acordo com a consultoria Focus Market.
As consequências sociais dessas medidas são graves: um relatório da Universidade Torcuato Di Tella, estimou que 3.2 milhões de argentinos caíram na pobreza durante o primeiro trimestre do ano.
Enquanto isso, o Observatório da Dívida Social Argentina da Universidade Católica Argentina (ODSA-UCA) calculou que o nível de pobreza aumentou de 44,7% no terceiro trimestre de 2023 para 55,5% no primeiro trimestre deste ano, enquanto a indigência passou de 9,6% para 17,5% no mesmo período, um aumento nunca visto antes.
No entanto, o diretor do Observatório, Agustín Salvia, disse à rádio Rivadavia que “o pior já passou” e que o nível de pobreza “teria atingido seu teto”, graças a “uma recuperação parcial da renda”.
Nesse sentido, na entrevista com a BBC, Milei ressaltou que, graças à queda da inflação, a partir de março os salários e as aposentadorias começaram a ganhar poder de compra (de acordo com o Ripte, o salário real aumentou 2,7% naquele mês), uma tendência que se manteria à medida que os preços continuem a cair.
A esperança de que as coisas melhorem – que muitos meios de comunicação locais resumem com a frase “estamos mal, mas estamos bem” – explicaria por que, apesar de a Argentina passar por quedas históricas na atividade econômica, consumo e emprego, muitos argentinos dizem sentir otimismo pelo futuro, de acordo com várias pesquisas.
Batalha cultural
Fora do âmbito econômico, uma das prioridades de Milei em seus primeiros seis meses como presidente tem sido reverter “100 anos de decadência” da Argentina, algo pelo qual ele culpa “a esquerda”.
“A raiz do problema argentino não é político e/ou econômico. É moral”, disse ele em fevereiro passado em um post no X (exTwitter), explicando como “o socialismo” havia sido “implantado” no país por um século, através de “educação, cultura e mídia”.
O jornalista Juan Luis González, que escreveu uma biografia não autorizada de Milei, assegurou em “El Loco” que “a resistência contra a suposta hegemonia ideológica da esquerda” foi um dos principais motivos que levaram o economista a entrar na política em 2021.
Em seu primeiro discurso internacional, no Fórum Econômico de Davos, na Suíça, Milei afirmou que não só a Argentina, mas todo o Ocidente estava “em perigo”.
“Aqueles que supostamente devem defender os valores do Ocidente são cooptados por uma visão de mundo que inexoravelmente leva ao socialismo e, consequentemente, à pobreza”, disse ele, em referência ao progressismo, à ideologia que defende um Estado benfeitor, a defesa dos direitos civis e a redistribuição da riqueza.
Para combater o “coletivismo”, como ele também chama o socialismo, o presidente procurou reverter muitas das políticas sociais implementadas durante os governos kirchneristas, principais bandeiras do progressismo.
Uma das questões tem sido o feminismo.
Mal assumiu, o libertário, que nega que exista diferença salarial entre homens e mulheres, eliminou o ministério das Mulheres, Gêneros e Diversidade, transformando-o em uma subsecretaria de Proteção contra a Violência de Gênero.
Em 8 de março, Dia Internacional da Mulher, o governo deixou clara sua posição sobre o que chama de “ideologia de gênero” ao transformar o Salão das Mulheres da Casa Rosada no “Salão dos Próceres”, em homenagem a um grupo de líderes políticos, todos homens.
Milei também se declarou contra o aborto e descreveu as ativistas que lutaram por esse direito como “as assassinas de lenços verdes”. No entanto, esclareceu à BBC que “não está na agenda” revogar essa lei, aprovada em 2020.
O governo também fechou o Instituto Nacional contra a Discriminação, Xenofobia e Racismo (Inadi) e proibiu o uso da “linguagem inclusiva” e qualquer referência à perspectiva de gênero nos documentos oficiais.
Em 24 de março, ao comemorar o Dia da Memória, da Verdade e da Justiça nos 48 anos do golpe de Estado que levou ao poder o último regime militar, a Casa Rosada publicou em sua conta oficial no X um vídeo que se concentrava nas vítimas dos grupos subversivos, anterior ao golpe.
O documentário de quase 13 minutos não mencionou os desaparecidos da última ditadura, que segundo organizações de Direitos Humanos foram cerca de 30.000 pessoas.
Milei, assim como sua vice-presidente Victoria Villarruel, rejeita o número. Os dois declararam, no entanto, que não planejam perdoar os militares condenados por crimes contra a humanidade, como alguns ativistas haviam alertado.
Outra batalha forte de Milei foi contra a imprensa.
“Provavelmente, o lugar do mundo onde o jornalismo está mais podre é a Argentina, onde grande parte dos jornalistas são mentirosos e caluniadores em série”, disse à BBC.
O presidente acusou muitos jornalistas locais de serem “ensobrados” (receber subornos) e seus ataques contra os profissionais que fazem coberturas que considera críticas geraram vários alertas de agências de imprensa como o Fórum de Jornalismo Argentino (Fopea), a Associação de Entidades Jornalísticas Argentinas (Adepa) e a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP).
No final de maio, o governo suspendeu os portais e as redes sociais de todos os meios de comunicação públicos, anunciando um “processo de reorganização que visa melhorar a produção, realização e difusão dos conteúdos que são gerados”.
A frase recebeu críticas por sua pesada carga simbólica: o Processo de Reorganização Nacional foi o nome formal da ditadura que governou entre 1976 e o retorno da democracia, em 1983.
Milei disse que planeja fechar ou privatizar todo o sistema de imprensa estatal, incluindo a Televisão Pública, fundada em 1951, e a Rádio Nacional, que transmite há quase 87 anos. Mas, para isso, precisa que o Congresso aprove seu pacote de propostas legislativas conhecido como Lei Bases.
No entanto, em seis meses, além de algumas vitórias legislativas parciais, o presidente não conseguiu que nenhum dos projetos de lei enviados ao Congresso fosse aprovado.
Milei já dedicou mais tempo do que qualquer um de seus antecessores a viages, somando oito ao exterior: cinco para os Estados Unidos e nenhuma para países vizinhos. Mas isso não é o mais relevante de sua política externa.
Enquanto o kirchnerismo – que governou durante 16 dos últimos 20 anos – reforçou os laços regionais da Argentina, o governo de Milei fez um giro de 180 graus e mantém uma política internacional que emula a de Carlos Menem (1989-99), a principal referência política do presidente.
Menem mantinha um vínculo tão próximo com os EUA que seu próprio chanceler definiu como “relações carnais”. Também se aliou fortemente com Israel, tornando-se o primeiro presidente argentino a visitar o país, em 1991.
Da mesma forma, Milei declarou que seus dois principais parceiros internacionais são os EUA e Israel.
Em fevereiro, ele escolheu o último para fazer sua primeira visita internacional, após sua breve passagem por Davos, apesar de Israel estar em guerra. De lá, confirmou que planeja mudar a embaixada argentina para Jerusalém Ocidental, seguindo os passos de Donald Trump, que em 2018 fez o mesmo com a embaixada americana.
Milei foi um dos poucos líderes mundiais a defender incondicionalmente as ações israelenses em Gaza. Em conversa com a BBC, ele disse que não considerava que tivesse cometido algum excesso.
O alinhamento com Washington tem sido igualmente absoluto. Consultado por sua proximidade com Trump, que este ano vai disputar a corrida pela presidência com o atual presidente, Joe Biden, Milei disse que “independentemente de quem ganhe, eu sou um aliado dos EUA, seja democrata ou republicano”.
Mas, embora seja necessário esperar o resto do mandato para saber se o vínculo com Washington é mais ou menos forte do que com Menem, esses seis meses já permitem ver que, em outros assuntos de política internacional, o governo de Milei é como nenhum outro que a Argentina já teve.
É que, enquanto Menem cultivava uma política de diálogo e busca de consenso, Milei tem um estilo confrontador que já rendeu atritos e polêmicas com vários outros países.
O desentendimento mais recente foi com a Espanha, no final de maio, em uma visita majoritariamente particular que teve como principal objetivo fazer um discurso durante um evento organizado pelo partido de ultra-direita espanhol Vox.
Em seu discurso, Milei chamou de “corrupta” – sem nomeá-la – a esposa do presidente do governo espanhol, Pedro Sánchez, gerando uma crise diplomática que terminou com a retirada definitiva da embaixadora espanhola em Buenos Aires.
O líder argentino disse que seus comentários foram feitos em resposta às ofensas que recebeu de funcionários do governo espanhol. E recusou-se a pedir desculpas.
Mas a Espanha está longe de ser o único país com o qual o líder libertário brigou.
Também houve desentendimentos com os dois principais parceiros comerciais da Argentina: Brasil e China.
Durante sua campanha, o então candidato chamou de “corrupto” e “comunista” o atual presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, que não compareceu à sua posse (o ex-presidente de direita Jair Bolsonaro participou).
E disse que não teria “laços com países comunistas”, embora permitisse que as empresas negociassem livremente.
“O comunismo é um regime assassino. O comunismo matou 150 milhões de seres humanos. Ou seja, tem sido a maior máquina assassina da história da humanidade”, disse ele à BBC em abril, esclarecendo que não tinha opinião sobre o líder chinês Xi Jinping porque “não o conheço pessoalmente para fazer juízo de valor”.
Embora não tenha havido reações oficiais do hermético governo chinês, muitos observadores ressaltam que, por enquanto, a Argentina não conseguiu renegociar uma dívida que mantém com Pequim por US$ 4,9 milhões, feita no governo anterior, de Alberto Fernández, e que vence no meio do ano.
Também não conseguiu renovar um swap (troca) de moedas, que permitiu ao país sul-americano fortalecer suas escassas reservas internacionais, apesar de a chanceler argentina e o presidente do Banco Central terem viajado até a capital chinesa em abril com esse propósito.
Mas os problemas diplomáticos não terminam aí.
Em apenas seis meses, Milei também teve fortes embates com dois aliados históricos da Argentina: México e Colômbia.
A “primeira pedra” veio dos líderes desses países, que durante a campanha tinham criticado em termos duros o então candidato libertário.
Perguntado sobre essas falas pelo jornalista Andrés Oppenheimer, da CNN en Español, em uma entrevista no final de março, o presidente argentino colocou mais lenha na fogueira.
“É um elogio que um ignorante como (Andrés Manuel) López Obrador fale mal de mim, me exalta”, disse ele sobre seu par mexicano, que o chamou de “facho conservador”.
Com o presidente da Colômbia, foi ainda mais agressivo. “Não se pode esperar muito de alguém que era um assassino terrorista”, disse ele sobre Gustavo Petro, referindo-se a seu passado de guerrilheiro.
Petro tinha apoiado o rival de Milei nas eleições e comparado as falas do atual presidente com o nazismo.
Ambas as crises foram resolvidas pela via diplomática, o que ainda não é o caso da Espanha, país para o qual Milei deve retornar em 21 de junho para receber um prêmio.
Fonte: BBC
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