- Camilla Veras Mota – @cavmota
- Da BBC News Brasil em São Paulo
Depois de um salto expressivo no início do ano, o volume de casos de covid-19 no país voltou a aumentar neste mês de junho.
Conforme o boletim Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass), são cerca de 35 mil novos diagnósticos da doença por dia, como indica a média móvel de sete dias (uma medida que suaviza as oscilações dos registros diários e mostra uma linha de tendência da pandemia).
O ritmo é mais de duas vezes maior do que o observado em abril, quando o Brasil contabilizava cerca de 15 mil novos diagnósticos por dia.
Desde o surto de janeiro e fevereiro, o país conta com uma nova modalidade de diagnóstico — os autotestes de antígeno, aprovados pela Anvisa neste ano e comercializados nas farmácias a partir de março, que podem ser feitos em casa pelos próprios pacientes.
Em que situações esses testes são indicados? Como eles se comparam a outros testes de antígeno e ao PCR? Como interpretar corretamente a célula de leitura? A BBC News Brasil ouviu três especialistas para responder a estas e outras perguntas sobre as modalidades de diagnóstico da doença.
Unidos por um swab
Tanto RT-PCR quanto os testes de antígeno — incluídos aí os autotestes e os testes realizados em farmácias e laboratórios — são feitos a partir de uma amostra coletada do nariz do paciente com uma haste longa, o swab.
Mas as semelhanças acabam por aí. O RT-PCR, também chamado de teste molecular, pesquisa o RNA do vírus, seu material genético, enquanto os testes de antígeno detectam uma proteína presente na estrutura celular do vírus.
No caso do RT-PCR, a amostra é processada em uma máquina capaz de multiplicar o material genético da coleta mais de um milhão de vezes. Isso aumenta a sensibilidade do exame e, por consequência, a probabilidade de que ele detecte o micro-organismo. Há laboratórios que disponibilizam o resultado em até quatro horas — durante o surto do início do ano, contudo, diante da grande procura, esse prazo chegou a ser estendido para alguns dias.
Com os testes de antígeno, a amostra é depositada sobre um pedaço de papel impregnado com um produto que reage na presença de uma proteína do vírus: uma parte da lâmina (a “tirinha” do teste) muda de cor em alguns minutos caso a proteína seja detectada.
Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil reiteram que o RT-PCR continua sendo o “padrão ouro” dos diagnósticos.
“Para quem puder fazer, esse é o ideal”, diz Celso Granato, infectologista do grupo Fleury. “Mas nós sabemos que entre o ideal e o viável tem uma longa distância”, ele completa.
Antígeno: autoteste, na farmácia ou no laboratório?
Muita gente tem optado pelos testes de antígeno porque eles são mais baratos e apresentam resultado mais rápido.
Para o pneumologista Gustavo Prado, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, no atual momento da pandemia, em que o país tem uma ampla cobertura vacinal — o que garante que a maior parte das pessoas que contraírem o Sar-CoV-2 não terão formas graves da doença —, os testes de antígeno, “guardadas as limitações”, são uma ferramenta útil para detectar os casos leves.
Quem está com uma manifestação grave de síndrome respiratória, ele frisa, seja ou não suspeita de covid, deve procurar um serviço de saúde.
Já aqueles que não apresentam sintomas graves — como falta de ar, desorientação e confusão mental, tosse permanente e desconfortável, febre persistente —, ele avalia, podem procurar os testes de antígeno.
“A grande questão é entender que os testes não são todos iguais e têm desempenhos diagnósticos diferentes”, completa. “E é preciso voltar até ao momento da coleta, não só ao reagente em si — ao quanto ele é sensível e específico. Essas condições pré-analíticas são fundamentais para que o resultado seja crível.”
Nesse sentido, para que os testes de antígeno tenham maior chance de sucesso, diz o pneumologista, eles precisam ser realizados no momento certo (leia mais abaixo), com uma técnica de coleta e mistura ao reagente apropriadas, aplicação adequada na célula de leitura e com o devido tempo de processamento.
O diretor do comitê de análises clínicas da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed), Alex Galoro, também reitera a importância da qualidade da realização das diferentes etapas do teste, especialmente no momento de escolher entre o autoteste, o teste de antígeno feito na farmácia e o teste de antígeno feito em laboratório.
“O profissional de laboratório é treinado, vive disso, o da farmácia pode ter recebido algum treinamento, mas certamente menos — assim, pode haver alguma falha na execução. No caso do autoteste, mais ainda”, ele completa.
Os kits do autoteste para detecção de antígeno, aliás, são diferentes daqueles utilizados nas farmácias e laboratórios, apesar de usarem o mesmo mecanismo.
Por razões de segurança, a coleta do material no autoteste não é feita na região mais profunda do nariz, mas apenas na área mais superficial — de maneira geral, as instruções indicam inserir o swab entre dois e três centímetros no nariz.
Na prática, isso significa que a probabilidade de a amostra coletada no autoteste ter uma carga viral pequena — que não chega a ser detectada pelo reagente — é maior do que no teste realizado na farmácia ou no laboratório.
“Pode haver muito falso negativo”, ressalta Galoro.
Quando fazer?
No caso dos testes de antígeno, a recomendação é que seja feito no segundo ou terceiro dia de sintomas, quando há maior carga viral no sistema respiratório do indivíduo infectado e, assim, a probabilidade de que ela seja detectada é maior. Oficialmente, a Anvisa sugere que eles sejam feitos entre o primeiro e o sétimo dia de sintomas.
Para os assintomáticos, o ideal é fazer entre três e cinco dias depois do contato com alguém que foi diagnosticado com a doença, por conta do tempo de incubação do vírus — que diminuiu consideravelmente desde o início da pandemia, especialmente depois do surgimento da variante ômicron, responsável pelas explosões mais recentes de casos pelo mundo.
“Lá no começo, o tempo de incubação podia ir de dois a até 14 dias — isso não é mais verdade. Estamos vendo muitas pessoas que tiveram contato com alguém contaminado e três dias depois já estão com diagnóstico positivo”, pontua Granato, do grupo Fleury.
Como ler o autoteste
Para quem optar pelo autoteste, é importante saber ler o resultado.
A lâmina de teste tem dois campos: C, de “controle”, e T de “teste”. Quando o resultado é negativo, a linha colorida aparece apenas na área C. Quando positivo, ambas as áreas ficam “pintadas” na lâmina.
O exame é considerado inválido caso apenas a linha T fique colorida, mas não a linha de controle; caso nenhuma das duas seja pintada ou se houver um grande borrão na lâmina, como indicado na ilustração abaixo:
Deu positivo, e agora?
O pneumologista Gustavo Prado ressalta que os testes de antígeno são bastante específicos e, por isso, têm uma incidência baixa de falsos positivos.
“Teste positivo é resultado positivo.”
A recomendação é de isolamento por um período entre 7 e 10 dias, a contar a partir do primeiro dia de sintomas.
A Anvisa chegou a emitir uma sugestão liberando o fim do isolamento a partir do quinto dia, com a realização de um novo teste que traga resultado negativo, mas o pneumologista não considera a medida segura.
“Algo entre 10% e 20% dos pacientes ainda podem estar transmitindo o vírus no quinto dia. O ideal é que a pessoa complete pelo menos os sete dias de isolamento.”
Deu negativo, não tenho covid?
Os resultados negativos, por sua vez, precisam ser olhados com mais cautela, dizem os especialistas.
A sensibilidade dos autotestes varia, mas muitos atingem cerca de 80%, afirma Prado — o que significa que, de cada 100 casos positivos, o exame detectará 80.
“Teste negativo pode ser falso negativo”, pondera. A depender do quadro do paciente, caso seja um caso com alta suspeita clínica de covid, é possível que o profissional de saúde peça para repetir o teste ou fazer um exame com maior sensibilidade, como o RT-PCR.
Para aqueles que fizeram o teste porque estão sem sintomas e tiveram contato com alguém que teve diagnóstico positivo, a recomendação do médico é que mantenha os cuidados para evitar a transmissão — uso de máscara, higiene das mãos, distanciamento social, preferência por ambientes abertos e ventilados.
No início da pandemia, a orientação era de que aqueles que tivessem contato com alguém infectado também fizessem isolamento — uma recomendação que mudou com a evolução da doença e com a ampliação da vacinação.
Onda de subnotificações
Os três especialistas ouvidos pela reportagem ressaltaram que a disseminação dos testes de antígeno, especialmente dos autotestes, têm gerado um aumento significativo da subnotificação dos novos casos de covid-19, principalmente dos quadros leves.
“O que me preocupa em relação ao autoteste é que nem todo mundo notifica as autoridades de saúde quando o resultado dá positivo”, diz o infectologista Celso Granato. “Aqui no Fleury, estamos vendo uma positividade de 50% nos testes, um percentual muito alto, que indica que a doença está amplamente disseminada entre a população”, completa.
“Esse pico [de casos] está subdimensionado”, concorda Galoro.
A Anvisa não considera os autotestes como diagnósticos para covid-19. A recomendação é que, uma vez que o exame dê positivo, o paciente procure um diagnóstico de confirmação em um serviço de saúde. Na vida real, contudo, muitas das pessoas que têm resultados positivos nos autotestes, principalmente nos casos leves da doenças, seguem em isolamento em casa.
A necessidade de “confirmação” do resultado pelo sistema de saúde, na visão de Prado, é “uma redundância que onera o sistema” e pode saturá-lo. Em paralelo, ele acrescenta, o teste positivo que deixa de ser contabilizado “é um diagnóstico que não necessariamente está gerando conhecimento [em relação à situação da pandemia no país] ou mudança de planejamento”.
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