A 14ª edição da tradicional Exposição da Culinária Afro-Brasileira levou para o Sítio Trindade degustação gratuita de comidas de terreiro, acompanhada por cânticos, danças e celebrações da tradição afro-brasileira. (Foto: Inaldo Menezes/PCR)
A fartura dos terreiros de candomblé tomou conta do principal polo do São João da Prefeitura do Recife, no Sítio Trindade, numa saborosa celebração às religiões e à gastronomia de matriz africana, durante a 14ª edição da tradicional Exposição da Culinária Afro-Brasileira, na noite de ontem (12). Xangô, que corresponde a São João no sincretismo religioso, ganhou reverência, com cânticos, dança e muita comida de terreiro.
Tendo como tema “SOU DE SÀNGÓ, EU TAMBÉM REZO”, a exposição confirmou mais uma vez o sincretismo religioso que pauta os ciclos festivos do Nordeste, onde se reza e se brinca para São João e para o Rei dos Yorubás numa festa só. Enquanto grupos de terreiros se apresentavam no palco, entoando uma sequência de cânticos, em homenagem a diversos orixás cultuados nos terreiros, junto ao público, acontecia o Sirè, que significa brincar, dançar, e denota o tom alegre das festas de candomblé, nas quais os próprios orixás vêm dançar e brincar com seus filhos. Uma fogueira foi acesa e um prato de oferendas foi colocado ao centro para Xangô, que é o orixá da justiça e do fogo, e servido para quem estava na roda, encerrando os cânticos e rezas para o orixá considerado rei dos reis.
A mostra, que integra o ciclo junino 2022 da Prefeitura do Recife, tem produção e execução do Terreiro Ilé Àse Egbé Awo, sob responsabilidade de Mãe Elza de Yemojá. “Durante muito tempo, eu fui expositora. E hoje tenho a honra de coordenar esse projeto, que traz a culinária do terreiro e do ciclo junino. O que nós fazemos aqui é provar que a culinária de terreiro agrada, alimenta e fortalece a cabeça, o corpo, os amigos. Você só vê por aqui as pessoas se abraçando em um sentimento de confraternização”, afirmou Mãe Elza de Yemojá, celebrando o congraçamento, o respeito e todas as formas de fé e fartura espiritual.
Mais de 7 mil porções da gastronomia tradicional do São João e de Terreiro foram oferecidas gratuitamente ao público, inclusive o gbègìrì e o amalá, comidas prediletas de Xangô. De um lado, os pratos do cotidiano junino, como canjica, pé de moleque e bolo de milho. Do outro, várias iguarias e preparos feitos com quiabo, milho, castanha, amendoim e farinha, bem temperados com cebola e pimenta a gosto, com fartura de peixe e camarão. Bárbara Antunes, 40 anos, é chef de cozinha e fez questão de prestigiar a mostra. “Como uma pessoa que vive e trabalha com comida, é maravilhoso estar aqui, provando desse axé. A energia está maravilhosa, a comida está maravilhosa, está tudo perfeito”, comemorou.
Charles Soares, 25 anos, não perde uma edição da mostra gastronômica. Ele conta que, desde muito novo, tinha curiosidade de conhecer um terreiro, quando escutava o som dos tambores, mas ninguém da sua família fazia parte da religião. Foi depois de uma festa de Cosme e Damião, aos 20 anos, que ele se aproximou do candomblé em definitivo. “Uma festa como essa é muito importante, porque sai do terreiro para as ruas e dá oportunidade de outras pessoas conhecerem a nossa religião. Aqui tem representatividade do povo de terreiro, do povo negro, que sempre foi muito discriminado pela sociedade. É uma festa que reúne pessoas de diferentes religiões para conhecer e prestigiar a nossa cultura”, afirma Charles.
Ancestralidade – Para o candomblé, a comida é sagrada. Mais sagrada ainda é a figura da Íyábàsé, cozinheira e guardiã responsável pelo resgate da ancestralidade e do preparo dos alimentos que curam e alimentam os terreiros de candomblé. Para homenagear todas essas mulheres, um prêmio foi dado para Laísa de Oxum, do Terreiro Ilé Àse Egbé Awo, que levou para o Sítio pratos como àsùn, àkàsà, aran abukó e o pádé, este último feito à base de cebola, cebolinho, camarão, azeite de dendê e pimenta. “É um reconhecimento importante, um orgulho muito grande para quem se dedica às tradições com tanto carinho”.
Este ano, expecionalmente, uma homenagem chamada Cozinheira de Axé foi feita à chef de cozinha Rosilene Rodrigues, integrante também do movimento negro, que subiu ao palco e desabafou, sobre tempos de tanta intolerância e violência: “Meu terreiro é o enfrentamento ao racismo”.