- Author, Josué Seixas
- Role, De Maceió (AL) para a BBC News Brasil
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Eram 0h20min de quinta-feira (30/11) quando o filho de Sônia Maria Vieira de Farias, de 74 anos, abriu a porta e encontrou a Defesa Civil de Maceió, com viaturas e membros da mineradora Braskem.
A ordem era para a saída da família do imóvel, localizado no bairro do Pinheiro, um dos afetados pelas consequências da exploração da Braskem em Maceió, onde uma mina sob risco de desabar a qualquer momento, de acordo com as autoridades locais.
Porém, segundo a empresa, ainda existe a possibilidade do solo se estabilizar, mas não descarta um súbito colapso da mina.
Mas diante do perigo de que o pior cenário se concretize, moradores da região têm sido obrigado a deixar suas casas.
Sônia demorou pouco para se levantar. Tinha tomado seus remédios controlados em dobro, já tensa por toda a situação.
Na quarta-feira (29/11), foi visitada duas vezes com solicitações de realocação, mas decidiu não sair. Aceitava o risco.
Era a única casa ocupada na rua que, segundo ela, tem vida normal: os carros trafegam e serviços de limpeza urbana continuam.
Nos talvez dois minutos que andou do quarto à porta de entrada, ainda desnorteada pelo efeito dos remédios e do susto, Sônia se estarreceu ainda mais com tanto alarde. Segundo ela, sequer trocou de roupa. Estava de camisola.
“O homem que tinha a ordem da nossa saída confirmou quem eu era e, claro, afirmei. Ele me disse: ‘Vocês precisam sair ou serão presos por descumprimento da ordem judicial’, e aí eu desmaiei”, conta ela por telefone à BBC News Brasil.
“Minha próxima lembrança foi só na ambulância, a caminho do hospital”
A ordem foi determinada pela Justiça na noite de quarta-feira para que fossem retiradas famílias das áreas de risco do desabamento da mina 18, localizada na Lagoa Mundaú, no bairro do Mutange.
Nela, porém, estava a recomendação da saída de pessoas localizadas no Bom Parto.
De acordo com nota da Defesa Civil de Maceió, divulgada na manhã de sexta-feira (1/12), o deslocamento vertical acumulado da mina 18 é de 1,42 m e a velocidade vertical é de 2,6 cm por hora.
As comunicações pedindo precaução começaram na quarta, com SMS e avisos à população, além de visitas do órgão às casas.
“A minha casa fica numa região longínqua ao Mutange. Não deveríamos ser contemplados nessa medida agora”, reclama Sônia.
“Eu estou usando roupas das minhas filhas, sem documentações, por conta de toda a forma que a evacuação da nossa residência foi feita”.
“Nesse período de cinco anos, desde que começou todo o problema, já tive um AVC, fui para a UTI e fiquei internada. É uma coisa desumana o que a Braskem, e agora os órgãos competentes, fazem com essas famílias. Resistimos porque as condições dadas para a saída da família não são as ideias”, reclama.
“Saímos todos em estado de choque. Tínhamos crianças em casa, todas no desespero. É muito traumático”, relembra, chorando.
O que está acontecendo
A extração de sal-gema, utilizada na fabricação de soda cáustica e PVC, começou na década de 1970 em Maceió, com a Salgema Indústrias Químicas S/A, que se tornaria a Braskem. Havia autorização do poder público.
As primeiras rachaduras surgiram em fevereiro de 2018, sendo uma com 280 metros de extensão.
O primeiro tremor foi registrado no mês seguinte, causando rachaduras e crateras no solo, além de danos em imóveis.
O Serviço Geológico do Brasil (CPRM) confirmou em 2019 que a instabilidade no solo foi causada pela mineração.
Em junho daquele ano, iniciaram-se as evacuações nos bairros do Pinheiro, Mutange e Bebedouro. A ordem se estendeu a parte do Bom Parto e do Farol.
Até agora, mais de 14 mil imóveis precisaram ser evacuados, com cerca de 55 mil pessoas afetadas.
Desde então, a Braskem iniciou o processo de fechamento e estabilização das 35 minas espalhadas por Mutange e Bebedouro, com profundidade média de 886 metros.
Em novembro, cinco tremores de terra constatados pela Defesa Civil levaram a um alerta de “risco iminente de colapso em uma das minas”, a de número 18, que fica próxima à lagoa Mundaú.
O fenômeno pode afetar outras duas minas, de acordo com o professor da Universidade Federal de Alagoas, Abel Galindo, formando uma cratera que caberia o estádio do Maracanã.
Caso o colapso completo se confirme, a Defesa Civil afirma que o fenômeno tornaria a água da lagoa salgada, a região sendo impactada “de forma bastante trágica”.
Estão em Maceió equipes da Defesa Civil Nacional e do Serviço Geológico do Brasil, além de ministros do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O governador Paulo Dantas (MDB) afirmou que “esse desabamento pode ocasionar a formação de grandes crateras.
O prefeito do município, João Henrique Caldas (PL), decretou estado de emergência por 180 dias desde a quarta-feira e instalou um gabinete de crise para lidar com a situação.
A Braskem afirma que “a área de serviço da empresa, onde são executados os trabalhos de preenchimento dos poços, está isolada desde a tarde da terça-feira, em cumprimento às ações definidas nos protocolos de segurança”.
“Todos os dados colhidos estão sendo compartilhados em tempo real com as autoridades.”
A empresa também diz que 99,3% dos imóveis da área de risco já foram realocados desde novembro de 2019.
Ainda segundo a Braskem, os dados monitoramento demonstram que a acomodação do solo segue concentrada na área desta mina e que há dois cenários possíveis.
“Um cenário é de acomodação gradual e estabilização; o segundo é uma possível acomodação abrupta.”
‘Chegaram de madrugada e me deram cinco minutos para sair’
A advogada Andréa Karla Cardoso Amaral, 54, foi despejada de sua casa na madrugada de quinta-feira.
Ela já sabia que havia essa possibilidade, mas imaginava que seria pela manhã, não naquele horário.
“Eram 2h da manhã e chegaram a polícia, Defesa Civil, mais de 60 pessoas. Me deram cinco minutos para aprontar as coisas, com meus dois filhos adolescentes”, conta.
“Tivemos só esse tempo, mas fiquei no bairro por outras duas horas, tentando dar suporte a clientes que passavam pelo mesmo problema.”
Andréa diz que pediu mais tempo aos oficiais, mas não permitiram. Conseguiu pegar os documentos e saiu por medo da ameaça de prisão.
Levou os filhos para a casa da sogra de um e não conseguiu dormir, voltando ao imóvel duas vezes na quinta-feira.
“Fui na Defesa Civil na quinta-feira, para tentar recuperar minhas coisas, além de eletrodomésticos, para levar a um novo lugar”, diz.
“À tarde, voltei para dar uma entrevista e rapidamente chegaram os carros. Me deram 10 minutos para tirar o que pudesse. Por que não me deram 24h, para fazer tudo com calma? Isso que não entendo.”
Andréa está na casa de uma irmã e ainda tenta ordem judicial para retirar mais pertences. O que mais dói, de acordo com ela, é que a filha mais nova, de 15 anos, perdeu o refúgio e está muito abalada.
“Ela gostava muito do próprio quarto. Chora bastante, o dia inteiro, porque é muito caseira. Cresceu ali. Me pede para voltar ao quarto”, diz.
“Quero dar a ela esse lugar seguro de novo, mas é muito difícil. Não saímos antes porque consideramos a indenização abaixo da avaliação.”
Fonte: BBC
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