- Author, Albert Flexas Oliver, Daniel Adrover Roig, Eva Aguilar Mediavilla e Raúl López-Penadés
- Role, The Conversation*
Você sacrificaria uma pessoa para salvar cinco? Esta é a pergunta do clássico dilema do bonde, no qual um trem desgovernado segue em direção a cinco pessoas que estão trabalhando nos trilhos.
Foi demonstrado que diferentes características dos dilemas morais levam a respostas diferentes.
Uma resposta que é aceitável para muita gente é puxar uma alavanca para desviar o trem para outro trilho, onde há apenas uma pessoa trabalhando.
Isso é o que se chama de resposta utilitarista, porque se baseia no menor mal. Aceitamos a morte de um trabalhador para evitar a morte de cinco.
O dilema do bonde tem outra versão, na qual as opções são deixar o trem seguir seu curso e atropelar as cinco pessoas que estão trabalhando nos trilhos, ou empurrar uma única pessoa nos trilhos para que o trem descarrile antes.
Esta segunda opção envolve uma atuação mais pessoal do que puxar uma alavanca, portanto, esta versão do dilema costuma levar a uma resposta deontológica: a maioria das pessoas decide não fazer nada e deixar o vagão seguir seu curso.
Como são duas abordagens éticas diferentes, não há de fato uma resposta certa.
A resposta depende da avaliação individual de custo-benefício.
Por exemplo, as pessoas religiosas tendem a dar uma resposta deontológica, talvez porque causar danos voluntariamente seja mais oneroso do que permitir que “seja o que Deus quiser”.
Em algumas variações do dilema, também pode ser que a pessoa sozinha no trilho seja um ente querido, e aí a avaliação de custo-benefício também muda.
As características de cada pessoa também influenciam nestas decisões.
Por exemplo, descobriu-se que as pessoas bilíngues respondem de maneira diferente, dependendo se usam sua primeira ou segunda língua quando confrontadas com um dilema moral.
Se o dilema for apresentado na sua língua materna, elas tendem a dar uma resposta deontológica.
Por outro lado, na sua segunda língua, tendem a responder de forma utilitarista.
Efeito da segunda língua
Este “efeito da língua estrangeira” acontece mesmo quando as pessoas aprenderam o segundo idioma quando eram muito jovens.
Também ocorre em línguas aparentadas, como italiano e veneziano.
Nosso grupo de pesquisa realizou um estudo para esclarecer se isso também acontecia com outro par de línguas românicas. Especificamente, em pessoas bilíngues de catalão-castelhano.
Todos os participantes do nosso estudo consideravam que a sua língua materna (L1) era o catalão — e que possuíam uma segunda língua que, embora aprendida desde cedo, não era nativa (L2, castelhano).
Assim, apresentamos aos participantes uma série de dilemas morais semelhantes ao famoso dilema do bonde.
Como vimos, com base em diferentes fatores (como o envolvimento pessoal), o mesmo dilema pode ter diferentes versões.
Então, diferentes versões de um dilema poderiam ser apresentadas em cada idioma.
Surpreendentemente, não encontramos uma diferença significativa nas decisões morais tomadas em catalão em comparação com as tomadas em castelhano.
Nossas descobertas sugerem que os bilíngues de catalão-castelhano não apresentam o efeito da segunda língua.
Traços de personalidade psicopática
Existe a hipótese de que nos distanciamos mais emocionalmente em uma segunda língua.
É possível que isso tenha a ver com a habilidade ou competência específica nesta segunda língua, mas no nosso estudo não fica claro.
Embora os participantes tenham aprendido cedo a segunda língua e fossem altamente proficientes em ambos os idiomas, havia diferenças significativas entre a proficiência linguística da segunda língua em comparação com a língua materna.
Então, que outras variáveis podem estar envolvidas em um maior distanciamento emocional?
Nosso estudo analisou a influência dos traços de personalidade psicopática nas decisões morais. Foram avaliadas a ousadia, a desinibição e a malevolência.
Estes traços de personalidade estão presentes em todas as pessoas, sem necessariamente serem consideradas psicopatas.
Por exemplo, quem nunca furou a fila do supermercado ou insultou alguém, não é mesmo? Esta falta de empatia, quando damos mais importância ao nosso tempo ou ferimos alguém, mesmo que seja verbalmente, tem a ver com a malevolência.
Neste sentido, nosso estudo mostra que a malevolência está significativamente associada a uma maior proporção de decisões utilitaristas, independentemente do idioma em que o dilema é apresentado.
Isso está alinhado com estudos anteriores que sugerem que pessoas com traços psicopáticos mais elevados são mais propensas a tomar decisões utilitaristas, priorizando o bem maior em detrimento do dano individual.
Variáveis dos dilemas
Além disso, nosso estudo analisou como as diferenças entre os dilemas poderiam determinar diferentes decisões morais.
Por exemplo, os dilemas podem ser percebidos como mais ou menos plausíveis, ou mais ou menos perturbadores para o leitor. Assim, dilemas mais inquietantes, percebidos como mais vívidos e realistas, tinham mais chance de levar a respostas utilitaristas.
Este foi particularmente o caso em pessoas com pontuações mais altas de malevolência.
Outros resultados do nosso estudo enfatizam a importância de considerar o envolvimento pessoal, que já discutimos, mas também outras características dos dilemas.
Por exemplo, dilemas formulados de maneira que o protagonista se salve com a ação (benefício próprio) obtêm uma porcentagem maior de respostas utilitaristas.
Também acontece quando a pessoa lesada iria morrer de qualquer maneira (morte inevitável).
Todos estes resultados estão em consonância com estudos anteriores realizados com este tipo de dilema validado em vários idiomas.
Importância do contexto
A ausência do efeito da segunda língua em pessoas bilíngues de catalão-castelhano desde cedo pode ser atribuída à forte relação linguística e cultural entre o catalão e o castelhano.
Ambas são línguas românicas utilizadas de forma intercambiável na maioria dos contextos sociais e educacionais da ilha de Maiorca.
Será que esta riqueza linguística “protege” a população de Maiorca do efeito da segunda língua? É uma hipótese a ser testada em pesquisas futuras.
Por enquanto, nosso estudo oferece novos dados sobre os fatores que influenciam a tomada de decisões morais.
Ele destaca o papel dos traços de personalidade, como a malevolência, na resposta aos dilemas morais. Também lembra o papel da linguagem e dos fatores inerentes ao dilema ou percebidos pelo leitor.
Embora talvez não tenhamos plena consciência disso, nossa resposta aos dilemas morais depende não apenas do nosso raciocínio, mas também das nossas emoções, da nossa linguagem e da nossa personalidade.
Saber disso pode não nos levar a tomar decisões melhores, porque não há uma decisão mais correta do que outras, mas pode nos ajudar a entender nossas respostas.
*Albert Flexas Oliver, Daniel Adrover Roig, Eva Aguilar Mediavilla e Raúl López-Penadés são professores de psicologia na Universidade das Ilhas Baleares, na Espanha.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em espanhol).
Fonte: BBC
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