Crédito, Divulgação

Legenda da foto,

O astrofísico Sean Carroll é professor na Universidade Johns Hopkins

  • Author, Carlos Serrano
  • Role, Da BBC News Mundo

Um gato que está vivo e morto ao mesmo tempo. Uma pessoa para quem o tempo passa mais rápido do que para outra. Um tipo de matéria invisível que preenche o espaço entre galáxias.

Se você gosta de Física e Astronomia, certamente já se deparou com algumas dessas fascinantes metáforas com as quais os especialistas tentam explicar vários dos enigmas da Ciência.

Para o astrofísico Sean Carroll, professor de Filosofia Natural da Universidade Johns Hopkins (EUA) e acadêmico do Santa Fe Institute, porém, muitas delas são “traduções aproximadas” do que realmente acontece no universo.

Carroll é autor do livro As Ideias Fundamentais do Universo, em que defende que, se alguém realmente quer entender a essência das melhores explicações que temos da natureza até agora, precisa entender as equações com as quais essas teorias são explicadas.

Em seu trabalho, ele explica a Matemática que sustenta ideias como tempo, espaço, gravidade ou buracos negros.

Sua aposta é que, se um amador passar algum tempo entendendo as equações formuladas por mentes brilhantes como Newton, Einstein ou Schrödinger, ele entrará em um nível de compreensão muito mais deslumbrante do que qualquer metáfora pode permitir.

A BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC, entrevistou Carroll, que é especialista em temas como Mecânica Quântica, Cosmologia, energia escura, matéria escura e origem do universo.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

A existência de buracos negros foi prevista muito antes de conseguirmos encontrá-los

BBC – Quando se tenta explicar Física para um público não especializado, é comum o uso de muitas metáforas e analogias para esclarecer fenômenos complexos. Você diz que muitos desses recursos são apenas “vagas traduções das equações”. Você acha que, ao invés de esclarecer, esse tipo de explicação está confundindo as pessoas?

Sean Carroll – Escrevi livros sem equações, nos quais uso metáforas o tempo todo, analogias e anedotas, e acho isso bom. O que acontece com as metáforas e analogias é que elas são uma forma de dizer: “tem essa coisa que talvez você não entenda, vou comparar com uma coisa que você entende”.

No entanto, nem sempre fica claro para a pessoa qual parte da metáfora é relevante.

É complexo. Na Física, existem muitas questões intrigantes, mas há outras que parecem intrigantes simplesmente porque não sabemos explicá-las bem.

BBC – Existe uma analogia que o incomoda particularmente, que acha que deveria ser descartada?

Carroll – Há uma que não é tanto uma analogia, mas uma afirmação que não é muito precisa, então tento refutá-la. Refiro-me à ideia de que seu relógio funcionaria mais devagar se você se aproximasse da velocidade da luz. Gosto de deixar claro que há duas coisas que são verdadeiras simultaneamente. Uma é que, se você disparar na velocidade da luz e voltar, terá experimentado menos tempo do que eu, mas ao longo do caminho seu relógio continuará a funcionar da mesma forma, um tique por segundo. Tudo será completamente normal.

Esses tipos de coisas complexas são o que você precisa processar em sua mente, e acho que as equações ajudam você a entendê-las melhor.

BBC – É por isso que você diz que alguém pode ler todas as palavras que quiser, mas enquanto não entender as equações, não entenderá as teorias de Einstein…?

Carroll – Desde Isaac Newton, temos teorias físicas muito rigorosas e exatas.

Antes só conhecíamos tendências, mas não era algo quantitativo, então não podíamos fazer previsões. Por isso não podíamos levar foguetes à Lua.

Com a Física moderna, podemos fazer previsões quantitativas, mas ao mesmo tempo a Física moderna nos confronta com situações que não são óbvias na vida cotidiana. A mecânica quântica, o Big Bang, mover-se quase à velocidade da luz: são fenômenos fora de nossa experiência diária.

É por isso que os cientistas aprenderam a falar sobre eles em termos matemáticos. Palavras e exemplos da vida cotidiana não são suficientes para explicar exatamente os fenômenos, são coisas fundamentalmente diferentes. Qualquer físico em qualquer lugar do mundo que tente explicar algo, em algum momento dirá “está muito claro, basta olhar para as equações!”.

Se você não olhar para as equações, não tem escolha a não ser confiar que os físicos estão dizendo a verdade, e a verdade é que nenhum cientista gosta de dizer “confie no que eu digo”. Algo está errado se você está explicando ciência e é forçado a usar essa frase.

Então, por exemplo, falar sobre a relatividade geral nos dá uma ideia, mas só a equação nos diz o que realmente é, com precisão.

BBC – Outra explicação famosa é o paradoxo do gato de Schrödinger, que está vivo e morto ao mesmo tempo, e que é usado para explicar a superposição de estados, um dos princípios da Mecânica Quântica. Como convencer alguém de que uma equação é mais fascinante do que aquela história de gato?

Carroll – Esta é uma ótima pergunta e tem uma boa resposta. Quando você conta a história do gato de Schrödinger, as pessoas ficam surpresas por ele estar vivo e morto ao mesmo tempo, mas realmente não entendem o que você está dizendo. Elas não conseguem entender como essa incrível conclusão contra-intuitiva foi alcançada, a menos que conheçam a equação.

A propósito, Schrödinger era cético em relação ao que se sabia então sobre a Mecânica Quântica. Na verdade, o ponto que ele queria enfatizar com o experimento mental do gato era que não era possível alguém acreditar em algo tão absurdo quanto um gato estar vivo e morto ao mesmo tempo. A equação de Schrödinger é a equação mais fundamental conhecida pela Física. Foi originalmente proposta no contexto de um modelo simples sem relatividade, mas existe uma versão para qualquer teoria quântica específica, incluindo o Modelo Padrão da física de partículas.

Atualmente, é nossa melhor aposta em como a natureza funciona em um nível profundo.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

A teoria da relatividade de Einstein previu muitos fenômenos que foram provados muito depois

BBC – Então, a Matemática é a melhor linguagem para descrever o universo?

Carroll – Parece que sim e acho que isso não deveria nos surpreender. O mundo tem padrões. Por exemplo, toda vez que você pegar uma xícara de café e deixá-la cair, ela cairá, não irá para cima. Se não tivéssemos esses padrões o mundo seria completamente imprevisível, acho que nem estaríamos aqui conversando. É por isso que a Matemática é tão útil, é a linguagem que usamos para falar sobre esses padrões.

BBC – Qual é a sua posição em relação ao dilema clássico: inventamos a Matemática ou ela é algo que já está na natureza e o que fazemos é simplesmente descobri-la e expressá-la em equações?

Carroll – Estou a meio caminho entre as duas posições. Não acho que ‘inventamos’, acho que existem padrões que descobrimos. O que criamos é a linguagem matemática para falar sobre esses padrões. O mundo simplesmente existe, não está interessado em Matemática, natureza, universo, como você queira chamar.

BBC – Em seu livro, você faz uma distinção entre “ideias que temos motivos reais para acreditar que são verdadeiras” e “especulações promissoras”. Pode citar alguns exemplos?

Carroll – Existem teorias científicas estabelecidas, que ainda serão úteis daqui a mil anos. São ideias que não vão embora. Refiro-me à relatividade geral, à teoria do espaço curvo de Einstein, à existência dos buracos negros.

Mas também existem ideias que são especulações feitas com base em pistas. Por exemplo, um físico moderno certamente especulará sobre o que acontece quando um buraco negro evapora (perde energia e some).

Stephen Hawking, para citar um, argumentou que os buracos negros emitem radiação e evaporam. Não sabemos exatamente como esse processo acontece, então tudo o que falamos é divertido e emocionante. Eu vivo disso, mas a verdade é que não sabemos com certeza o que realmente acontece. Mas é algo que ainda não foi comprovado. Não há nada de errado em especular, é assim que a pesquisa de ponta funciona. Mas existem coisas que sabemos com maior confiança, capazes de prever fenômenos futuros, por exemplo.

BBC – Quão verdadeiro é o mito de que Einstein não era um bom matemático?

Carroll – Acho que a maneira correta de dizer isso é que ele não era matemático. Não que ele não fosse bom, mas a sua forma de pensar, as coisas que o interessavam eram de Física, não de Matemática. São duas coisas diferentes. Em Matemática, o que você procura é provar teoremas que vêm de axiomas. Praticamente não importa qual axioma você escolha, você apenas tenta provar o que se segue deles.

Em Física, em vez disso, você se concentra na parte da Matemática que lhe diz algo sobre o mundo real. Einstein nunca se interessou por Matemática pela Matemática. Não consigo imaginá-lo sentado resolvendo quebra-cabeças de Matemática para se divertir. O que ele gostava era de fazer experimentos mentais sobre o universo. E quando Einstein precisou de Matemática para seu trabalho em Física, ele a aprendeu muito rapidamente.

BBC – Você diz que “as equações sabem mais do que nós”. O que significa isso?

Carroll – Esse é um fenômeno extraordinário e um exemplo do progresso que a Física fez.

Voltemos a Einstein. Digamos que você esteja tentando entender melhor a gravidade e, desde que inventou a relatividade, sabe que existe algo chamado espaço-tempo, que está de alguma forma relacionado.

Então você se esforça para desenvolver uma equação que relacione espaço, tempo e gravidade. Isso é o que chamamos de equação de Einstein. Hoje sabemos que, implicitamente, naquela equação existem conceitos como o Big Bang, ondas gravitacionais, buracos negros. Todas essas coisas surgem como consequência disso.

Mas Einstein não sabia de nada disso em 1915. Ele apenas inventou a equação, então teve que trabalhar muito para entender o que ela estava dizendo a ele.

Depois de formulá-lo, Einstein viveu por mais 40 anos e nunca ouviu falar de buracos negros.

Às vezes levamos tempo para entender a mensagem das equações, e isso porque, como eu disse antes, a natureza obedece a padrões e quando você decifra esses padrões nem sempre decifra todas as suas implicações.

BBC – Um dos grandes desafios dos físicos é chegar a uma Teoria de Tudo, uma equação que explique como todo o universo funciona de forma unificada. Você acha que é possível?

Carroll – Acho que deve haver uma teoria que explique tudo. O que não sabemos é quão simples essa teoria será. Pode ser um mosaico de diferentes regras que correspondem a diferentes situações. Ou pode ser apenas um princípio geral que explica absolutamente tudo ao mesmo tempo.

Por enquanto não podemos decidir como será essa teoria, que corresponde à natureza. Mas sim, acho que há uma descrição correta, ou talvez muitas descrições corretas de como a natureza funciona.

BBC – A inteligência artificial pode nos ajudar a alcançar essa grande teoria unificadora?

Carroll – Não sei, mas acho que a IA terá um grande impacto nessa área. Com os mecanismos que temos agora é difícil treinar uma IA para ser realmente criativa. As IAs hoje em dia são boas em pegar coisas que os humanos disseram ou fizeram e misturá-las.

Com o tempo elas podem melhorar. Tem gente que já começou a dar dados para a IA e pedir para ela encontrar os padrões escondidos no meio desses dados.

Mas estamos em um estágio inicial e, embora pareça que a IA pode fazer truques impressionantes, quando falamos de grandes questões como o Big Bang, são os conceitos que são realmente difíceis, não é apenas uma questão de ajustar um conjunto de dados.

Em questões como essas, você precisa pensar no que está pensando, e ainda não temos como transformar essas ideias em um algoritmo.

BBC – Para muitos, a aversão à matemática vem da escola. O que você acha que poderia ser feito para evitar que muitas crianças cresçam odiando matemática?

Carroll – De alguma forma, não sei bem como, temos que permitir que os alunos pensem na Matemática como algo divertido, como um jogo de quebra-cabeça a ser resolvido. Por exemplo, qual é uma atividade popular entre os jovens de hoje? Os video games. A Matemática é como um jogo, mas nós a tornamos muito séria, muito rígida, com muita memorização, fazendo procedimentos que não entendemos muito bem. Isso torna os cálculos muito intimidadores, então é normal que algumas pessoas queiram distância.

Acho que Matemática deveria ser ensinada de forma divertida, toda Ciência deveria ser.

A Matemática é sobre tentar e falhar, hipotetizar, errar e aprender, mas nós a ensinamos de uma forma repleta de verdades estabelecidas que você precisa memorizar. Uma maneira de pensar orientada para o processo seria muito valiosa para a educação.