- Julia Braun
- Da BBC News Brasil em São Paulo
O surgimento de surtos de varíola dos macacos tem despertado preocupação entre os brasileiros sobre a possibilidade de casos da doença serem identificados no país.
Na América do Sul, a primeira suspeita foi registrada no domingo (23/5) na Argentina. Segundo o Ministério da Saúde local, o paciente é um morador da província de Buenos Aires, que se encontra em um bom estado, está em isolamento e recebendo tratamento para os sintomas.
O Brasil não tem registro da doença ainda, mas o vírus foi identificado em um brasileiro de 26 anos na Alemanha, vindo de Portugal, após passar pela Espanha.
Para epidemiologistas ouvidos pela BBC News Brasil, casos podem ser identificados por aqui em breve.
“A varíola de macacos pode chegar ao Brasil em pouco tempo”, afirma a epidemiologista Ethel Maciel, professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). “É possível até mesmo que alguma pessoa infectada já tenha entrado no país, vinda dos locais onde há casos.”
“Costumamos dizer em epidemiologia de doenças infecciosas que uma doença transmitida por contato e gotículas respiratórias pode demorar o tempo de um voo para se espalhar”, diz.
“Ou seja, se alguém contaminado desembarca no Brasil, não é diagnosticado e não faz isolamento em tempo oportuno, a doença pode, sim, começar a ser transmitida.”
O epidemiologista Eliseu Waldman, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP), concorda com o diagnóstico.
“Mesmo que tenhamos um patamar inferior de intercâmbio de pessoas e viagens após a pandemia de covid-19, a possibilidade desse vírus chegar ao Brasil é grande”, diz.
Por esse motivo, o especialista alerta para a necessidade da identificação de casos suspeitos o mais rápido possível.
“A população e os profissionais de saúde precisam ser alertados para notificar casos suspeitos. O sintoma mais marcante são lesões vesiculares, do tipo que se verifica na catapora, mas muito mais intensas”, diz.
Além das lesões, os sintomas da varíola dos macacos incluem febre, dor de cabeça, dor nas costas ou musculares, inflamações nos nódulos linfáticos, calafrio e exaustão.
E, nesse processo, pode surgir a coceira, geralmente começando no rosto e depois se espalhando por outras partes do corpo, principalmente nas mãos e sola do pé.
No entanto, para o epidemiologista Antônio Augusto Moura Silva, professor do Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), ainda é cedo para fazer previsões sobre a extensão do surto.
“Pode ser que a Europa consiga bloquear a transmissão rapidamente, antes que ela chegue ao Brasil”, diz.
“Seria muito mais fácil fazer isso com essa doença do que no caso da covid-19, por exemplo, porque é preciso um contato muito mais íntimo para a transmissão no caso da varíola.”
De qualquer maneira, o especialista também alerta para a necessidade do país estar preparado.
“É altamente recomendável ficar em alerta máximo de vigilância para que, caso haja identificação de caso, o isolamento do paciente possa ser feito o mais rápido possível”, diz.
“Ou seja, fazer o que a saúde pública brasileira já sabe fazer.”
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) já estabeleceu uma comissão de caráter consultivo para acompanhar os casos de varíola de macacos.
Integram o grupo, até o momento, sete especialistas brasileiros da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade Feevale.
Os pesquisadores produziram dois informes técnicos sobre a doença, com as principais formas de contágio e as informações disponíveis sobre os casos registrados em outros países.
‘Estamos em estado de alerta’
Ao contrário do novo coronavírus ou até mesmo da varíola humana, em que o patógeno é altamente transmissível, a varíola dos macacos é menos contagiosa.
“Até onde sabemos, a varíola de macacos não é o tipo de doença que se pega de alguém contaminado no elevador, por exemplo. Diferentemente da covid-19, isso não acontece tão facilmente”, explica Silva.
Existem duas versões da varíola dos macacos: uma da África Ocidental e outra da África Central. Segundo especialistas, a primeira é mais branda e parece ser a que está causando o surto na Europa.
As autoridades médicas observam que ainda não há muita informação sobre as possíveis rotas de transmissão entre humanos nos surtos atuais.
Até onde se sabe, o vírus é transmitido principalmente por meio de contatos próximos e trocas de fluidos corporais. Muitos dos casos na Europa parecem estar ligados à transmissão sexual.
Mas todas as vias possíveis estão sendo estudadas, como a transmissão indireta por meio de objetos contaminados e até aerossóis.
“Mas a doença não é sexualmente transmissível. Na relação sexual, há um contato próximo, mas esse é o único fator de risco conhecido até o momento”, explica Eliseu Waldman.
O epidemiologista chama a atenção, porém, para o fato de que a origem dos casos identificados até o momento não foi esclarecida formalmente.
“A varíola do macaco é endêmica em vários países da África, já houve várias epidemias, principalmente no Congo, na Nigéria e em outros países da África Ocidental. Fora dali, houve alguns surtos nos Estados Unidos e na Europa, mas a introdução do vírus se deu por meios conhecidos, como viajantes ou animais de laboratório da África”, diz.
“Nesse caso, não sabemos ainda com certeza qual foi o introdutor e nem em qual país”, afirma. “Mas um novo surto era um evento esperado, porque esse vírus está causando epidemias em humanos com cada vez mais frequência.”
O vírus foi identificado inicialmente em um macaco em cativeiro nos anos 1970, e desde então houve surtos esporádicos em países centro e oeste-africanos.
Já houve um surto nos EUA em 2003 – a primeira vez que o vírus foi visto fora da África -, com 81 casos registrados, mas nenhuma morte.
O maior surto já registrado foi em 2017, na Nigéria: 172 casos suspeitos.
A epidemiologista Ethel Maciel afirma que ainda que o fato do vírus estar demonstrado transmissão rápida (embora menor que a de sua versão humana ou do coronavírus) pode indicar que ele esteja se adaptando melhor aos seres humanos.
“Em geral, a varíola do macaco é o que chamamos de zoonose, uma doença que passa de animais para humanos. Mas, com as taxas maiores de transmissão de humano para humano, especialmente entre pessoas que não estiveram em áreas onde a doença é mais comum, é possível que o vírus tenha se adaptado”, diz.
“Se há um risco de uma grande epidemia ou mesmo uma pandemia? Nós não sabemos, mas estamos em estado de alerta.”
A OMS realizou na sexta-feira (20/5) uma reunião de emergência para tratar do assunto. Em comunicado, a organização afirmou que o quadro atual é “atípico, porque (a doença) está ocorrendo em países onde ela não é endêmica”, e que vai ajudar os países afetados no monitoramento dos casos.
Maria van Kerkhove, líder técnica em doenças e zoonoses emergentes da OMS, afirmou que a propagação da varíola dos macacos é “uma situação que pode ser contida”, mas alertou que “não podemos tirar os olhos da bola”.
Vacinação
A varíola humana foi a primeira doença erradicada da história há mais de 40 anos, quando a OMS certificou seu fim em 1980, após uma bem-sucedida campanha de vacinação global.
Como o vírus da varíola do macaco tem relação com a varíola humana, o imunizante contra a varíola humana tem alta eficácia, de 85%, contra a segunda versão.
Nesse caso, as pessoas com mais de 55 anos que foram vacinadas contra a varíola humana antes de sua erradicação podem ter uma imunidade considerável contra a varíola dos macacos.
Alguns países ainda têm grandes estoques da vacina, incluindo os Estados Unidos.
No Reino Unido, o secretário de Saúde, Sajid Javid, disse que o país está estocando vacinas. “Posso confirmar que adquirimos mais doses”, disse ele.
Mas vale lembrar que, no Brasil, somente as pessoas nascidas antes de 1979 foram vacinadas.
“Apesar de ela já estar aprovada, a vacina não está disponível em larga escala no Brasil e não sabemos em quanto tempo isso pode acontecer. É uma dificuldade e uma preocupação”, diz Ethel Maciel.
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