- James Gallagher
- Da BBC News
Mal começamos a sentir os alívios na pandemia de covid e já há outro vírus para enfrentar. Desta vez é a varíola dos macacos, com cerca de 90 casos confirmados em 12 países – nove europeus, EUA, Canadá e Austrália – onde a doença não é endêmica, segundo boletim da Organização Mundial da Saúde no sábado (21/5). Não há casos notificados no Brasil, mas um brasileiro foi diagnosticado com a doença na Alemanha.
Então, o que está acontecendo? É hora de se preocupar ou estamos apavorados demais depois do trauma da covid? Para cientistas ouvidos pela BBC, não é preciso se alarmar por enquanto, mas é importante prestar atenção às medidas de proteção e ao avanço da doença.
Vamos deixar claro: não estamos diante de uma nova covid nem de novos lockdowns para conter a propagação da varíola dos macacos.
No entanto, este é um surto incomum e sem precedentes, que pegou de surpresa os especialistas na doença. E é sempre uma preocupação quando um vírus muda o seu comportamento.
Até há pouco, o avanço do vírus desse tipo de varíola era bastante previsível.
O lar natural do vírus são os animais selvagens – na verdade roedores, e não macacos. O nome foi dado porque a doença apareceu primeiro em macacos de laboratório.
Um humano nas florestas tropicais da África Ocidental e Central entrou em contato com uma criatura infectada e o vírus foi transmitido entre as espécies.
O vírus causa febre, dores no corpo e malestar. A pele infectada, então, irrompe em uma erupção cutânea, que forma bolhas e depois se transforma em crostas.
O vírus está agora fora de seu habitat natural e luta para se espalhar, por isso precisa de contato próximo prolongado para continuar. Portanto, os surtos tendem a ser pequenos e se esgotam por conta própria.
Já houve casos em outras partes do mundo antes, mas todos podiam ser logo vinculados a alguém que viajou a um país com contaminações e levou para casa.
Não é mais o caso:
– Pela primeira vez o vírus está sendo encontrado em pessoas sem histórico de viagem ou ligações com a África Ocidental e Central;
– Não está claro de quem as pessoas estão pegando;
– Embora não seja descrito como um vírus sexualmente transmissível, a varíola dos macacos se espalha durante atividades sexuais, por meio do contato próximo e lesões nas áreas genitais.
“Estamos em uma situação muito nova, isso surpreende e preocupa”, diz Peter Horby, diretor do Instituto de Ciências Pandêmicas da Universidade de Oxford.
Ao mesmo tempo em que diz “isso não é uma covid 2”, ele alerta que “precisamos agir” para evitar que o vírus se estabeleça, pois isso é “algo que realmente queremos evitar”.
O médico Hugh Adler, que tratou pacientes com varíola (antes de ela ser erradicada, ainda nos anos 1980), concorda: “Não é um padrão que vimos antes – isso é uma surpresa”.
Sabemos, então, que o surto atual é diferente, mas ainda não sabemos como.
Há algumas hipóteses: uma, de que o vírus mudou; duas, de que o vírus tenha encontrado uma oportunidade, ou seja, estava na hora e no lugar certos para se espalhar.
O vírus da varíola dos macacos não passa por mutações tão facilmente quanto o novo coronavírus ou a influenza, por exemplo. Análises genéticas ainda preliminares sugerem que os casos atuais continuam sendo bastante relacionados a formas do vírus observadas em 2018 e 2019. Ainda é cedo para ter certeza, mas até o momento não há evidências de que uma nova variante esteja circulando.
Mas um vírus não precisa mutar para tirar vantagem de uma oportunidade, como já vimos em surtos grandes e inesperados de ebola e zika na última década.
“Sempre achamos que o ebola era fácil de ser contido, até que isso deixou de ser o caso”, afirma Adam Kucharski, professor da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres.
Até o momento, muitos dos casos foram observados em homens gays e bissexuais. Até o momento não está claro por que uma parcela significativa de homossexuais e bissexuais estão entre os pacientes da varíola dos macacos – pode ser uma coincidência; pode ser que essa comunidade esteja mais consciente e por isso buscando atendimento médico.
De modo geral, a varíola dos macacos não se espalha facilmente, mas pode ser que esteja ganhando terreno em uma população mais vulnerável, que não teve a chance de se vacinar contra a varíola comum (erradicada décadas atrás) – e cuja vacina tem alta eficácia também contra a varíola dos macacos.
“(A doença) provavelmente está se transmitindo mais facilmente agora do que na era da varíola, mas não vemos nada que sugira que ela possa se tornar desenfreada”, agrega Adler, que até o momento acredita que o surto atual vai acabar por conta própria.
E o que pode acontecer?
Entender como o surto atual começou talvez ajude a prever seus desdobramentos.
Até o momento, isso é difícil: os casos sendo detectados não se encaixam em um padrão tradicional de “esta pessoa passou para esta, que passou para esta e etc”. Pelo contrário – muitos dos casos parecem não estar relacionados entre si, então faltam peças para entender o quebra-cabeça sobre o atual avanço da doença na Europa e outros países.
Um evento “superespalhador” – em que um grande número de pessoas se aglomerou e pegou a doença no mesmo lugar e depois a levou para outros países – é uma possível explicação.
Outra possibilidade para tantas pessoas desconectadas entre si estarem infectadas é a de que o vírus talvez já estivesse incubado, mas tenha passado despercebido em muita gente.
De qualquer modo, cientistas esperam que muitos mais casos sejam descobertos em breve.
“Não acho que o público em geral precise se preocupar neste momento, mas não acho que descobrimos tudo (sobre o surto) e não o temos sob controle”, afirma Jimmy Whitworth, da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres.
Dito isso, vale lembrar que não estamos na mesma situação que vivemos com a covid-19.
O vírus da varíola dos macacos é antigo, e não um vírus novo, e já existe conhecimento acumulado sobre vacinas e acompanhamento médico. A doença é geralmente leve, embora possa ser mais perigosa para crianças pequenas, mulheres grávidas e pessoas com sistema imunológico comprometido.
Só que se espalha mais lentamente do que a covid-19, e as coceiras bem particulares e doloridas são mais difíceis de passarem despercebidas do que muitos sintomas associados à covid. Isso facilita a identificação de pessoas infectadas, assim como a vacinação de comunidades em risco.
Porém, fica o alerta: o diretor regional de Europa da OMS, Hans Kluge, adverte que, à medida que se aproxima o verão europeu, “com aglomerações, festivais e festas, me preocupa que a transmissão possa acelerar”.
Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Você precisa fazer login para comentar.