- Mariana Schreiber – @marischreiber
- Da BBC News Brasil em Brasília
A três semanas da posse presidencial, a região central de Brasília foi palco de atos graves de vandalismo na noite de segunda-feira (12 /12), com ônibus e carros incendiados.
No dia seguinte, as redes sociais foram tomadas pelo questionamento: como ninguém foi preso pelas forças de segurança que atuaram na contenção dos atos?
Os distúrbios estão sendo atribuídos a apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) que não aceitam a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e estão há semanas acampados em Brasília pedindo que as Forças Armadas deem um golpe que impeça a posse do petista.
O estopim foi a prisão temporária do indígena José Acácio Serere Xavante, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), sob a justificativa de que ele teria convocado pessoas armadas a atuarem para impedir a diplomação de Lula e do vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, cerimônia que ocorreu na segunda-feira de tarde e habilita os dois a tomarem posse no dia 1º de janeiro.
A prisão gerou comoção e revolta entre os apoiadores de Bolsonaro, que acusam Moraes de autoritarismo. Após a prisão, parte deles tentou invadir a sede da Polícia Federal, para onde Serere foi levado.
A partir daí, os distúrbios escalaram para depredações no entorno do local, que fica a cerca de um quilômetro do hotel onde Lula está hospedado e a menos de quatro quilômetros da Praça dos Três Poderes, onde ficam o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o STF.
Nesta terça-feira (13/12), a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal reconheceu que nenhuma prisão foi efetuada na noite de segunda-feira.
O órgão justificou a falta de prisões afirmando que teria sido a melhor estratégia para conter os atos violentos.
“Para redução dos danos e para evitar uma escalada ainda maior dos ânimos, a ação da Polícia Militar se concentrou na dispersão dos manifestantes”, justificou a secretaria por meio de nota.
O órgão informou ainda que está investigando os criminosos envolvidos nos ataques para responsabilização.
“Esses atos, praticados por grupos isolados, estão sendo apurados pela Polícia Civil do Distrito Federal e os participantes, uma vez identificados, serão responsabilizados. A PF, por sua vez, deverá apurar os crimes relacionados aos atos que atentem contra a instituição e crimes de natureza federal”, diz o comunicado.
A secretaria destacou também que “as imediações do hotel em que o presidente da República eleito está hospedado têm policiamento reforçado”.
Nas redes sociais, usuários compararam essa atuação da PM com repressões violentas que são comuns no país contra outros perfis de manifestantes, como professores ou integrantes de movimentos sociais.
“Pq não prenderam ninguém ontem? A polícia do Rei gosta mesmo de bater em professores né?”, questionou, por exemplo, o cantor Marcelo D2, em sua conta no Twitter.
Isabel Figueiredo, que atuou como secretária adjunta da Secretaria de Segurança Pública do DF entre 2015 e 2016, disse à BBC News Brasil que a gravidade dos atos de vandalismo justificariam que a polícia tivesse realizado prisões em flagrante. Ela também avalia que a postura da Polícia Militar destoou da conduta comum na repressão a atos violentos.
“Se fosse qualquer outro tipo de manifestação, a gente teria a polícia sendo mais enérgica e certamente uma quantidade grande de prisões sendo feitas. A gente não está falando somente de uma manifestação, estamos falando de atos muito graves de vandalismo e, inclusive, há a possibilidade de que isso se enquadre até na legislação de terrorismo”, criticou.
Hoje consultora sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Figueiredo ressalta que uma parte relevante das policiais faz parte da base bolsonarista.
Antes de se tornar presidente, quando atuou por quase três décadas como deputado, Bolsonaro se projetou politicamente promovendo agendas de interesse das polícias e dos militares.
Nesse cenário, Figueiredo nota que a inércia da polícia na realização de prisões na noite de segunda-feira em Brasília se assemelha a outras situações em que forças de segurança têm sido “coniventes” com atos promovidos por grupos de extrema-direita.
Logo após a eleição de Lula, dezenas de bloqueios de estradas foram realizados no país por simpatizantes de Bolsonaro e alguns vídeos mostraram agentes da Polícia Rodoviária Federal demonstrando apoio àqueles manifestantes, ao invés de atuar na liberação das vias.
“Em geral, temos visto um comportamento das polícias com esses atos de extrema-direita que é um comportamento muito diferente que a gente verifica quando são outros movimentos sociais”, reforça.
Para Figueiredo, é importante que haja agora celeridade nas investigações e um aprimoramento nas condutas das forças de segurança para a posse presidencial.
“O mínimo que se espera do sistema de segurança do DF é que muito rapidamente prisões sejam realizadas agora. Que seja uma investigação célere. Há material farto de provas nos vídeos (que registraram os atos de vandalismo), não é difícil identificar essas pessoas, e essas pessoas têm que responder”, defendeu.
“Acho que está na hora de dar um basta nessa história e é, talvez, uma oportunidade de ouro para o sistema de segurança pública do DF mostrar que o compromisso dele segue sendo com a Constituição e com a lei e não com um governo”, acrescentou.
‘Série de erros’
Para Figueiredo, porém, a falta de prisões é apenas um dos erros das forças de segurança neste episódio. Ela ressalta que a área central de Brasília, justamente por abrigar as sedes dos três Poderes da República, tem monitoramento intenso e constante das forças de segurança do Distrito Federal.
Por isso, ela critica a falta de agilidade da polícia em ter interceptado os manifestantes que teriam se deslocado do Palácio do Alvorada – onde apoiadores de Bolsonaro se concentravam na segunda-feira – até a sede da PF.
Outro ponto destacado por Figueiredo foi a decisão da PF de levar o indígena preso para sua sede, na região central de Brasília, onde não há carceragem.
Segundo ela, o procedimento comum nesses casos é levar o preso para a Superintendência Regional da Polícia Federal, que fica numa região mais distante da área central de Brasília, a cerca de dez quilômetros da Praça dos Três Poderes.
A BBC News Brasil questionou a Polícia Federal sobre esse ponto, mas não obteve retorno até a publicação da reportagem. Também foi solicitada entrevista com o secretário de Segurança do DF, Júlio Danilo, mas o órgão disse que não havia agenda disponível.
Vídeos dos atos violentos mostram veículos em chamas nos arredores da sede da Polícia Federal e até mesmo pessoas tentando derrubar um ônibus de um viaduto próximo.
Segundo o Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF), ao todo sete veículos, entre ônibus e carros de passeio, foram totalmente consumidos pelas chamas e um outro parcialmente.
A corporação disse, ainda, que teve dificuldade em conter os danos porque também foi alvo dos vândalos. Foram mobilizadas 18 viaturas e 63 bombeiros.
“Uma viatura tipo AR (auto rápido), caminhonete, do Supervisor do CBMDF, foi apedrejada e outra viatura de água (ABT) também foi alvo de lançamento de objetos”, disse a corporação em nota.
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