- Author, Matilda Welin
- Role, Da BBC Culture
“Do Natal para cá, estive em quatro casamentos”, escreve uma usuária do fórum online Mumsnet.
“Vesti a mesma roupa em três deles… Minha prima disse que fui desrespeitosa, que foi grosseiro e que, se eu não quisesse ir, deveria ter recusado o convite, em vez de comparecer vestida de forma inadequada. Cometi uma grande gafe?”
“[Entrei em um] desafio em que as pessoas vestem o [mesmo] vestido 100 dias seguidos”, diz outra usuária, agora do site Ask a Manager, sobre aconselhamento profissional.
“Fui chamada à sala do meu chefe e ele disse que precisava falar comigo sobre minha apresentação no trabalho… Posso realmente ter problemas se continuar usando meu vestido todos os dias?”
No mundo ocidental, existe uma regra implícita, segundo a qual você não deve usar as mesmas roupas com muita frequência.
A convidada dos casamentos e a funcionária do escritório citadas acima foram tranquilizadas por outras pessoas, que disseram que elas não fizeram nada de errado. Mas o sentimento permanece.
As pessoas esperam que troquemos de roupa todos os dias – ou pelo menos em intervalos de poucos dias. Mesmo se trabalharmos em um escritório e não em uma fábrica quente ou no campo torrado pelo sol. Mesmo depois da invenção da máquina de lavar.
E precisamos sempre atualizar o nosso guarda-roupa. Até as iniciativas verdes que tentam nos ajudar a ser sustentáveis, como as feiras de troca de roupas e aluguel de vestuário, trazem sempre a mesma noção: aquilo que já temos não é suficiente.
A imensa oferta de roupas baratas fez com que muitos de nós passássemos a usar apenas 20% das roupas dos nossos armários. E, enquanto isso, a indústria de roupas prejudica o planeta e a nós, seres humanos.
Mas não costumava ser assim. A alta velocidade de compra e descarte de hoje em dia é um fenômeno relativamente novo. E, com o aumento dos problemas de sustentabilidade causados pela indústria da moda, podemos precisar retornar em breve aos nossos antigos padrões.
Uma forma de combater o excesso de consumo é reduzir o que você usa. Nos empregos que não exigem uniforme, a dispensa da necessidade de variar o visual é um luxo concedido principalmente aos homens. Eles são praticamente os únicos a adotar o hábito de usar roupas idênticas todos os dias – desde Mark Zuckerberg e Steve Jobs até quase todos os profissionais que usam terno no escritório em todo o mundo.
Jennifer Logan mora com o marido e dois filhos na Califórnia, nos Estados Unidos, onde trabalha como osteopata.
Cerca de 10 anos atrás, ela e uma amiga conversaram sobre como seria ótimo ter um uniforme para não precisar pensar no que vestir. Ela então fez um vestido de lã com blusas de segunda mão e o usou quase todos os dias, até que ele encolheu na lavagem.
Logan então voltou a escolher suas roupas da forma mais comum, até que se cansou de precisar sempre decidir o que vestir. Ela acabou comprando um vestido novo: preto, com comprimento na altura dos joelhos e sem mangas. E, três anos depois, ainda é praticamente a única roupa que ela usa.
“Uso para tudo”, conta Logan. “Encontros à noite… tudo o que eu faço. Estou usando o vestido para uma conferência no trabalho esta semana.””
Ela só veste roupas alternativas – como pijamas ou blusas e calças de moletom emprestadas da filha – para fazer faxina ou para sua aula de cerâmica.
Logan construiu seu guarda-roupa em torno do vestido. Às vezes, ela acrescenta calças de lã ou uma blusa com mangas, se estiver frio. Antes, ela passava a maior parte dos dias usando jeans e camiseta, mas agora ela conta que se sente sempre bem vestida. E ninguém parece notar que é o mesmo vestido.
Qualidade em vez de quantidade
Combater o consumo excessivo apenas reduzindo o que você veste traz algumas complicações.
A moda tem uma função. O que decidimos usar em um dado dia conta algo sobre o mundo em que vivemos.
Embora Logan acrescente acessórios à roupa para parecer mais ou menos bem vestida, ela também conta que, recentemente, começou a se sentir um pouco cansada de vestir preto todos os dias. Agora, ela está pensando em trocar seu vestido preto por um colorido.
Existe também a questão da qualidade. Logan explica que sua prática pode ser adotada com qualquer orçamento. As pessoas podem usar roupas de segunda mão ou ter um pequeno guarda-roupa com algumas roupas para não desgastar todas.
Mas permanece o fato de que muitas roupas modernas não são feitas para serem usadas todos os dias. Elas não são investimentos duráveis e, em muitos casos, precisamos comprar novas.
“Nos séculos 17 e 18, as roupas eram alguns dos objetos mais caros que as famílias podiam ter”, segundo a professora Beverly Lemire, da Universidade de Alberta, no Canadá.
O valor do tecido era tão alto que, na Londres do século 18, um quarto dos roubos levados a julgamento envolvia tecidos e roupas.
“[As roupas] poderiam durar décadas”, afirma Lemire. “Elas eram usadas até que virassem trapos.”
Mas isso não impedia as pessoas de mudar seu visual. A variação e a individualidade surgiam nos detalhes.
Para fazer ajustes personalizados, para adotar as lentas mudanças nas tendências da moda ou até dar alguns toques pessoais, as roupas eram alteradas. “As roupas eram feitas para serem desfeitas”, explica Lemire.
A expectativa era que as roupas fossem desmanchadas, montadas, desmontadas e alteradas. Todas as costuras eram feitas à mão e todas as roupas tinham reparos.
As pessoas usavam fitas e botões para dar vida nova a roupas antigas. E existem registros de homens jovens identificados com certos grupos, que usavam cabelos com longos cachos ou meias com um certo tipo de listras.
Mas o mundo já estava se acelerando. Nos séculos 17 e 18, as pessoas usavam muito tecido não tingido, como linho e lã, dentro de casa. Mas elas também desenvolveram o gosto por novos tecidos inspirados em originais da China e da Índia, segundo explica Marie Ulväng, professora de estudos da moda da Universidade de Estocolmo, na Suécia.
E, com a revolução industrial, nossas roupas passaram a ser cada vez mais produzidas em fábricas, em tamanhos padronizados. O algodão e, eventualmente, a mão de obra terceirizada barata da Ásia e das Américas permitiram que os países ocidentais aumentassem sua produção e reduzissem os preços.
Mas Ulväng afirma que a maior mudança da nossa visão de moda veio posteriormente, nos anos 1960. Foi quando surgiram as subculturas e a moda deixou de ser ditada de cima para baixo.
“Antes, a mulher podia vestir uma saia e uma blusa, um casaco, roupas sob medida… mas as jovens estavam mais interessadas em acompanhar as rápidas mudanças da moda”, explica Ulväng. “A moda mudava com rapidez… o importante eram os preços baixos, não a duração e a qualidade das roupas.”
Parece familiar?
Será que podemos voltar a olhar para as roupas como antigamente? Bem, talvez já tenhamos iniciado este processo.
Durante a pandemia, a escritora e estrategista de sustentabilidade Tiffanie Darke teve uma ideia inovadora.
Depois de trabalhar no mundo da moda de consumo, como editora em revistas de moda, ela decidiu fazer um curso no Instituto de Liderança para a Sustentabilidade em Cambridge, no Reino Unido.
Em seguida, ela leu um relatório do centro de pesquisa e debates The Hot & Cool Institute, indicando que, para manter a sustentabilidade, os britânicos deveriam comprar apenas cinco roupas novas por ano. Darke então iniciou a campanha Regra das Cinco – e outras pessoas do mundo da moda começaram a seguir seu exemplo.
“Existem diversas formas de entrar na moda: alugar, trocar, pegar emprestado dos amigos e – como as pessoas faziam quando éramos crianças – reformar”, ela conta. “Fico pensando todo o tempo em quais cinco peças de roupa devo comprar este ano. É divertido. Eu planejo tudo.”
No ano passado, ela pediu ajuda a um estilista para avaliar seu guarda-roupa e reformar roupas que ela não usava, como um vestido de tafetá Prada que foi transformado em uma blusa.
Este ano, uma das cinco compras de Darke será um casaco para usar em casa, produzido para ela pela designer Alice Temperley.
Recentemente, empresas de moda como a Net-a-Porter, Ralph Lauren e Mulberry firmaram parcerias com serviços de alteração de roupas, oferecendo créditos de reciclagem e garantias de durabilidade, segundo Darke. E não precisa ser algo caro – você pode ter a satisfação de ver uma roupa reformada por baixo custo.
“A empresa de alterações Sojo tem preços a partir de 10 libras (cerca de R$ 61) pela reforma mais barata”, segundo ela. “E você recebe uma roupa totalmente nova para o seu guarda-roupa.”
Darke destaca que, nos tempos vitorianos, a moda era comprar uma nova fita para o chapéu.
Existe também uma tendência de ciclos de moda mais lentos. Darke afirma que pessoas de marcas de alto luxo agora falam em “moda sem tendência” – peças de roupa atemporais e bem feitas, para durar.
Espera-se que o próximo passo seja a produção de roupas de boa qualidade, como as que tínhamos na época pré-industrial e que usuárias minimalistas, como Jennifer Logan, procuram hoje em dia.
A Lei da Moda (Fashion Act) proposta nos Estados Unidos, se for aprovada, irá tornar os varejistas responsáveis por todo o ciclo de vida dos seus produtos. E, embora a nova lei venha trazer aumento dos preços das marcas populares, Darke espera que os consumidores também mudem suas expectativas, buscando roupas de melhor qualidade, também entre essas marcas mais baratas.
“Talvez o fast fashion (moda rápida) seja um parêntese”, pondera Marie Ulväng. “Talvez nós voltemos depois para a visão mais inteligente que tínhamos antes.” E, talvez, nosso breve caso de amor com o fast fashion esteja no fim.
Isso também significaria armários com menos roupas, mas de melhor qualidade, e ciclos de moda mais lentos, menos voltados à venda de novos produtos.
Significaria um tipo diferente de marcas populares, com menos espaço nas lojas e menos compradores examinando pilhas de roupas baratas e idênticas nas prateleiras. Haveria mais conhecimento dos tecidos, mais costura, mais reformas de roupas e mais criatividade.
E as pessoas passariam a discutir nos fóruns online sobre a compra ou não de uma nova fita para o chapéu.
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