- Giulia Granchi – @GranchiGiulia
- Da BBC News Brasil em São Paulo
A tuberculose é uma doença que acompanha os brasileiros há décadas e persiste em acometer a população, sobretudo os socialmente vulneráveis, embora possa infectar qualquer pessoa que entre em contato com um doente.
Antes da covid-19, a tuberculose era a doença infecciosa mais mortal do mundo. No Brasil, a média de diagnósticos era de cerca de 70 mil por ano, e, em 2019, ano dos dados mais recentes registrados no Datasus [sistema de informações do Ministério da Saúde], foram 4,5 mil mortes pela doença, o que equivale a 12 a cada dia.
Mas, depois de o novo coronavírus se espalhar pelo país, os números caíram. “Em vez de um bom indicador, foi uma falsa sensação de queda”, diz Paulo Victor Viana, pesquisador em saúde pública da epidemiologia da tuberculose no Centro de Referência Professor Hélio Fraga, vinculado à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
“O que ocorreu nos anos de pandemia foi um subdiagnóstico causado pelo comportamento de grande parte da população de evitar se expor e buscar atendimento médico por medo de ser infectado pelo coronavírus”,
Muitos que tinham tuberculose e estavam sintomáticos com tosse por mais de três semanas supuseram que se tratava de covid-19 ou tiveram medo de procurar serviços de saúde com medo de pegar covid-19.
“Ou, quando procuraram ajuda, encontraram profissionais de saúde que estavam com o olhar bem voltado à covid. Houve um certo esquecimento da doença, o que refletiu uma queda no número de casos.”
No mundo, de acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), em 2020, mais pessoas morreram de tuberculose, com muito menos pessoas sendo diagnosticadas e tratadas ou recebendo tratamento preventivo em comparação com 2019, já que gastos gerais com serviços essenciais para a doença diminuíram.
A previsão da Organização Mundial da Saúde (OMS) é que, pelas consequências da pandemia de covid-19, até 1,5 milhão de pessoas a mais possam morrer de tuberculose no mundo até 2025.
Quem são os doentes por tuberculose?
Há um estigma de que a tuberculose é uma doença “de presídios” ou restrita às favelas. De fato, os bacilos podem se espalhar com mais facilidade em ambientes socialmente precários, onde as pessoas estão naturalmente mais expostas a infecções e comorbidades, que, por sua vez, podem prejudicar o sistema imunológico.
Além disso, entre as razões que contribuem para que os mais pobres sejam os mais afetados, estão a aglomeração de pessoas em um mesmo cômodo, falta de acesso rápido aos serviços de saúde (o que contribui para que uma pessoa que tenha a doença não seja diagnosticada e não se isole, contaminando outras) e até a dificuldade em manter o tratamento.
“Muitos postos de saúde requerem que o paciente faça o tratamento assistido, ou seja, vá até a unidade todos os dias para tomar o medicamento na frente do agente de saúde, mas nem todos podem ir diariamente”, explica Viana, descrevendo a realidade de milhares de brasileiros que atravessam suas cidades para trabalhar e, às vezes, mantêm mais de um emprego.
Mas qualquer pessoa pode ter o bacilo causador da doença, que é passado por transmissão aérea após o espirro ou tosse de um doente. “Basta ter contato com um portador de tuberculose no ônibus, metrô, em uma festa ou qualquer outro lugar para que ele se aloje no organismo”, diz Viana.
Mas, para a maioria das pessoas, as defesas naturais do sistema imunológico são suficientes para combater a infecção primária. “Mas, se há uma piora na imunidade por qualquer razão, a bactéria pode sair do estágio adormecido e começar a se proliferar”, aponta o pesquisador.
“Pessoas com maior poder aquisitivo, acesso à saúde e à boa alimentação passam anos ou a vida inteira sem manifestar a tuberculose. Mas isso não significa que não possam ter a doença.”
A pessoa sintomática, explica Viana, costuma ter perda de peso com possível quadro de desnutrição e uma aparência adoecida, o que contribui para o estigma negativo da tuberculose.
“O outro estigma, já histórico, é a tosse. Uma tosse crônica, por mais de três semanas, que faz às vezes o paciente expectorar sangue por comprometimento pulmonar. É a chamada de ‘tosse de tuberculoso’.”
Antes de existir o tratamento efetivo, que hoje é oferecido gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em todos os Estados e no Distrito Federal, algumas pessoas com a doença eram internadas em sanatórios de tuberculose.
“Ainda que hoje esse isolamento seja feito em casa e que o paciente não transmita mais o bacilo depois de 15 dias, o tratamento é longo. A duração normal é de seis meses, mas, para casos resistentes, pode durar até dois anos.”
A tuberculose em diferentes cenários
A advogada Thalita Giraldi, de 24 anos, moradora da Zona Leste de São Paulo, acredita que tenha entrado em contato com o bacilo causador da doença em 2017. “Foi quando comecei a ter sintomas de pneumonia que não cessaram com o tempo, o que levou a uma investigação mais minuciosa.”
Embora o exame PDD (prova tuberculínica) tivesse dado reagente para tuberculose, por conta de uma reação de pele paralela e a falta de produção de escarro, que geralmente é analisado em um segundo exame, de broncoscopia, para confirmar o diagnóstico, Thalita passou por diferentes especialistas sem um plano de tratamento adequado.
“Fui encaminhada para o Hospital das Clínicas, estudaram meu caso, mas não conseguiram ‘bater o martelo’ em um diagnóstico. Com a chegada da pandemia em 2020, parei de ir atrás”, conta a advogada, que ainda sofria de tosse constante.
Em janeiro de 2022, ela foi infectada pelo vírus da covid-19 e, mesmo vacinada, teve sintomas intensos, como dor no corpo, tosse e cansaço.
Passados quatro meses, ela ainda tinha sequelas, e, dado ao seu histórico clínico, o médico pediu um teste laboratorial chamado QuantiFERON, que analisa a resposta do sistema imune ao bacilo da tuberculose. O resultado, assim como o do exame PDD, foi positivo.
“Meu tratamento terminou recentemente, mas foi uma jornada difícil, que me fez abrir mão de algumas coisas durante os últimos seis meses”, diz Thalita.
“Achava que era uma doença muito antiga. No início da investigação, não dei tanta atenção por conta das outras várias possibilidades de diagnóstico, e também porque a tuberculose soava como algo muito sério, eu tinha medo de morrer se fosse tuberculose”, conta Thalita.
Já para Mariana Romano, os sintomas começaram em 2018, e o diagnóstico veio um pouco mais rápido, mas não antes de a doença fazê-la perder 10 kg.
“Eu trabalhava muito, estudava e era dona de casa. Fazia muita coisa ao mesmo tempo e não me alimentava direito. Um dia minha, imunidade caiu, e eu não parava de tossir e estava com febre alta. Fui na UPA [Unidade de Pronto Atendimento] e me passaram tratamento de pneumonia, só que eu não melhorava e perdia peso a cada dia”, diz ela, que tinha 17 anos na época e morava na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, um local conhecido por ter um alto índice da doença.
Já bastante debilitada, Mariana procurou ajuda no hospital municipal Miguel Couto e, com a broncoscopia, recebeu o diagnóstico de tuberculose.
Mariana, que hoje tem 21 anos e é promotora de eventos, cursava o ensino médio e estava de férias na época do diagnóstico, mas precisou se afastar do curso de assistente administrativa e do trabalho que tinha em uma drogaria.
“Precisava tomar quatro comprimidos enormes que me davam muito enjoo. Nada parava no estômago, e, para ser sincera, apesar de ter feito o tratamento pelo tempo certo, tinha dia em que eu passava tão mal que não conseguia tomar os remédios.”
Quando chegou a pandemia, a médica de Mariana recomendou que ela mudasse para a casa da mãe.
“Eu morava em um beco muito estreito, onde só passava uma pessoa por vez e não dava nem para ver o céu direito. Era úmido, e meu pulmão estava muito comprometido ainda, então, ela sugeriu que eu morasse com a minha mãe no bairro de Belford Roxo para evitar pegar covid-19.”
A vacina atual e os imunizantes em estudo
A vacina que existe contra tuberculose hoje não protege contra o tipo pulmonar, que é o mais comum em adultos.
A BCG, como é chamada, é administrada em crianças de até 4 anos de idade e funciona contra os tipos mais comuns que acometem essa faixa etária: a meningite tuberculosa e a tuberculose miliar (forma grave que ocorre quando as bactérias caem na corrente sanguínea e se disseminam).
“A proteção é muito boa até a adolescência, mas, depois, diminui. Aí, não sabemos se é a BCG que não oferece imunidade contra a tuberculose pulmonar ou se ela se torna o tipo mais comum em adultos porque a eficácia da vacina diminui com o tempo”, explica Luciana Cezar de Cerqueira Leite, pesquisadora do Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas do Instituto Butantan.
Apesar de ser obrigatória para recém-nascidos, a vacina BCG – que protege contra as formas graves da tuberculose – tem registrado baixos índices de cobertura.
Dados do Datasus mostram que a cobertura vacinal caiu de 105%, em 2015, para 68,6% em 2021. “Há vários fatores que contribuíram para essa queda, inclusive a falta periódica da BCG”, afirma Leite.
Desde 2016, a única fábrica nacional que produz a BCG e a Onco BCG, pertencente à Fundação Atalpho de Paiva (FAP), no Rio de Janeiro, passou por sucessivas interdições da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – e, a partir daí, o fornecimento da vacina no país passou a ficar intermitente.
Nos primeiros meses de 2022, o Ministério da Saúde pediu para que Estados fizessem o racionamento de doses, conforme mostrou a BBC News Brasil em reportagem publicada em maio.
“Há também questões do dia-a-dia. É mais fácil encontrar a vacina em uma capital, onde você atravessa a rua e tem um posto de saúde. Mas, se você está em região rural, precisa viajar para fazer a aplicação e, quando chega, não há doses, pode acabar desistindo de voltar outro dia”, diz a pesquisadora, reforçando a importância de ter os imunizantes amplamente disponíveis.
“Por fim, é uma luta constante da Ciência para mostrar que a vacinação é importante.”
Existem atualmente diversos estudos ao redor do mundo que estão buscando alternativas para proteger a população economicamente ativa, entre 20 a 49 anos, contra a tuberculose pulmonar. Leite faz parte de um dos estudos desses imunizantes, que está em desenvolvimento no Butantan.
Até o momento, os testes em animais mostraram que a vacina é capaz de proteger mais do que o imunizante tradicional. Mas ainda há um longo caminho de testes até que algum benefício para humanos seja comprovado.
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