- Author, Anthony Zurcher
- Role, Correspondente da BBC News para a América do Norte
A corrida das primárias republicanas não terminou oficialmente, mas sem um caminho claro para uma vitória de Nikki Haley, um confronto eleitoral entre dois adversários se aproxima.
Estamos a meses das convenções democratas e republicanas dos Estados Unidos, o momento em que cada partido revela oficialmente seu candidato presidencial.
A disputa entre Joe Biden e Donald Trump será única na história moderna no sentido de representar uma revanche entre o atual presidente e seu antecessor imediato.
“Ter dois presidentes concorrendo muda a natureza da corrida”, diz Todd Belt, professor de política da Universidade George Washington.
“Esta é uma comparação, não apenas um referendo sobre o titular. Não há novatos nesta eleição.”
O contraste será simples, de acordo com Sean Spicer, que atuou como secretário de imprensa de Trump e antes disso trabalhou para o Comitê Nacional Republicano.
A campanha de Trump tem toda a motivação para partir para o ataque contra Biden, em parte para distrair de suas próprias fraquezas – incluindo seus problemas jurídicos, sua retórica divisiva e suas tentativas de minar os resultados das eleições de 2020, que contribuíram para o ataque de janeiro de 2021 ao Capitólio dos EUA.
Mas Biden também tem vulnerabilidades importantes, travando uma luta para vender as conquistas no primeiro mandato e tentando convencer o público de que ele tem energia para a campanha e um segundo mandato.
E ele já pinta seu antecessor como descontrolado e uma ameaça aos Estados Unidos e à democracia.
“Geralmente, é isso que você faz quando está concorrendo com alguém que é desconhecido na política”, diz Susan Estrich, autora e comentarista democrata que gerenciou a campanha presidencial de Michael Dukakis em 1988.
“Mas, aqui, você tem alguém que é muito conhecido, e você está apenas tentando provar que ele é um grande risco.”
É uma revanche que poucos americanos dizem querer, mas é uma escolha que parecem que vão ter que fazer.
Corrida apertada
Os índices de aprovação de Biden continuam a enfraquecer em níveis preocupantes para um titular que entra em ano eleitoral. No entanto, a percepção pública de Trump também é negativa.
Tudo indica que as eleições gerais de novembro serão apertadas. Pesquisas nacionais de intenção de voto mostram os dois candidatos muito próximos ou Trump com uma pequena vantagem.
Mas tão cedo na corrida os números costumam ser de utilidade limitada, dada a natureza do mapa político dos EUA. E embora os americanos vão às urnas em todo o país, a corrida será mais uma vez decidida por apenas alguns Estados.
Isso porque o colégio eleitoral, o sistema de eleição para presidente dos EUA, depende de os candidatos conquistarem estados, e a maioria deles é solidamente democrata ou republicana.
Os estados cruciais este ano, que poderiam ir para um lado ou outro, são Wisconsin, Pensilvânia e Michigan no chamado Cinturão da Ferrugem, e Arizona e Geórgia, dois Estados que Biden virou para os Democratas em 2020.
Nevada também, mas a população pequena torna o Estado um prêmio menos valioso.
Alguns Estados que foram campos de batalha em ciclos eleitorais anteriores escaparam do mapa decisório deste ano: a Flórida e a Carolina do Norte têm tendência republicana ultimamente, enquanto a Virgínia e o Colorado parecem ser mais solidamente democratas.
Assim, embora as pesquisas nacionais forneçam um rico material para comentaristas políticos, um subconjunto muito menor de eleitores é que realmente importará.
As pesquisas de novembro que mostraram Trump avançando nesses Estados-chave causaram alarme entre alguns democratas, mas um ano antes das eleições as pesquisas não necessariamente são capazes de prever com precisão o resultado.
A economia (de novo)
Os americanos tendem a votar de acordo com seus bolsos nas eleições nacionais – para o partido do governo nos bons momentos e para a oposição nos maus.
“É a economia, estúpido” foi o mantra da bem-sucedida campanha presidencial de Bill Clinton em 1992, e o refrão se tornou o evangelho político nas décadas seguintes.
Um dos fatores que torna 2024 desafiador de prever é que, no geral, os indicadores econômicos são positivos.
A economia segue crescendo de forma constante. O desemprego está baixo, próximo de níveis recordes. O mercado de ações está atingindo recordes. E, no entanto, os eleitores americanos continuam a ter uma visão ruim da situação econômica do país.
Parte disso pode ser atribuída aos vários anos de alta inflação e ao alto custo da moradia em muitas partes dos EUA. As vendas de casas chegaram aos níveis mais baixos em quase 30 anos.
Na festa da vitória de Trump em Iowa, duas grandes telas de vídeo percorreram gráficos mostrando como o aumento das taxas de juros da hipoteca para compra de casa, durante o governo Biden, aumentaram as parcelas mensais.
Há alguns sinais recentes de esperança para Biden, no entanto.
A confiança do consumidor, medida por uma pesquisa da Universidade de Michigan, atingiu seu nível mais alto desde julho de 2021. A inflação e os preços da gasolina caíram. E há tempo de sobra para os eleitores mudarem de ideia sobre a situação econômica.
Trump argumentará que as coisas estavam melhores quando ele estava no cargo.
De acordo com Spicer, a economia – assim como o crime – é uma questão “instintiva” e muitos americanos ainda não acreditam que a situação cotidiana melhorou.
“Até que você sinta visceralmente”, diz ele, “não importa qual estatística seja mostrada para você”.
Biden rebaterá que os EUA resistiram à tempestade econômica pós-covid melhor do que quase qualquer outro país do mundo e que a “Bidenomics” – sua mistura de investimento em infraestrutura, cortes de impostos e gastos sociais – impactou positivamente a força de trabalho americana.
Aborto ou imigração?
A campanha de Biden tentará convencer os eleitores de que Trump é responsável por o aborto se tornar ilegal ou muito restrito em dezenas de estados, mesmo que o ex-presidente tenha tentado moderar sua posição sobre o tema.
Desde que a Suprema Corte dos EUA, com a ajuda de três juízes nomeados por Trump, descartou um precedente de 50 anos que garantia o direito ao aborto, os democratas têm buscado uma onda de apoio à questão para ter resultados melhores que o esperado nas urnas.
Biden e a vice-presidente Kamala Harris realizaram recentemente um evento de campanha focado no assunto no norte do Estado da Virgínia.
“O aborto acabou sendo uma questão muito mais poderosa do que muitas pessoas pensavam que seria”, diz Estrich. “Em todos os lugares que esteve na cédula de votação, a posição pró-escolha venceu.”
Se o aborto é a questão eleitoral para os democratas, para Trump e os conservadores é a imigração.
O número de pessoas cruzando a fronteira atingiu uma máxima histórica em dezembro, com 249.785 prisões na divisa com o México, um aumento de 31% em relação a novembro e de 13% em relação a dezembro de 2022, o recorde anterior.
Essa entrada massiva de migrantes sem documentação e requerentes de asilo por vezes sobrecarregou a infraestrutura de processamento do governo e os programas de serviços sociais nas principais cidades a milhares americanas.
As pesquisas mostram que a imigração é a principal questão para grande parte da base de Trump e um ponto de fraqueza para o presidente e de divisão entre os democratas.
Os esforços para resolver o problema no Congresso não tiveram sucesso, em grande parte porque Trump tem pressionado os republicanos a bloquear a legislação até depois da eleição.
“O governo Biden perdeu a discussão sobre segurança e proteção em nossa fronteira sul”, diz Spicer. “Acabou.”
Outras questões também podem desempenhar um papel relevante na próxima corrida presidencial, entre elas as taxas de criminalidade dos EUA, a política externa, o meio ambiente e as mudanças climáticas.
A guerra em Gaza, em particular, pode ser uma dor de cabeça contínua para Biden, já que o apoio a Israel irritou alguns democratas, incluindo uma porcentagem maior dos jovens eleitores cuja participação em novembro poderia decidir a eleição.
Ilustres desconhecidos
A mais longa campanha eleitoral da memória recente deixa muito tempo para que o imprevisível ocorra.
Dada a idade avançada de Biden (81) e de Trump (77), um incidente que leve a questionamentos sobre a saúde e o condicionamento físico deles pode acontecer a qualquer momento.
Nos debates presidenciais que antecedem a eleição, a energia e compostura sob pressão serão fatores especialmente analisados.
“A idade está prejudicando Biden agora. Todo mundo acha que Biden é velho”, diz a Estrich. “A questão é: será que Trump mostrará os sinais de sua idade?”
Dado que as pesquisas indicam que a maioria dos americanos está insatisfeita com as duas opções dos grandes partidos, o ambiente é perfeito para que um candidato de um terceiro partido ou independente surja.
Robert Kennedy Jr, o ativista anti-vacina, já está concorrendo, embora apareça na cédula de apenas um estado até agora. O grupo No Labels, que tem o apoio de alguns doadores milionários, pode ter um candidato próprio.
As dores de cabeça legais de Trump também podem pesar na corrida: ele enfrenta 91 acusações e quatro julgamentos criminais.
Embora as acusações pareçam ter elevado sua posição entre os republicanos, uma condenação criminal pode ser um assunto diferente.
De acordo com uma pesquisa boca-de-urna dos eleitores nas recém-concluídas primárias republicanas de New Hampshire, 42% disseram que Trump não estaria apto para o cargo se fosse considerado culpado.
O momento dos julgamentos do ex-presidente – alguns provisoriamente agendados para março e abril – ainda pode mudar. O espetáculo de Trump na cadeira do réu, e o detalhamento de seus supostos crimes, também poderia afetar a opinião pública de uma maneira que as acusações não afetaram.
O ataque de janeiro de 2021 ao Capitólio dos EUA por seus apoiadores, com Trump acusado de incitá-los, deixou cicatrizes.
Enquanto os eleitores republicanos parecem dispostos a superar isso, os democratas – e, talvez, o tipo de eleitores independentes que ajudarão a decidir essa eleição – ainda se lembram.
E quanto mais eles forem lembrados desse trauma, e da maneira como a primeira presidência de Trump terminou – seja por Biden e pelos democratas ou através do drama nos tribunais – mais as ações passadas do ex-presidente podem voltar a assombrá-lo.
Fonte: BBC
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