- Author, Marcos González Díaz
- Role, Enviado da BBC News Mundo a Playa del Carmen, México
“Vamos inaugurar esta grande obra de 1.554 km em dezembro, mesmo com chuva, trovões ou relâmpagos.”
Esta foi a promessa, sete meses atrás, do presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador. E, no dia 15 de dezembro, ele conseguiu finalmente inaugurar — ao menos, em parte — o projeto mais simbólico do seu governo.
Com o Trem Maia, o governo pretende impulsionar o desenvolvimento econômico do sudeste mexicano, onde estão algumas das regiões mais pobres do país.
No dia 15 de outubro, começou a funcionar menos da metade da ferrovia que atravessa a península de Yucatán — apenas cinco anos depois do início das obras e ainda a tempo para que López Obrador pudesse inaugurá-la antes do fim do seu mandato, em 2024.
O próprio presidente reconheceu que o trecho seria inaugurado com “algumas coisas faltando, ajustes”, mas “não em segurança, nem no fundamental”.
Muitas pessoas desejam voltar a ver trens de passageiros como os que deixaram de circular no México no final do século passado.
Mas a construção do Trem Maia também foi repleta de polêmicas e diversas alterações do plano inicial. As dificuldades triplicaram o custo do megaprojeto, que hoje supera US$ 28,5 bilhões (cerca de R$ 140,8 bilhões). O governo destaca que todo o projeto está sendo conduzido sem recursos privados, nem do exterior.
As maiores críticas se voltaram para o trecho mais próximo da conhecida região turística da Riviera Maia. O trem chegará ali através da floresta considerada o segundo pulmão da América Latina (somente atrás da floresta amazônica) e passando sobre um dos maiores sistemas de cavernas submersas do mundo.
Esta parte do trajeto levou os ambientalistas a qualificar o projeto de “ecocídio”.
O impacto sobre a natureza local fez com que dezenas de ações fossem apresentadas na justiça, paralisando temporariamente a obra por diversas vezes. Mas o governo considerou que o projeto é “de interesse público e segurança nacional” e os trabalhos prosseguiram.
“Não existe nenhum país do mundo com um projeto como o Trem Maia”, afirmou o presidente mexicano. “É um orgulho da nossa engenharia civil e militar.”
A BBC News Mundo (o serviço de notícias em espanhol da BBC) destaca cinco números que demonstram a magnitude da obra.
1) Orçamento de US$ 28,5 bilhões (cerca de R$ 140,8 bilhões)
O Trem Maia irá circular por pouco mais de 1,5 mil quilômetros de linha férrea, atravessando os Estados mexicanos de Tabasco, Chiapas, Campeche, Yucatán e Quintana Roo. Ele terá cerca de 20 estações e 14 paradas menores.
O trajeto é dividido em sete trechos. No dia 15 de dezembro, foi aberto o trajeto entre Campeche e Cancún, nos trechos 2, 3 e 4.
O trecho que ligará Campeche a Palenque, em Chiapas, será inaugurado em 31 de dezembro. E os três trechos restantes iniciarão suas operações em 29 de fevereiro de 2024.
Parte do traçado reutilizou trechos do sistema ferroviário mexicano que foi privatizado no final do século 20.
Os trens do novo serviço de passageiros atingirão velocidade máxima de 160 km/h, enquanto os de carga (que começarão a operar em uma segunda fase) irão atingir 120 km/h.
A inauguração está sendo feita com apenas seis do total de 42 trens contemplados no projeto.
O governo havia anunciado que o financiamento viria de uma parceria de investimentos mistos, do setor público e privado. Mas, no final, todo o custo foi coberto pelo governo mexicano.
“Não vamos deixar dívidas e também são obras públicas”, explicou López Obrador. “O trem não será de uma empresa estrangeira, é de uma empresa pública, do povo.”
O governo anunciou inicialmente que o custo seria de 120 a 150 bilhões de pesos mexicanos. Mas a Secretaria da Fazenda do México reconheceu recentemente que a despesa total disparou para 500 bilhões de pesos (pelo câmbio atual, mais de US$ 28,5 bilhões, ou R$ 140,8 bilhões), incluindo os gastos previstos para 2024.
A administração do trem está a cargo do exército mexicano, como ocorre na maioria das principais obras do governo López Obrador.
O preço exato da passagem em cada trecho ainda é desconhecido.
Foram inicialmente colocadas à venda as passagens do trajeto completo entre Campeche e Cancún, que foi inaugurado com a tarifa normal de 1.166 pesos (US$ 67, cerca de R$ 330). As passagens se esgotaram em questão de minutos.
Posteriormente, espera-se que sejam oferecidos preços reduzidos para passageiros locais, enquanto os turistas estrangeiros pagarão tarifas mais altas que os cidadãos mexicanos.
Quase a metade do traçado será percorrida por trens elétricos. No restante, serão utilizados veículos híbridos e o chamado “diesel ecológico”, com níveis mais baixos de enxofre.
Mas organizações ambientais alertam que isso não significa que o trem não polua, já que o combustível continuará gerando dióxido de carbono e óxido nitroso.
2) Quase 1 milhão de empregos previstos
O Trem Maia “vai incentivar muito o turismo e, por isso, irá criar empregos no sudeste, que é a região mais abandonada do país”, afirmou López Obrador, pouco depois de ganhar as eleições presidenciais em 2018.
Seu trajeto passa por alguns dos Estados mais pobres do México, como Chiapas. Ali, a ferrovia deve melhorar o transporte nas regiões com infraestrutura mais escassa.
Estas regiões serão unidas aos locais do México com maior potencial turístico reconhecido internacionalmente, como a Riviera Maia ou Cancún, que conta com o aeroporto com o maior número de passageiros internacionais da América Latina.
O projeto também inclui a abertura de duas novas zonas arqueológicas em Quintana Roo, bem como a construção de diversos museus, centros de atendimento a visitantes e seis hotéis na região, que também ficarão a cargo da Secretaria da Defesa. A Organização Mundial do Turismo (OMT) prevê que o Trem Maia irá triplicar o número de turistas no sudeste do país.
Um estudo publicado em 2020 pelo Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat) indicou que o projeto poderia criar quase um milhão de novos empregos e ajudar a retirar 1,1 milhão de pessoas da pobreza até o ano 2030.
O impacto econômico para os locais onde o trem irá passar seria o dobro do previsto antes do projeto, segundo as estimativas do programa das Nações Unidas.
No momento, o Indicador Trimestral da Atividade Econômica Regional indica que o sul/sudeste mexicano passou a ser a região de maior crescimento do país no segundo trimestre de 2023. O crescimento no período foi de 6%, o dobro da média das outras regiões do México. O governo credita este crescimento à execução de grandes obras, como a ferrovia.
“Com o grande investimento do Estado, estamos beneficiando milhares, milhões de pessoas”, explica à BBC News Mundo o diretor-geral do projeto do Trem Maia, Óscar David Lozano Águila.
“Por isso, acredito que este projeto, sim, irá mudar a face do sudeste do México e que está, de fato, oferecendo milhares de empregos. Some-se a isso todos os negócios que precisarão ser criados a partir do fluxo que será gerado pelo trem”, prevê Lozano Águila.
“Esta não é uma obra faraônica, nem um capricho. É uma necessidade que as comunidades realmente precisam e exigem. Posso garantir que será um sucesso.”
Villa El Triunfo, no Estado de Tabasco, é um desses lugares que têm grandes expectativas sobre a chegada do trem.
Esta pequena comunidade de menos de 6 mil habitantes terá sua própria estação. E seus moradores já sonham com a chegada dos turistas para visitar as ruínas maias de Moral-Reforma, próximas ao local.
Mas eles reconhecem que ainda não contam com os serviços necessários para receber e transportar seus visitantes, por falta de dinheiro.
Entretanto, mudanças já começam a ser observadas na pequena cidade. Quatro hotéis estão sendo construídos para concorrer com o único existente até então.
Mas, na zona norte do trajeto, onde ficam as regiões mais turísticas, não se prevê aumento do número de visitantes. Seu setor hoteleiro confia nas mudanças que serão trazidas pelo serviço de trens de carga, que deve agilizar e reduzir os custos do transporte dos produtos necessários para os estabelecimentos.
3) 7 km dentro da selva
O trajeto final do Trem Maia será diferente do planejado no início das obras, no final de 2018.
Ao longo do tempo, o traçado sofreu diversas modificações por razões econômicas, protestos dos moradores locais, dificuldades técnicas para construir sobre determinados tipos de terreno e cumprir com os prazos previstos.
As maiores alterações ocorreram no trecho 5, que circula ao lado da costa do mar do Caribe. Sem dúvida, aquele trecho se mostrou o maior quebra-cabeça do projeto para o governo mexicano.
O projeto inicial era que o trem passaria por um viaduto elevado sobre a rodovia federal 307 — a única via de acesso a 11 grandes destinos turísticos, que percorre a entrada dos hotéis próximos às praias de Cancún e da Riviera Maia. Mas a estrada já possui diversas vias elevadas, o que dificultava a construção.
Em 2022, ficou decidido que a ferrovia seria construída no solo, paralelamente à rodovia. Para isso, seria necessário ampliar sua superfície.
Mas os protestos dos hotéis foram decisivos para que o novo plano também fosse descartado, como reconhece o presidente do Conselho Hoteleiro de Quintana Roo e da Associação de Hotéis da Riviera Maia, Toni Chaves.
“Fazer uma obra desta magnitude na rodovia federal teria sido a morte do destino turístico e da mobilidade dos nossos trabalhadores”, explica ele. “Tornar a via mais larga significava o fechamento de hotéis enquanto saíamos da pandemia, com consequências significativas para os recursos econômicos e para a infinidade de impostos gerados por este Estado.”
Foi então que, apesar dos vários meses de trabalho já transcorridos na construção daquele trecho, o governo tomou a decisão mais polêmica e criticada: realizar o projeto a cerca de 7 km dentro da floresta, para não prejudicar a zona turística.
4) Colunas a 25 metros de profundidade
Organizações ambientais alertaram sobre o risco da construção do trem para os rios e as cavernas interconectadas embaixo da terra, conhecidas como cenotes. Elas fazem parte do grande Aquífero Maia, um dos maiores do mundo e a principal fonte de água potável da península de Yucatán.
Os ativistas destacaram o risco de desabamento das cavernas no labirinto subterrâneo, não só durante a construção da ferrovia, mas também quando os trens começarem a trafegar, por conta das vibrações que gerariam.
As cavernas, às vezes, já sofrem colapsos naturalmente.
Considerando a complexidade do terreno, os responsáveis pelo Trem Maia anunciaram mais uma alteração: um trecho elevado que irá repousar sobre milhares de enormes colunas.
Eles afirmaram que as colunas seriam enterradas a até 25 metros de profundidade, atravessando o delicado solo cárstico da floresta.
Perto de Playa del Carmen, a BBC News Mundo teve a oportunidade de visitar a caverna Oppenheimer, descoberta recentemente por ativistas que supervisionavam as obras do trem. O traçado foi alterado para não passar por cima da caverna próxima, chamada Las Manitas, mas acabou passando por cima de Oppenheimer — e as duas cavernas estão interligadas embaixo do solo.
A beleza do interior das cavernas, repletas de estalactites e impressionantes águas cristalinas, é quase tão impressionante quanto as enormes máquinas e gruas que trabalham perfurando o solo a poucos metros da sua entrada, para instalar os pilares que irão sustentar a linha férrea.
“Este solo cárstico é extremamente poroso e se dissolve constantemente pela ação da água da chuva, formando grandes cavernas”, explicou durante a visita o hidrólogo Guillermo D. Christy, membro da organização Sélvame del Tren.
“O solo é incrivelmente fino e delicado, como uma casca de ovo”, explica ele. “Perfurar esta região para inserir pilares causa impactos a um meio natural único, mas também afeta a segurança de uma obra ferroviária realizada sobre este terreno.”
Organizações ambientais como a Sélvame del Tren conseguiram paralisar temporariamente as obras com embargos judiciais.
As organizações argumentaram que os estudos de impacto ambiental aprovados não contemplavam os efeitos que poderiam ser causados pelas novas alterações e modificações do projeto, como os grandes pilares no terreno.
Mas o principal encarregado do Trem Maia nega taxativamente que sua localização possa causar riscos.
“Foram feitas análises para determinar que não havia prejuízo aos lençóis aquíferos e estudos de aplicação de força direta para garantir que cada componente da estrutura tivesse resistência suficiente para permitir a passagem do trem e suportar cargas de até 30 toneladas trafegando a 160 km/h”, afirma o general Lozano Águila.
5) Pelo menos 3,4 milhões de árvores cortadas
Pouco depois de ganhar as eleições de 2018, López Obrador também garantiu que a construção do Trem Maia não arrancaria “uma única árvore”. Mas a realidade acabou sendo muito diferente.
Lozano Águila defende que o impacto para a vegetação “é mínimo em comparação com qualquer outro tipo de construção relacionada a serviços turísticos ou imobiliários” na região.
Mas é impressionante observar o longo rasgo aberto em plena floresta pelas escavadoras durante a construção da ferrovia.
No final de fevereiro, após uma solicitação de informações apresentada pelo portal informativo Animal Político, o governo mexicano calculou que um total de 3,4 milhões de árvores foram cortadas ou removidas durante a construção da linha férrea.
Mas a organização Sélvame del Tren eleva este número para 8 a 10 milhões, ao contabilizar todas as espécies vegetais.
A associação civil Cartocrítica, que promove o acesso público a informações socioambientais, divulgou em agosto de 2023 que o projeto provocou o desmatamento de 6.659 hectares de floresta. O governo rapidamente informou que o total dos seus registros atingia 3.167 hectares.
Em relação à fauna afetada, o trajeto da ferrovia atravessa a valiosa reserva da biosfera de Calakmul.
A reserva faz parte daquela que é considerada a segunda maior extensão de floresta tropical do continente americano e serve de lar para centenas de animais vertebrados.
Ambientalistas criticam que a ferrovia forma uma barreira que interrompe os corredores biológicos tradicionais de animais como a onça-pintada (que se encontra em risco de extinção no México), pumas, macacos-aranha e jaguatiricas, entre outros, aumentando a vulnerabilidade desses animais.
“Isso fragmenta sua rota de deslocamento e, no caso da onça-pintada, por exemplo, fica evidente que elas não têm mais para onde ir e procuram outros lugares para encontrar presas”, explica Raúl Padilla, fundador da organização Jaguar Wildlife Center.
“São movimentos atípicos dessas espécies e, também por isso, os atropelamentos nas rodovias começaram a aumentar devido às obras do trem”, afirma Padilla.
Os responsáveis pelo Trem Maia afirmam que o projeto inclui a construção de centenas de passagens de fauna, como pontes e caminhos subterrâneos, por onde os animais poderão circular entre os dois lados da ferrovia.
Mas Padilla destaca que os animais geralmente precisam de um a dois anos para se acostumarem a utilizar essas passagens.
A maior parte dos ambientalistas que se opõem ao trajeto atual da ferrovia afirma que não são contra o desenvolvimento econômico da região. Mas eles acreditam que faltaram estudos e planejamento antes do início das obras para identificar seus riscos e contemplar alternativas que respeitassem plenamente o meio ambiente.
Com a inauguração, eles estão conscientes de que sua batalha está praticamente perdida. A contagem regressiva para a circulação dos trens de passageiros no sudeste mexicano já passou e, agora, surge grande expectativa para se observar quais serão os benefícios e malefícios da obra.
Fonte: BBC
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