- Simone Machado
- De São José do Rio Preto (SP) para BBC News Brasil
Em 2019, a escritora Duda Riedel, de 27 anos, trabalhava como vendedora em uma loja de roupas em São Paulo. O cansaço constante e as dores nas pernas que sentia, ela atribuía às horas que passava em pé no trabalho.
Dias após sentir o cansaço excessivo, a escritora se assustou ao acordar e ver marcas de sangue em seu travesseiro. Ao identificar que tinham saído de sua gengiva, ela procurou um dentista.
“O profissional falou que eu precisava fazer uma limpeza nos dentes. Fiz, ele disse que estava tudo bem e eu voltei para casa”, recorda.
No entanto, os sintomas não pararam por aí. Em seguida, a escritora passou a sentir dores de cabeça e ter congestão e secreção nasal – o que, segundo os médicos disseram a ela, indicavam que estava com sinusite. Com dores cada vez mais intensa, ela procurou duas vezes a emergência do hospital que atendia seu convênio médico.
“No hospital, a médica falou que eu estava com sinusite, receitou um xarope e eu retornei para casa. Assim foram as duas vezes: indicavam um medicamento e me davam alta. Nunca me pediram um exame de sangue sequer.”
De sinusite a leucemia
Diagnosticada com sinusite, Duda seguia o tratamento indicado pelo médico com xaropes e voltou à sua rotina, incluindo sair com os amigos. Algumas semanas depois, uma mancha roxa na perna chamou a atenção da escritora, já que ela não se lembrava de ter esbarrado em lugar algum.
Dois dias depois, sozinha em seu apartamento, a escritora começou a passar mal e precisou ir às pressas para o hospital.
“Aí começou o terror, porque eu vomitei sangue e aquilo me assustou muito. Tanto que corri para o hospital, onde me colocaram no soro e pediram exame de sangue. Quando a médica viu que eu estava sozinha, ela se assustou, disse que eu estava doente, mas ainda não sabiam o que era e pediu para eu chamar alguém para me acompanhar”, relata Duda.
Com a família morando em Fortaleza, a escritora pediu para uma amiga ir até o hospital na capital paulista e permanecer como acompanhante. A primeira suspeita dos médicos era de que Duda pudesse estar com hemorragia interna, já que seu exame havia indicado que ela estava com apenas 45 mil plaquetas, número bem abaixo do considerado normal (150 a 400 mil por microlitro de sangue).
Os médicos, então, solicitaram que fosse feita uma endoscopia, mas o resultado deu negativo para a suspeita de hemorragia.
“Eles me colocaram em um quarto e me deixaram lá. Mas como eu já me sentia bem, quis ir embora, eu estava cansada de ficar no hospital, e comecei a tirar os acessos de soro que estavam na minha mão. Foi quando uma enfermeira viu e disse: ‘cuidado, menina, leucemia mata’. Entrei em pânico, porque até então nenhum médico havia falado sobre leucemia comigo”, recorda Duda.
Confusa com o suposto diagnóstico de leucemia e a falta de informação dos médicos, Duda deixou o hospital e foi para casa. Horas mais tarde, buscou atendimento em outro hospital da cidade, onde foi internada imediatamente. Na manhã seguinte, sua família já estava na capital paulista para acompanhá-la na internação para tratar o que foi diagnosticado como câncer no sangue.
Transplante de medula óssea
Inicialmente, Duda foi submetida a três ciclos de quimioterapia, mas devido à gravidade da doença, leucemia mieloide aguda, os médicos disseram que era necessário um transplante de medula óssea.
Nenhum familiar da escritora foi 100% compatível com ela – os irmãos foram apenas 50%. Por isso, foi preciso buscar um doador no Redome – Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea.
“Foram seis meses de buscas, espera e muita ansiedade, até que encontramos um doador compatível. Em novembro de 2019, fiz meu tão aguardado transplante e renasci. Hoje comemoro duas datas de aniversário, a do meu nascimento e a do meu transplante.”
Curada da doença, Duda faz acompanhamento médico anual com uma equipe multidisciplinar para ter a certeza de que está tudo bem com sua saúde.
O que é leucemia e quais os sintomas?
Leucemia é o nome dado à doença maligna que afeta os leucócitos – células do sangue e da medula óssea responsáveis pela defesa do nosso organismo. Estas células doentes se acumulam na medula óssea, substituindo as células saudáveis.
São vários os tipos de leucemia: linfóide ou mielóide, aguda ou crônica. E há quatro tipos principais: leucemias mieloides agudas (LMA), leucemias linfoides agudas (LLA), leucemia mieloide crônica (LMC) e leucemia linfoide crônica (LLC).
“As células leucêmicas podem ser muito imaturas, fruto do bloqueio da diferenciação celular (processo que transforma e especializa a célula numa função), e neste caso as células não conseguem exercer nenhuma das funções das células normais do sangue. Neste caso, chamamos as leucemias de agudas”, explica Eduardo Rego, médico coordenador do Serviço de Leucemias Agudas do Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo).
“Já quando algumas alterações genéticas bloqueiam apenas parcialmente a diferenciação e as células leucêmicas mantêm aspecto e algumas funções das células normais do sangue, chamamos de leucemias crônicas.”
Com o funcionamento “errado” das células, alguns sintomas começam a aparecer. Eles são decorrentes principalmente da substituição da medula óssea normal pelas células leucêmicas, levando à diminuição de glóbulos vermelhos.
“Os principais sintomas da leucemia são anemia, palidez, cansaço, palpitações, queda da imunidade e maior predisposição a infecções, com febre, mal-estar, diminuição de plaquetas, aumentando a chance de sangramentos e surgimento de manchas roxas pelo corpo. O acúmulo das células doentes pode levar também a aumento de baço”, explica Iara Zapparoli Gonçalves, médica vice-coordenadora do departamento de hematologia do Hospital de Amor de Barretos.
O tratamento para leucemia depende do tipo e em que fase a doença é descoberta. Pode envolver quimioterapia, imunoterapia, radioterapia, transplante de medula óssea ou a associação de diferentes tratamentos.
Segundo o Atlas da Mortalidade por Câncer, 6.738 pessoas morreram devido à leucemia no Brasil em 2020 (data do último levantamento divulgado), sendo 3.703 homens e 3.035 mulheres.
Estimativa do Instituto Nacional de Câncer (INCA) apontam que, para 2022, eram esperados 11.540 novos registros da doença, sendo a maioria, cerca de 6 mil, em homens.
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