- João Fellet
- Enviado da BBC News Brasil a Santos (SP)
O funeral de Pelé criou uma cena impensável para o futebol brasileiro atual.
Entre os presentes nesta segunda-feira (2/1) no velório do ex-jogador, no estádio da Vila Belmiro, havia muitas pessoas com camisas de clubes que são os maiores rivais do time anfitrião, o Santos.
Torcedores com os uniformes do Corinthians, do Palmeiras e do São Paulo circulavam livremente pelas dependências do estádio no litoral paulista sem que qualquer incidente ocorresse.
Pelo contrário, eles estavam ali justamente para exaltar o maior ídolo santista, a quem agradeceram até mesmo por derrotas impostas a seus clubes do coração.
E foram bem recebidos pela torcida local.
“Pelé transcende o futebol e transcende as rivalidades”, diz à BBC Flávio Pinheiro, um professor de São Paulo que foi ao velório de Pelé com uma camisa do Corinthians.
“Criamos um ambiente de inimigos que têm de eliminar uns aos outros, mas acho que, num mundo plural e democrático, o grande adversário é reconhecido e honrado”, afirma o professor, que visitava a Vila Belmiro pela primeira vez.
“Honrar Pelé é um dever de todo mundo que gosta de futebol”, completa.
Pinheiro diz que cresceu ouvindo histórias de seu pai — também corintiano — sobre jogos entre o Corinthians e o Santos de Pelé, a maioria com vitórias santistas. Ele lembra que o time que mais sofreu gols de Pelé na história foi o Corinthians.
“Meu pai sempre sofreu muito com o Pelé. Ele também contava do dia em que o Corinthians ganhou do Santos do Pelé e ficava emocionado. Um dia vou contar para meus filhos essas histórias também”, afirma.
Regra da torcida única
Desde 2016, uma decisão da Federação Paulista de Futebol estabelece que torcedores com uniformes do Corinthians, São Paulo, Santos e Palmeiras não podem comparecer a estádios onde também haja torcedores dos outros três grandes rivais.
É a chamada regra da torcida única. Ela determina que, quando dois desses quatro times se enfrentam, somente o time mandante pode levar seus torcedores ao campo.
A iniciativa foi tomada após décadas de conflitos sangrentos entre as grandes torcidas paulistas.
Ídolo brasileiro
“O Pelé é muito maior que um clube, ele é um ídolo do Brasil inteiro”, diz à BBC o palmeirense Pietro, de 17 anos, que também visitava a Vila Belmiro pela primeira vez e vestia a camisa do clube alviverde.
“Ele foi um cara revolucionário, coisas que ele fazia no passado hoje são recriadas por jogadores como Cristiano Ronaldo e Messi”, afirma o palmeirense.
A poucos metros dele, o são-paulino Renato Santos também era só elogios ao ídolo santista.
“Independente se sou santista, corintiano, são paulino, o rei é maior”, ele diz.
“A gente tem que vir aqui reverenciar nosso Brasil e o maior expoente do futebol brasileiro”, afirma.
E como a torcida santista reagiu à presença de tantos torcedores de times rivais em seu estádio?
“Acho muito incrível o fato de eles estarem vindo aqui”, diz Maria Eduarda, uma santista de 12 anos. Ela se referia não só aos torcedores dos clubes paulistas rivais, mas a todos que vestiam camisas de outros times, como Flamengo, Fluminense e Atlético-MG.
Maria Eduarda diz que, mesmo sem jamais visto Pelé jogar ao vivo, diz se sentir representada pelo ex-jogador. E, para ela, essa identificação ultrapassa as barreiras entre clubes.
“Não estamos vindo aqui pelo Santos, estamos vindo aqui pelo Pelé”, diz.
“Pelé é um time que, por onde passa, vai juntando seus torcedores e criando seu próprio time, seu próprio estádio”, completa.
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