“Se um tigre entrasse no seu quarto agora, você reagiria, certo?” pergunta a neurocientista Emily Holmes.
“Mesmo que você se deparasse com ele por apenas 200 milissegundos, você provavelmente pularia.”
Agora imagine que em algum momento de sua vida um tigre realmente entrou no seu quarto e atacou você.
E essa imagem do tigre retorna como uma memória intrusiva.
Substitua o tigre por um acidente, um encontro violento, um parto difícil… qualquer situação em que você ou seu mundo possa estar em perigo, afetando você profundamente.
Esses tipos de experiências podem fazer você sofrer com flashbacks ou reviver um evento traumático, “momentos breves que voltam à mente repetidamente, como se você estivesse vendo tudo de novo”.
“Eles levam você de volta ao tempo e ao lugar em uma fração de segundo.”
Imagens como essas foram o foco da investigação de Holmes durante grande parte de sua carreira.
“Elas são fascinantes porque são tão fugazes, mas tão emocionalmente poderosas. Por causa das associações que evocam.”
É que, explica ela, embora as imagens mentais não sejam reais, reagimos da mesma forma como se fossem.
“Essa é uma das brilhantes revelações da neurociência.”
“As imagens mentais são debatidas há décadas e, quando pudemos examinar o cérebro, percebemos que a imagem do tigre na sua mente, mesmo que o tigre não esteja lá, é como ter uma experiência real de percepção visual: as mesmas áreas [do cérebro] se acendem.”
“No que diz respeito ao cérebro, uma imagem mental é tão real quanto uma de verdade. E se vemos algo, mesmo que brevemente, é claro que temos que reagir”, disse ela ao programa “Life Scientific” da BBC.
Uma imagem vale mais…
Em um experimento marcante de 2005, Holmes, professora de psicologia da Universidade de Uppsala, na Suécia, mostrou que as imagens são mais poderosas do que as palavras para moldar como pensamos e sentimos.
Esse insight ajudou a desenvolver uma inovadora terapia cognitiva baseada em imagens e um tratamento digital para transtorno de estresse pós-traumático com o videogame Tetris.
“Parece estranho, não é?”, observa Holmes.
“Mas devo dizer que houve um número muito, muito grande de experimentos de laboratório antes de chegarmos ao que estamos fazendo hoje.”
O modelo “provinha de um profundo interesse em um dia encontrar tratamentos que fossem simples”.
E também do profundo amor de Holmes pela psicologia cognitiva e por experimentos psicológicos.
“Alguns dos belos e deliciosos trabalhos das últimas décadas, particularmente dos anos 1970, giram em torno da ideia de que nossas mentes são limitadas em capacidade: não podemos fazer duas coisas do mesmo tipo ao mesmo tempo .”
Ele percebeu que isso, que parece uma desvantagem, em certos casos poderia funcionar a nosso favor.
“Isso significa que você não pode manter uma imagem em sua mente, como a imagem do trauma, e fazer outra coisa que também exija que você tenha uma imagem em sua mente.”
Holmes e sua equipe começaram a explorar essa ideia e perceberam que, ao realizar duas tarefas visuais ao mesmo tempo, a segunda fazia com que as imagens da primeira ficassem embaçadas.
“Se o que queríamos era amortecer a força, por assim dizer, da imagem do trauma, poderíamos usar a tarefa espacial visual simultânea para fazer isso.”
Mas por que exatamente com Tetris, um videogame antigo em que blocos de diferentes formas e cores flutuam pela tela e você tem que encaixá-los?
“Isso foi no final dos anos 2000 e em uma das reuniões semanais, que nossos alunos frequentam, um estudante disse: ‘há todos esses jogos grátis de celular hoje em dia, que são parecidos como os nossos do laboratório, mas muito mais divertidos’.”
“Um deles era Tetris. Então nós tentamos e funcionou maravilhosamente.”
O teste
Um dispositivo portátil significava que o tratamento poderia ser testado na vida real muito mais cedo do que o normal.
“É uma pena ver alguém convivendo há décadas com um trauma que não foi tratado. Minha ideia sempre foi que poderíamos fazer algo em um prazo menor que não causasse prejuízo.”
Apesar de tudo, a primeira cética foi ela mesma. Não acreditou que funcionaria. O ideal era testar a hipótese no mundo real.
Eles sabiam que a maioria das pessoas que sofreram um acidente traumático chegava ao hospital de ambulância meia hora depois.
“Nós nunca tínhamos feito um estudo com esse intervalo de tempo, mas quando fizemos a intervenção que projetamos, as pessoas que jogaram Tetris tinham memórias significativamente menos intrusivas do trauma uma semana depois do que aquelas que não jogaram”, afirmou Holmes.
“No entanto, mesmo quando obtive esses primeiros dados, duvidei. Então a primeira coisa que fizemos foi criar um novo experimento com condições de controle ainda mais rígidas.”
Desta vez, foi feito em laboratório e com voluntários, que foram submetidos a um procedimento que incluía assistir a filmes traumáticos. Era solicitado que recordassem brevemente as imagens perturbadoras, depois jogassem Tetris e posteriormente fizessem anotações em um diário sobre sua vida cotidiana.
“O que descobrimos foi que, comparado a não fazer nada, nossa intervenção reduziu significativamente o número de flashbacks.”
Mas foi também constatado que simplesmente pedir aos participantes que se lembrassem de momentos difíceis ou apenas jogassem Tetris não tinha o mesmo efeito: o videogame era parte do tratamento, não o tratamento em si.
Degradação de memórias
O que aconteceu foi que as memórias visuais deixavam de ser tão vívidas e se degradavam, de forma que se misturavam com outras memórias e paravam de aparecer o tempo todo.
“Essa intrusão é problemática porque o que é horrível sobre os flashbacks não é apenas que eles são traumáticos, mas aparecem quando menos esperamos, atrapalhando nossas vidas. Então, o que estamos tentando fazer é transformar os flashbacks em memórias normais.”
Mais experimentos de laboratório foram realizados. O tratamento aperfeiçoado foi posto em prática em um hospital de Oxford, onde a espera por pacientes acidentados tendia a ser em torno de quatro horas e a incidência de estresse pós-traumático era de 23%.
“Nesse período de espera, os pacientes tinham a opção de participar do estudo e, se quisessem, usávamos um protocolo idêntico ao do laboratório, o que é algo de que tenho muito orgulho porque queria ver se poderíamos adaptar as descobertas do estudo, o pensamento neurocientífico básico, para a clínica.”
“O paciente não precisava falar sobre o que aconteceu em detalhes, apenas relembrar brevemente dois ou três momentos críticos e depois jogar Tetris enquanto esperava.”
Incrivelmente, algo tão simples como isso funcionou novamente.
Também ocorreu com mães que se recuperavam de partos traumáticos.
A esperança de Holmes e sua equipe é que, enquanto as pessoas esperam ser tratadas para reparar o trauma físico, o mental também possa ser aliviado.
A neurocientista continua trabalhando com pessoas que sofrem de diferentes tipos de trauma, como funcionários de unidades de terapia intensiva e refugiados.
Seu sonho é desenvolver tratamentos psicológicos para problemas de saúde mental que possam ser disponibilizados a todos.
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