O que é, o que é? Tem escamas e não é peixe, tem coroa e não é rei, tem espada e não é soldado, tem olho e não vê, tem pé e não anda? E a meninada grita: abacaxiii! Uma das mais saborosas frutas tropicais. É nativa da América do Sul. Nasceu provavelmente na região onde hoje está o Paraguai, daí se espalhando por todo o continente americano. Em 14 de novembro de 1493, na segunda de suas quatro viagens à América, Colombo (1437–1506) foi recebido em Guadalupe por índios que lhe ofereceram … abacaxi. Para os nativos, gesto de hospitalidade. Para o navegador, apenas prenúncio dos tempos ruins que viriam. Depois de brigar com os reis católicos da Espanha, Fernando II de Aragão e Isabel I de Castela, ainda acabou com fama de doido. Certo é que a fruta cruzou mares a bordo de galeões e caravelas do colonizador. Chegou primeiro à Espanha onde, por sua semelhança com o fruto do pinheiro europeu, lhe deram o nome de piña. Ainda conserva este nome, em alguns países de língua espanhola, embora hoje, na própria Espanha e no restante da Europa (Portugal, França, Itália, Alemanha), seja conhecida apenas como ananas. Com exceção da Inglaterra, claro. Um país que teima em ser diferente em tudo: a corrente elétrica é de 240 volts (contra os usuais 110 e 220); as distâncias se medem em polegadas (inches), pés (feet) e milhas (miles); o peso se conta em libras (pounds) e pedras (stones); os líquidos em galões (gallons); carros têm direção no lado direito e andam pelo lado esquerdo da rua. Sendo, por isso mesmo, natural que lá tenha outro nome, pineapple.
A fruta acabou levando fama injusta. “Abacaxi” virou problema complicado. Donde “descascar abacaxi” seria resolver este problema. A comparação faz sentido. Que descascar esta fruta dá mesmo trabalho. Fura dedo. Corta mão. Cansa braço, no manejo da faca. Mas seu gosto vale o sacrifício. Durante muito tempo, foi sinal de boas-vindas. Os guaranis penduravam folhas do anãnas, em forma de coroa, nas portas das ocas. “Nasce o ananás com coroa como rei”, observou frei Antônio do Rosário (em Frutas do Brasil), em 1702, lembrando um reino imaginário onde o abacaxi seria o rei e, a cana-de-açúcar, a rainha. O abacaxi era muito apreciado por nossos índios – “colhem-no do chão e com uma faca tiram-lhe a casca e cortam em talhadas e dessa maneira comem”, descreve Pêro de Magalhães de Gândavo (em Tratado da Terra do Brasil). Essa casca, aproveitavam para fazer bebida de prestígio, posta para fermentar em potes de barro, junto com mel de abelha – o aluá. Dela faziam também remédio, capaz de curar até quem tinha cálculo renal – “doentes de dor de pedra”, assim se dizia deles.
O abacaxizeiro pode atingir 80 centímetros de altura. Apesar de produzir durante todo o ano, a safra se dá mais fortemente entre novembro e fevereiro. Prefere solo seco e clima tropical, em especial pé de serra. Costa Rica é o maior produtor mundial. Seguido do Brasil (Pará e região Nordeste). Produzimos basicamente as variedades Pérola (preferida para ser consumida ao natural), Smooth Cayenne ou Havaí (um fruto maior, mais ácido e resistente, destinado à exportação e às indústrias de compotas e sucos), Gomo-de-Mel e Ananás Silvestre. Sendo o mais doce o de Turiaçu (Maranhão). Abacaxi, na aparência, é uma única fruta. Mas são em verdade muitas, todas pequenas, aglomeradas em torno de um talo central; cada “olho” ou “escama” da casca é uma fruta que cresceu a partir de sua flor.
São muitas as maneiras de aproveitar a fruta. Pode, e mesmo deve, ser consumida ao natural. José Paulo, meu marido, come todos os dias o talo de um abacaxi. Também é especial como suco, sorvete, doce (cristalizado, compota, geléia), chutney, creme, pudim, bolo, torta; podendo ainda (grelhado ou assado) acompanhar pratos salgados – carneiro, peru, porco. É também ingrediente de bebidas: aluá, abacaxibirra (corruptela de “abacaxi beer”, uma cerveja de abacaxi) ou pina colada, coquetel de prestígio em todo o mundo. Sem esquecer que seu caldo é muito usado para amolecer carnes, por ser rico em bromelina (enzima que ajuda na digestão). Também é remédio. Com fama, no interior de Pernambuco, de ser eficiente lambedor no combate à bronquite – devendo, no caso, ser cortado em rodelas e cozido com mel de abelha. Por tudo, enfim, Viva o abacaxi.
Fonte: Folha PE
Autor: Letícia Cavalcante