“Uma tendência mais próxima da centro-direita” na economia: foi assim que a senadora Simone Tebet (MDB-MS) definiu seu perfil durante uma entrevista à BBC News Brasil concedida em maio de 2021. Na mesma ocasião, disse que, na pauta de costumes e políticas públicas, se considera “mais próxima da esquerda”.
Após semanas de negociação, Tebet foi anunciada como ministra do Planejamento do governo de Luiz Inácio Lula da Silva nesta quinta-feira (29/12). O ministério costuma ser responsável pelo comando do Orçamento, do Patrimônio da União, e também é esperada participação na gestão do PPI (Programa de Parcerias e Investimentos), que define privatizações e concessões ao setor privado.
A senadora, que ficou em terceiro lugar na eleição presidencial, passou a apoiar Lula — e a fazer campanha ao lado dele — até a disputa pelo segundo turno.
Agora, a nomeação de Tebet se junta a outros dois ex-presidenciáveis que terão a missão de conduzir áreas da economia no novo governo Lula: Fernando Haddad (PT), candidato em 2018, como ministro da Fazenda, e o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), candidato em 2006 e 2018, que ficará com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.
Além de ex-candidatos à Presidência, os três nomes também têm em comum o fato de serem apontados como possíveis sucessores de Lula para disputar a campanha de 2026. O petista afirmou que não tentará a reeleição.
Ao mesmo tempo em que são aguardadas mais sinalizações sobre as diretrizes do novo governo na economia, especialmente na área fiscal, também é uma questão — cuja resposta só virá na prática — quanta autonomia terão os ministros à frente de suas pastas.
O que se sabe é que Haddad e Tebet têm visões diferentes sobre economia e estão em ministérios que se complementam — e que trabalharão, ainda, com Alckmin e Márcio França (PSB), anunciado como ministro de Portos e Aeroportos.
Quais, então, são pontos que a senadora apresentou visões que divergiram ou podem divergir do PT?
– Teto de gastos:
Enquanto senadora, Tebet votou, em 2016, a favor da proposta de teto de gastos, que limita o crescimento de gastos públicos. Lula, no entanto, critica a medida, e a proposta de governo petista prevê a revogação do teto de gastos.
– Autonomia do Banco Central:
A senadora também votou a favor da proposta que previa autonomia do Banco Central. Ao mesmo tempo, o PT se opôs à medida e inclusive acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar suspender a medida, sob o argumento de que retira do chefe do Executivo a autoridade sobre a definição da política econômica.
– Marco Legal do Saneamento:
A senadora apoiou a aprovação do Marco Legal do Saneamento, que foi fortemente criticado pelo PT no Congresso.
Os defensores da proposta argumentam que a medida abre o setor de saneamento à iniciativa privada com o objetivo de atingir a universalização do acesso à água potável e à rede de esgoto até 2033. Os críticos diziam que as mudanças aumentariam a tarifa de água para áreas mais pobres com o fim do chamado subsídio cruzado — em que o lucro em área populosa custeia o prejuízo em municípios menores.
– Privatizações:
O plano de governo de Tebet, então candidata, dizia que, se eleito, seria “o governo das concessões, das parcerias público-privadas, das privatizações e da desestatização, sob coordenação do BNDES e com recursos destinados à redução da pobreza e à educação infantil”. O documento não detalha as privatizações.
O plano de Lula, por outro lado, aponta como um dos problemas do Brasil que “setores estratégicos do patrimônio público são privatizados” e se opõe às privatizações da Petrobras, Eletrobras e Correios.
Neste ponto, há um entendimento: Tebet já afirmou ser contra a privatização da Petrobras.
Mas Márcio França, após ser indicado para o comando do Ministério de Portos e Aeroportos, afirmou que freiaria concessões e privatizações. Na ocasião, disse que venceu um pensamento político e que “não tem reservas a nada que seja privado, mas não tem como regra que tem que privatizar tudo”.
‘Centro-direita na economia’
Redução dos gastos e do papel do Estado fazem parte do que é entendido como uma visão de centro-direita na economia — e a discussão sobre responsabilidade fiscal é um debate típico da divergência entre as diferentes linhas de pensamento na economia.
“Pensando no olhar de esquerda, as políticas sociais tendem a ocupar um espaço da universalização, da garantia ampla dos direitos sociais. E isso, obviamente, tem um certo embate com relação à proposta de ser mais à direita, em que redução do gasto, austeridade, a redução do papel do Estado configuram essa visão mais centro direita”, explica a economista Vivian Almeida, professora do Ibmec.
Sobre a forma com a qual Tebet define sua visão da economia, Almeida diz que reflete uma visão de que o Estado deve “deixar o espaço livre para que as pessoas gozem das suas liberdades, vocações e possibilidades de tocar as suas vidas na questão de como elas vão gerar sua própria renda”.
“Para isso, (segundo essa visão) o Estado deve cobrar menos impostos para quem produz, criar um bom ambiente de negócio, em que as pessoas tenham certeza de que os acordos serão cumpridos… Isso é ser direita na economia”, explicou.
No plano de governo, Tebet falava o seguinte: “É preciso colocar o Estado brasileiro para propiciar melhores condições para o investimento privado acontecer, com estabilidade e responsabilidade. O governo tem que possibilitar ambiente estável, previsível, pacífico, com segurança institucional, jurídica e regulatória”.
Em entrevista à colunista Miriam Leitão, publicada pelo jornal O Globo, Haddad disse que “no Planejamento haverá uma visão de economia diferente da que foi defendida durante a eleição, mas foi uma aliança de segundo turno”, depois de afirmar que o governo não pode ser homogêneo.
“Simone tem minha simpatia pessoal, é uma pessoa transparente, que vai colocar, somar e refletir junto. E ela falou que em mais de 90% da agenda ela e eu chegaríamos à mesma conclusão. E, naquilo que porventura houver divergências, há uma instância de arbitragem, que é a Presidência da República. Nós vamos estar juntos no Conselho Monetário Nacional, na Camex, em tantas instâncias colegiadas”, disse Haddad.
Na mesma entrevista, disse que é uma atribuição do Planejamento fazer um pente fino em todos os planos, ao ser questionado se haveria uma revisão de programas para avaliação de gastos e eficiência.
O presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, se manifestou em rede social a favor da nomeação de Tebet antes do anúncio oficial, defendendo um “programa robusto de avaliação periódica de políticas públicas, em busca de eficiência”, com ajuda do tribunal.
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