- Diana Massis
- HayFestivalQueretaro@BBCMundo
Nas páginas de seu último livro, More than a Woman (Mais que uma mulher, em tradução livre; sem edição brasileira), a escritora Caitlin Moran, agora na casa dos 40 anos, se encontra com seu eu futuro, uma idosa que a alerta para o que está por vir: “Eles vão te pedir para sustentar o tecido da sociedade. E de graça. É isso que significa ser uma mulher madura”.
E sugere que, se ela conseguiu se tornar uma mulher com esforço ao longo dos últimos anos, no futuro breve ela terá que ser mais do que isso.
“Mais que uma mulher?”, ela responde, desconsolada. “Eu tenho que me tornar mais do que uma mulher? Em quê? Em duas mulheres? Bem, olhe, pode ser útil. Porque de agora em diante as coisas ficam feias.”
Após essa advertência, Moran se dedica a relatar com ironia, lucidez e autoconfiança as diversas realidades das mulheres mais velhas, suas intermináveis listas de tarefas pendentes, suas batalhas, seus cansaços e suas belezas.
Em entrevista à BBC News Mundo (serviço de notícias em espanhol da BBC), ela abordou a realidade das mulheres maduras — que diante de tantas obrigações têm pouco tempo até mesmo para fazer sexo. Moran tem na sua agenda um compromisso semanal, sempre às sextas-feiras às 9h: fazer sexo com o marido.
“Quando você é mais velha, o sexo espontâneo é mais difícil porque está muito ocupada, então você precisa colocá-lo na programação”, diz Moran. “Não subestime a clássica sessão de dez minutos de sexo. É um clássico por uma razão.”
Dez anos antes, ela havia revolucionado o mercado editorial com o best-seller Como Ser Mulher, no qual relatava sua transição da adolescência para a vida adulta e proclamava que “feminismo é ser tão livre quanto os homens” e que todas as mulheres estão convidadas a se tornarem feministas “por mais loucas, estúpidas, ingênuas, malvestidas, gordas, diminuídas, preguiçosas e vaidosas que sejam”.
Ela escreveu esse livro poucos anos antes de suas filhas virarem adolescentes. Existia um pavor sobre o mundo em que elas cresceriam e da maneira hostil com que as mulheres eram tratadas — sem humor, sem gentileza: “Você mesma tem que se arrumar, se depilar, comprar uma bolsa de grife e fazer um sexo oral perfeito”.
Como Ser Mulher foi um fenômeno social e editorial. Caitlin Moran havia decidido que falaria de uma nova maneira e que o livro faria tanto sucesso que mudaria o mundo.
A BBC News Mundo conversou com a escritora, que participa do Hay Festival Querétaro, evento que acontece entre 1° e 4 de setembro no México.
BBC: Como Ser Mulher não mudou o mundo no final. É por isso que você teve que escrever More than a Woman?
Caitlin Moran: Mais ou menos isso. Quando minhas filhas tinham 13 anos, vivíamos uma utopia feminista, mas obviamente isso não aconteceu, então tive que escrever More than a Woman dez anos depois.
Mas coisas incríveis aconteceram e há um clima muito diferente. Temos MeToo, redes sociais e modelos incríveis como [a cantora] Lizzo, [a atriz] Phoebe Waller-Bridge, [a comediante] Amy Schumer, Beyoncé e [a escritora] Chimamanda Ngozi Adichie, que falam sobre feminismo de uma maneira poderosa e não acadêmica.
Mais irmãs, inspiradoras, lindas, divertidas. Mas também notei que era uma mulher mais jovem, solteira e festeira que sai, faz sexo, bebe e descobre quem ela é.
E minha geração não falava nada sobre envelhecer, quando você não pode mais ficar só na farra, quando existem pessoas que você tem que cuidar.
Vi que há batalhas que não estão sendo vencidas, queria abordá-las e também celebrar ser uma mulher mais velha, porque, sem modelos de mulheres mais velhas, continuaremos com o mesmo problema: quando você passar a ter uma certa idade somos vistas como inferiores e descartáveis.
Há muito a ser dito sobre se tornar mais sábia, saber exatamente quem você é.
Se nossas mães e avós não forem heroínas, com voz no mundo, o feminismo estará preso apenas às jovens que lutam as batalhas.
Vamos começar entusiasmando as meninas sobre a ideia de envelhecer e vamos fazer isso juntas, celebrar a idade que cada uma tem e mudar esse mundo ferrado.
BBC: Por que você diz que as mulheres passam a vida como num pêndulo: ou não somos suficientes ou somos demais?
Moran: A insegurança das mulheres passa pela ideia de que não somos inteligentes o suficiente.
Sou convidada para vários programas na BBC e eles me pedem para falar sobre algo e eu digo, “bem, não sou especialista nesse assunto, então não vou”.
Pesquisas dizem que, quando os homens são chamados, eles falam: “Não sou de fato um especialista, mas eu vou”.
Nós só fazemos as coisas apenas se somos superqualificadas.
E, no outro extremo, parece que ocupamos muito espaço, falando demais, exigindo demais.
Queremos mais para nossas vidas e isso está deixando os outros com raiva, então sentimos que devemos nos tornar menores, mais humildes, mais educadas e não pedir tanto.
Esses parecem ser os dois extremos entre os quais as mulheres se movem. E o centro é saber com calma quem você é. É a nossa aspiração.
BBC: Em Como Ser Mulher você diz que uma das vantagens que temos é curtir a sexualidade. Porém, você alerta que a pornografia está passando uma ideia errada para os jovens sobre sexo…
Moran: Em nosso desenvolvimento, desde o final da infância até a adolescência, há uma janela de 5 a 10 anos na qual adquirimos nossas fantasias e preferências sexuais.
Se 94% dos jovens veem a pornografia de hoje, essa se torna sua ideia de sexo. É tão limitado e tão focado no prazer masculino que você quase nunca vê um orgasmo feminino. Não estamos falando de consentimento, pois sexo é algo que acontece com a mulher, algo que o homem fará com ela. É muito destrutivo, não é divertido, não é alegre, não é sobre duas pessoas fazendo algo juntas.
Acho que essa é outra razão pela qual tantas meninas têm medo de se tornarem adultas, porque a sexualidade é uma grande parte disso. E se o sexo que as jovens assistem é pornografia, violência, ser esbofeteado, mordido e estrangulado, por que elas iriam querer fazer sexo e por que elas iriam querer crescer?
Se é o que você gosta, tudo bem, mas me parece que a variedade que vemos não é suficiente, não é o que eu quero para minhas filhas. Isso não é sexo, é pornografia e precisamos ter essa conversa.
BBC: Você também diz que a pornografia entrou dentro da nossa calcinha e impôs vaginas totalmente depiladas. Por que você defende os pelos pubianos e se define como uma “retrovaginal”?
Moran: Acho suspeito que quase todas as jovens estejam tirando os pelos pubianos, coisa que só é vista nos vídeos pornôs, para que a câmera pudesse mostrar o que está acontecendo.
Eu sou uma mulher da classe trabalhadora e a questão do dinheiro me deixa com raiva. As mulheres não deveriam pagar para ter uma vagina que você tem que depilar todos os meses. Vira um trabalho, um gasto e uma imposição.
Há um programa no Reino Unido chamado Naked Attraction (Atração Nua) onde as pessoas têm encontros nuas. Quando os homens veem vaginas sem pelos, gostam dos pequenos lábios. Essa é a vagina considerada correta, limpa. Se uma mulher tem lábios mais longos ou lábios internos salientes, eles não vão sair com ela.
A natureza nos deu pelos para cobrir nossas vaginas. Não quero que as meninas façam cirurgia para ter a vagina perfeita, é muito dinheiro e muita dor. Não gosto de nada que custe dinheiro às mulheres ou cause dor às mulheres.
BBC: Unhas, cremes, depilação, tintura de cabelo, botox, tudo custa dinheiro…
Moran: E eu odeio isso.
Uma das melhores coisas que aconteceu é a mídia social, apesar da parte negativa, de ameaças e abusos.
As contas do Instagram com mais seguidores são as de moças de todas as cores e tamanhos, tirando fotos de positividade do corpo, exibindo suas estrias e partes flácidas, suas axilas peludas e dizendo “ei, eu sou linda!”.
Dez anos atrás, havia a ideia de que o governo tinha que interferir nas redes sociais porque havia muitas meninas loiras, brancas e magras que estavam levando à anorexia outras jovens, que víamos como indefesas. Mas as mulheres resolvem seus próprios problemas se a elas é permitido que se comuniquem umas com as outras.
BBC: É o que você tenta fazer quando conta que uma de suas filhas se sentia feia e depois enfrentou um distúrbio alimentar. Você acha que o problema estava relacionado justamente à “obrigação de ser bonita”?
Moran: Uma das coisas que você tristemente aprende como mãe é que não importa o quão feminista ou positiva você seja, e o quanto você ame suas filhas, você é apenas uma voz e elas vivem no mundo. Você não pode protegê-las de uma idealização existente; neste caso, ser bonita e magra.
Quando há um distúrbio alimentar, automutilação ou overdose de pílulas, as pessoas expõem fisicamente o quanto estão infelizes, porque não podem mais falar sobre isso. E dão o próximo passo, que é mostrar com suas cicatrizes a ansiedade e depressão.
Eu não tinha percebido que minha fraqueza como mãe era ser brilhante em muitas coisas, mas sem tocar na tristeza. Eu tinha medo dela, porque meus pais nunca falavam dela, você tinha que se animar e continuar, sempre.
Isso funcionou para mim, mas não para minha filha. Então eu tive que aprender a dizer a ela que não há problema em ficar triste, que podemos conversar sobre isso. E a resposta foi milhares de pais dizendo “obrigado por me mostrar como posso falar sobre isso”.
BBC: Você também muda o foco da sua filha sobre a beleza e diz para ela: “Não precisamos alcançar a beleza, precisamos admirar a beleza”. Como você chegou a essa ideia?
Moran: Quando me ocorreu aquela frase sobre a beleza estar nos olhos de quem vê e você é quem está olhando, fiquei tão feliz que fumei um cigarro e tirei o resto do dia de folga porque era a solução perfeita.
Se você ainda pensa em si mesma como algo a ser observado para as pessoas determinarem se você é boa ou não, provavelmente se sentirá mal pelo resto da vida, porque não pode controlar isso.
Você precisa encontrar uma maneira de estar no controle e poder dizer: o que é bonito? O que estou admirando?
É por isso que as paredes dos quartos dos adolescentes, principalmente os das meninas, são tão interessantes. Coloque tudo o que você acha bonito nessas paredes, seja o responsável, faça seu próprio museu.
O que os outros pensam você não pode mudar, é isso que você pensa, você é o diretor, não a estrela.
BBC: Voltando às mulheres maduras, por que você diz a elas para expandir o corpo: “Levante-se! Não se desculpe! Relaxe a barriga”, e as incentiva a usar todo o espaço que merecem?
Moran: Nós literalmente precisamos estar orgulhosas.
À medida que envelhecem, as mulheres se curvam, pedem desculpas e dizem “oh, eu sou tão chata”. Então, quando você fala com elas e descobre o que elas fazem, elas são rainhas!
Mas o mundo não vem para as mulheres de meia-idade e diz: vou fazer você feliz e se sentir bem consigo mesma.
Se você começou a pensar que você é chata, que você é feia ou gorda, que seu corpo está errado, eu não vou deixar você pensar isso. Nós vamos nos apoiar, porque ninguém mais vai.
Temos que concordar em ajudar umas às outras na comunidade feminina e apenas dizer uma à outra que você é incrível!
BBC: Você também fala sobre a importância do sexo conjugal, ou sexo de manutenção, que no seu caso é toda sexta-feira às 9h. Por que tem que estar na agenda?
Moran: Porque é uma das poucas coisas que você pode fazer que não custa dinheiro, não engorda e realmente relaxa; é uma coisa incrível e deliciosa que os adultos podem fazer.
E quando você perde isso, está perdendo uma maneira muito eficaz de se sentir bem consigo mesma e de amar seu parceiro.
Mas temos que agendar, porque estamos acostumados com o sexo jovem acontecendo espontaneamente. Quando você é mais velha, o sexo espontâneo é mais difícil porque está muito ocupada, então você precisa colocá-lo na programação.
BBC: E depois de muita experimentação, por que você elogia o sexo clássico nessa fase?
Moran: Se você quiser experimentar, é perfeito.
Mas acho que muitas mulheres pensam “ah, não vou fazer sexo com meu marido porque vou levar duas horas e teremos que balançar nos lustres e usar roupas incríveis e criar um diálogo de filme”. Mas não, não subestime a clássica sessão de dez minutos de sexo. É um clássico por uma razão. Se é o tempo que você tem, isso vai resolver.
BBC: Por que seu próximo livro será sobre homens? Como eles podem ser convidados ao feminismo?
Moran: As mulheres sabem o que o feminismo tem a oferecer. Se você tiver um problema em algum lugar, haverá uma feminista que lidará com isso e terá uma solução para você.
Ao longo dos anos percebi que os homens não têm nada parecido. Não há rede que eles possam acessar.
Os únicos que dão conselhos aos mais jovens costumam ser ativistas de extrema-direita, que dizem: você precisa ser mais masculino, as mulheres fazem você se sentir impotente, você tem que se afirmar e exercer poder sobre elas. Em vez de dizer a eles: você será mais poderoso se conversar melhor, se estiver confortável consigo mesmo, se obtiver as qualificações educacionais de que precisa, se conseguir o emprego que deseja.
Muitos rapazes me dizem que é mais fácil ser uma moça do que um rapaz. E quando você pergunta por que, tudo se resume ao fato de que hoje as mulheres são retratadas como incríveis, como o futuro.
Está ficando melhor ser mulher, porque as mulheres melhoraram, estão comemorando, se ajudam.
O livro que quero escrever explica aos homens que eles precisam aprender a conversar uns com os outros sobre seus problemas. Se há coisas que você inveja nas mulheres, como compartilhar suas emoções, ser apegado aos seus filhos, vestir o que você quer, ser sexy e se celebrar, então faça isso, as mulheres não podem fazer isso por você.
A primeira coisa que os homens devem ter em sua lista de tarefas é serem mais parecidos com as mulheres.
Se você tem inveja das mulheres modernas, seja mais como elas. É o que fizemos há 150 anos. Olhamos para os homens e queremos ser como eles: queremos votar, obter educação, aproveitar o sexo e ser líderes mundiais. Nós roubamos todas essas coisas dos homens, venha roubar algumas coisas das mulheres, vamos lá!
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