- Author, Mariana Sanches
- Role, Da BBC News Brasil em Washington
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A menos de dois meses das eleições presidenciais dos Estados Unidos, o ex-presidente republicano Donald Trump e a vice-presidente democrata Kamala Harris ficarão frente a frente pela primeira vez, em um encontro televisionado ao vivo, no horário nobre (às 21 horas, no horário de Washington), para dezenas de milhões de americanos.
Ao longo de 90 minutos, Trump e Kamala estarão munidos apenas de água, papel e caneta e terão de responder às perguntas dos moderadores David Muir e Linsey Davi, da TV americana ABC News, em um estúdio no National Constitution Center, na Filadélfia.
O evento está cercado de expectativa não só por ser o primeiro encontro entre os dois presidenciáveis, mas também pelo possível impacto que poderá gerar na apertada disputa.
Em junho, o fraco desempenho no primeiro debate televisivo da atual temporada eleitoral levou o presidente democrata Joe Biden a desistir de sua campanha à reeleição. Agora, há a possibilidade de que o sucesso – ou um novo fracasso – de algum dos candidatos ajude a definir o vencedor.
A estreante Kamala
Com apenas 107 dias para convencer o eleitorado, Kamala enfrenta o período mais curto de campanha da história recente americana. Pesquisa de intenção de votos divulgada no último final de semana pelo jornal The New York Times/ Siena College mostrou ambos tecnicamente empatados, com Trump (48%) numericamente à frente de Kamala (47%) nacionalmente.
A pesquisa, a mais recente disponível, sugere uma interrupção do entusiasmo com a democrata visto ao longo de agosto, o que a levou a galgar vantagem em alguns dos estados-pêndulos centrais na disputa.
No mesmo levantamento, quase 30% dos eleitores dizem que precisam conhecer mais a vice-presidente antes de tomar uma decisão. Por isso, a campanha da democrata, estreante em debates presidenciais, investiu pesado em uma preparação realista do embate com Trump.
Kamala fez ensaios em um palco com luzes fortes, sem plateia, para tentar simular ao máximo o ambiente da TV. E Philippe Reines, um ex-assessor de Hillary Clinton, desempenhou o papel de Donald Trump em sessões falsas de debate.
Além de repassar informações sobre os alegados sucessos de políticas públicas da gestão Biden – os candidatos são proibidos de levar consigo anotações ou de conversar com assessores nos intervalos comerciais – Kamala concentrou seus esforços em se manter assertiva, porém calma, diante de possíveis provocações e insultos do ex-presidente republicano.
Trump já a chamou de “louca”, de “comunista Kamala”, ridicularizou sua risada e sugeriu que o sucesso político da vice-presidente no início da carreira se deveu a um namorado. A campanha democrata quer evitar que ela passe ao eleitorado a impressão de nervosismo, descontrole ou agressividade, caso Trump aposte em repetir apelidos pejorativos.
Ex-procuradora do Estado da Califórnia, Kamala tinha a expectativa de atuar como uma promotora em um tribunal do Júri e tentar caracterizar Trump como um criminoso – ele foi condenado em maio por transações de campanha ilegais ao pagar pelo silêncio de uma atriz pornô com quem teria tido um caso. Na semana passada, o juiz do caso resolveu adiar o anúncio da sentença – que pode incluir tempo de prisão – para depois das eleições, marcadas para 5 de novembro.
Nos últimos dias, porém, assessores democratas têm dito que essa estratégia não terá sucesso porque a campanha não conseguiu alterar a regra de microfones silenciados enquanto o oponente estiver com a palavra, acordada pelo time de Biden antes de sua desistência.
Assim, ela não poderá fazer fact-checking imediato nas falas de Trump nem acusá-lo de interrupções machistas. A campanha diz também que o republicano ficaria protegido ao proferir insultos – que costumam desagradar ao eleitorado em geral – já que suas falas com microfone desligado não devem ser captadas para a audiência geral.
Sem conferir muito poder a Trump, Kamala deverá tentar ridicularizá-lo e convencer o público de que ele não é “presidenciável”o suficiente para proteger os interesses e a segurança dos americanos.
O veterano Trump
Veterano em debates, Donald Trump enfrentará o seu sétimo confronto televisivo e apostou na estratégia inversa à de Kamala para se preparar para o encontro.
Ele têm conversado com seus auxiliares – especialmente os congressistas republicanos Matt Gaetz e Tulsi Gabbard – e repassado informações importantes de suas propostas políticas, além de críticas à atual gestão. De acordo com um de seus assessores, Jason Miller,Trump não fez nada parecido com ensaios, nem destacou auxiliares para se passarem por Kamala Harris. Miller afirmou que Trump fez “história” no debate contra Biden, e que pretende repetir a dose contra a vice.
Considerado um “showman” até mesmo pela campanha democrata, Trump tem experiência como apresentador de reality show e costuma dominar a linguagem televisiva. Mas, aos 78 anos, e após passar meses acusando o opositor, Biden, de demonstrar pouca agilidade de raciocínio e de exibir sintomas de demência senil, é o republicano quem será escrutinado sobre sua saúde física e intelectual. Se for eleito, ele será o presidente mais velho a assumir a Casa Branca.
Na última semana, ao ser questionado sobre creches, em um evento em Nova York, Trump deu uma resposta considerada “incompreensível” pelo entrevistador. E durante a convenção republicana, houve quem questionasse se Trump dormia em alguns momentos, no palco. Sua equipe afirmou que eram momentos de oração.
A estratégia de Trump será a de responsabilizar Kamala por pontos impopulares da gestão democrata de Biden: inflação, crise migratória na fronteira e a retirada atabalhoada das tropas americanas do Afeganistão. E confrontá-la com opiniões mais à esquerda defendidas pela democrata no início da carreira – para tentar caracterizá-la como uma liberal-progressista radical.
Além do embate desta terça, 10 de setembro, ao menos outros dois debates televisivos estavam previstos antes do dia do pleito. Mas Trump ainda não se comprometeu a participar dos eventos. Para tentar garantir os embates, Kamala tem adotado um bordão: “Say it to my face”, algo como “fale na minha cara”, quando Trump a critica em entrevistas ou lives nas redes sociais. Da performance na noite desta terça depende a decisão de Trump que, como fez em 2020, já começou a espalhar em suas redes acusações sem prova de fraude eleitoral.
Fonte: BBC