- Author, Lebo Diseko
- Role, Repórter de religião da BBC
Sempre que casos do tipo vêm à tona, surgem muitas dúvidas sobre quais são as características de uma seita e como as pessoas são influenciadas por elas.
A correspondente global de religião da BBC Lebo Diseko conversou com o terapeuta Steven Hassan, que fez parte de uma seita na juventude e depois dedicou sua vida a ajudar as pessoas a se libertarem de cultos. Confira a seguir.
Aos 69 anos e com fala mansa, Steven Hassan descreve o grupo ao qual se juntou na adolescência como um culto perigoso. Ele diz que a experiência de deixar o controverso grupo religioso “foi como acordar de um pesadelo”.
“Eu senti tanta vergonha”, conta ele à BBC.
Em 1974, aos 19 anos, Steven Hassan ingressou na Igreja da Unificação. Seus seguidores já foram amplamente chamados de ‘Moonies’ pelos críticos, em referência ao nome do ex-líder do grupo, o falecido reverendo Sun Myung Moon.
Agora conhecida como Federação da Família para a Paz e Unificação Mundial, a igreja insiste que é uma “religião de boa-fé” e não uma seita. Mas Hassan diz que sua experiência prova o contrário.
A definição precisa do que constitui um culto é contestada. Mas o psiquiatra Robert Jay Lifton identifica três características principais: um líder carismático que se torna um objeto de adoração, um processo de persuasão coercitiva (ou lavagem cerebral) e exploração dos membros do grupo, que pode ser econômica, sexual, psicológica etc.
Hassan diz que foi recrutado para a Igreja da Unificação pouco a pouco. Primeiro, ele diz, foi abordado por um grupo de mulheres jovens enquanto estava sentado no refeitório da faculdade. Ele tinha acabado de “tomar um pé” de sua namorada e diz que estava vulnerável e que ficou lisonjeado com a atenção.
“Lembro-me de perguntar ‘vocês fazem parte de algum grupo religioso?”, ele conta. “Elas disseram ‘não, de jeito nenhum’, e era uma mentira.”
As jovens o convidaram para jantar, dizendo “queremos apresentá-lo aos nossos amigos de diferentes partes do mundo”. Aí veio um convite para uma palestra. E acabaram dizendo: “vamos viajar esse fim de semana, você deveria vir, vai ser muito divertido”.
Foi naquele fim de semana, diz Hassan, que eles o convenceram, com afirmações de que aquele era “um momento especial na história, que a Terceira Guerra Mundial iria acontecer entre a Rússia e os Estados Unidos, que havia planos espirituais acontecendo.”
A radicalização
Só muito mais tarde, diz ele, as outras crenças do grupo foram apresentadas. Ele alega que isso incluía afirmações de que o líder do grupo, o reverendo Moon, nascido na Coreia do Norte, era “o messias, maior que Jesus” e que os coreanos eram uma “raça superior”.
Apesar de ter nascido e ter sido criado no judaismo, Hassan diz que, três meses depois de ingressar na Igreja da Unificação, ele chegou a acreditar que “o Holocausto era justificado”.
“Fui totalmente radicalizado”, conta.
Essas são afirmações que a igreja nega veementemente, dizendo que “não há nenhuma sugestão no ensino do grupo de que o Holocausto foi justificado” e que tem “muitos membros” judeus.
A igreja diz ainda que não havia “nenhuma sugestão” em seu ensino de que o reverendo Moon era “maior que Jesus” ou “que os coreanos eram algum tipo de ‘raça superior'”.
A igreja também nega o uso de love bombing, dizendo que, embora os membros da igreja saíssem e conversassem com os alunos universitários, eles eram “bastante abertos sobre o grupo religioso minoritário que representavam e não havia enganação”.
Hassan diz que abandonou a faculdade e se tornou um líder de grupo, ajudando a recrutar outras pessoas. Ele diz que fazia uma avaliação de novos recrutas em potencial para saber se eles eram “pensadores, sentimentais, executores ou crentes”, a fim de usar o tom apropriado para conquistá-los.
“Se alguém fosse um sentimental, falaríamos sobre amor e como é bom ter irmãos e irmãs que cuidam uns dos outros. Os executores são pessoas que querem consertar as coisas e causar impacto. Então, você apelaria para isso. Para os crentes, seria algo espiritual, ‘vamos orar sobre isso juntos e pedir a direção de Deus para abrir seu coração’. As estratégias mudariam de pessoa para pessoa.”
Acordando do pesadelo
Foram necessários dois anos e meio e um acidente de carro para que ele conseguisse sair da seita, diz. Como ficou em recuperação sozinho no hospital após o acidente, ele acabou ligando para sua irmã.
Ela implorou que ele fosse visitá-la, dizendo que cuidaria dele e lembrando-o de que ele tinha um sobrinho com quem ela queria que ele passasse um tempo.
O que ele não sabia era que ela havia organizado uma sessão de “desprogramação”. Ouvindo as experiências de outras pessoas que haviam deixado o grupo, ele se deu conta do que estava acontecendo com ele.
“Eu chorei e fiquei pasmo com como eu havia acreditado naquilo tudo. O que aconteceu com a minha mente?”, conta.
A Igreja da Unificação diz que as falas de Hassan sobre o grupo são “distorcidas, absurdas, perturbadoras, imprecisas e não confiáveis”, e diz que a alegação de que ele foi radicalizado “não faz sentido algum”. A igreja também rejeita as alegações de lavagem cerebral.
Hassan diz que sua experiência na igreja e o alívio que sentiu ao sair o levaram a passar as décadas seguintes ajudando as pessoas a tirar seus entes queridos de seitas. Ele agora é um terapeuta licenciado e especialista em cultos.
Como ajudar alguém radicalizado por uma seita?
Hassan diz que há orientações sobre o que fazer e o que não fazer quando se trata de abordar alguém com quem você está preocupado.
“Não grite com eles, não ataque o líder, a doutrina ou o grupo”, diz, explicando que isso pode fazer com que as pessoas dupliquem a defesa de seu sistema de crenças.
Em vez disso, ele sugere adotar uma atitude de curiosidade, dizendo: “Ei, você é inteligente, parece realmente interessado nisso. Me conta mais?”. Se a pessoa não for capaz de explicar completamente as crenças do grupo, ele diz, o ideal é sugerir uma pausa e dizer “vamos pesquisar juntos e descobrir quem eles são”.
“Eu digo aos meus clientes: se você estiver em uma situação que não faça sentido e for confusa, confie em si mesmo, confie em seu próprio julgamento e procure maneiras científicas de testar a realidade para descobrir as coisas.”
Hassan diz que não usa mais o método confrontativo de desprogramação, embora tenha feito isso no passado. Sem a adesão da pessoa, diz ele, qualquer esforço para fazê-la deixar a seita provavelmente fracassará.
Ele acrescenta que hoje os telefones celulares tornam quase impossível cortar a comunicação de alguém com o grupo se a pessoa não quiser cortar.
“Se eles estão conversando com o culto ao longo do dia, não tem como você ser eficaz”, diz. Em vez disso, Hassan se concentra em ajudar a família e os entes queridos a “capacitar a pessoa a pensar por si mesma e tomar suas próprias decisões”.
“Por exemplo, eu direi a uma família para pedir ao seu ente querido que está em um culto religioso para assistirem juntos ao documentário O Dilema das Redes, sobre redes sociais”, diz ele. “Não vai deixá-los na defensiva ou se sentirem atacados. Mas é uma forma de começar uma discussão sobre as táticas que estão sendo usadas para manipular a atenção das pessoas”.
Hassan argumenta que em certos momentos da vida, como numa fase de luto, após uma mudança de casa ou cidade ou, como no caso dele, uma separação, podem tornar uma pessoa mais suscetível à influência de um grupo perigoso.
Mas ele diz que o maior erro que as pessoas cometem é pensar que isso nunca poderia acontecer com elas. Ele chama isso de “o mito da mente maleável: [a ideia de que] minha mente não pode ser mudada, a de outra pessoa pode, mas sou muito inteligente ou muito bom”.
“Somos programados para nos encaixar em grupos e para seguir figuras de autoridade que acreditamos serem legítimas”.
Hassan diz que não abandonou a religiosidade. Ele frequenta um templo judaico progressista há 26 anos. “O que eu gosto no judaísmo é que é uma religião de questionamento”, diz ele.
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