“Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso aprendemos sempre”. A frase, dita pelo Patrono da Educação Brasileira Paulo Freire, perpetua a ideia de que o aprendizado é constante. Nunca é tarde para desenvolver novas vivências e conhecer um mundo novo. De crianças a adultos, seja na maturidade ou na Boa Idade, sempre é tempo de produzir e receber conhecimentos.
Fatores como a falta de oportunidade, a necessidade de trabalhar desde a adolescência ou assumir outras responsabilidades, inflados pela desigualdade social do Brasil, contribuem para que os estudantes, desde muito novos, abandonem os estudos. Porém, pessoas na maturidade na faixa etária dos 40 anos ou mais e idosos estão cada vez mais em busca de concluir os estudos ou ingressar em uma universidade.
Educação de Jovens e Adultos
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é um dos meios para que a população consiga terminar a educação básica. Em Pernambuco, as aulas da EJA são oferecidas nos ensinos fundamental e médio, em módulos semestrais. Para o ensino fundamental, a idade mínima é 15 anos. Já para o ensino médio, é preciso ter 18 anos ou mais.
De acordo com Danielle da Mota Bastos Alves, gerente de Políticas Educacionais de Jovens, Adultos e Idosos, a EJA é uma modalidade de ensino e uma política pública de educação. A modalidade está na mesma importância, enquanto direito de aprendizagem, das etapas da educação básica como um todo.
“A finalidade da modalidade é garantir o direito à educação e a aprendizagem para esse sujeito que por algum momento abandonou a escola, não teve acesso a ela ou vem de um insucesso escolar. Ele vai poder ter um atendimento ou deveria ter um atendimento que considere o momento que ele vive, e o contexto social no qual está inserido. Essas pessoas são normalmente trabalhadores, pais, mães, pessoas atuantes que já contribuem financeiramente para o sustento da sua família”, explicou Danielle.
Em todos os municípios do estado existe, pelo menos, uma escola da rede estadual de ensino que oferece a modalidade. No total, 512 escolas ofertam o ensino. As matrículas devem ser realizadas diretamente nas escolas.
Nunca é tarde para estudar
Após 40 anos, Maria José da Silva Corrêa, 72, voltou a estudar e concluiu o ensino médio através da modalidade da EJA. Mãe de quatro filhos, avó de sete e bisavó de três, Maria José morou anos em São Paulo e no Rio de Janeiro e depois retornou para Pernambuco. Em 2019, terminou o ensino médio aos 68 anos.
“Interrompi os estudos devido a sérios problemas, porque eu estava ficando uma mocinha, mas era proibida de muita coisa e já tinha uma mente aberta, então aquilo foi me atingindo mentalmente. Não tive forças, não sei de onde veio isso, parei de estudar, casei e tive os filhos. Eu era muito dedicada só aos filhos. Fui incentivada a entrar na EJA, mas tive medo, e me perguntava como eu ia estudar se já fazia tanto tempo. Eu só sabia fazer o ‘dois mais dois’ e o ‘aeiou’, que eu lembro, mas eu gostava de escrever”, disse Maria José.
Maria José da Silva Corrêa. Foto: Arthur Mota/ Folha de Pernambuco
Para ela, a volta aos estudos foi um dos melhores momentos da vida. A escrita era a parte favorita durante o período de aprendizagem. “Foi um dos melhores períodos da minha vida, depois de ter filhos, porque ser mãe é uma dádiva de Deus. Foi bom, foi ótimo. Eu escrevia, fazia questão de fazer os trabalhos de português, só os de matemática que eu pedia muita ajuda. Fez bem para a mente nessa época: eu ria, ia para a escola, lanchava, parecia que eu tinha 15 anos, eu tinha a responsabilidade de estudar. Recomendo para todas as idosas que recomecem”, explicou.
O apoio de familiares e professores foi essencial durante a caminhada de retomada dos estudos.”Eu tive muito apoio, principalmente dos professores, porque o interesse deles era dar aulas para quem desistiu e para quem ia realmente estudar. Minha filha Renata, minha neta Marjourie, pessoas que dão valor aos estudos, diziam para eu ir e tanto é que eu fui com a cara e a coragem”, destacou.
Alex Sandro Farias, 47, viu sua vida mudar ao concluir o ensino médio pela EJA, em 2014, e ingressar na Faculdade de Direito. Em 2021, ele concluiu a graduação e foi aprovado no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Hoje, atua nas áreas criminal, familiar e do consumidor.
O advogado relata que, desde criança, não teve o incentivo da família para estudar e logo na adolescência começou a trabalhar no comércio, não conseguindo completar o ensino médio. Aos 19 anos, nasceu a filha e a urgência de conseguir dinheiro para casa aumentou. Após o trabalho, Alex tinha momentos ociosos e pensava em voltar a estudar para concluir o ensino médio.
Alex Sandro Farias. Foto: Arthur Mota/ Folha de Pernambuco
“De início eu queria concluir o meu ensino médio, não tinha ainda a vontade de fazer um curso superior, aí fui para o EJA, passei um ano e meio e acabei gostando de estar dentro da sala de aula. Quando eu terminei, estava com vontade de fazer uma faculdade, mas de início queria fazer Educação Física ou Biologia, e antes de começar a fazer o curso conheci um advogado, e ele disse para eu fazer Direito”, destacou.
Ao longo da trajetória, Alex contou com o apoio dos amigos e da família, principalmente da esposa. Para ele, a sensação de estar dentro de uma sala de aula é gratificante.
“Você se tornar advogado hoje no Brasil é um passo muito importante, não só por conta da prova, ou por status, mas por você saber que vai fazer parte de um grupo de profissionais que lutam pelo direito de outras pessoas, eu acho isso uma função muito importante e sou muito feliz por fazer parte desse grupo de pessoas”, acrescentou.
Nascida em Floresta, no Sertão de Pernambuco, a aposentada Maria Aparecida de Jesus, 58, sempre teve o sonho de entrar na universidade. Porém, com 19 anos, precisou se mudar para o Rio de Janeiro devido às dificuldades encontradas na cidade natal. Antes de partir, Maria Aparecida completou o ensino médio e fez um curso técnico em contabilidade no colégio em que estudava. Passou 38 anos no Rio, não conseguiu retornar aos estudos e enfrentou dificuldades trabalhando como empregada doméstica. No local, casou, teve duas filhas e uma neta.
De volta à cidade natal, Maria começou, há cerca de seis meses, o pré-vestibular da Universidade de Pernambuco (UPE), o Prevupe. As filhas Carina Maria e Maria Helena, grandes incentivadoras, matricularam a mãe no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Em setembro, Maria fez vestibular EAD da UPE e passou no curso de bacharelado em Administração Pública. Agora, aguarda a prova do Enem para tentar Serviço Social.
Maria Aparecida de Jesus. Foto: Arquivo Pessoal
“O Prevupe foi um divisor de águas na minha vida, porque as minhas filhas me matricularam para fazer a prova do Enem, eu falei a elas que não sabia as matérias todas, aí me deram um aplicativo para baixar, mas no celular eu não consigo estudar, devido a miopia e a idade. Eu consegui, vendo um outdoor na porta do GRE, que ia ter esse pré-vestibular para toda a população, aí eu fui procurar saber se eu com 58 anos, poderia ingressar nesse pré-vestibular, aí falaram que eu podia, e fizeram aquela festa”, disse Maria.
“Eu estou me sentindo uma jovem de 18 anos quando encerrei os estudos. Sei que estou debilitada, com algumas dores, mas isso não impede de eu estar em sala de aula, de fazer a minha faculdade que é um sonho que eu tive que deixar dormindo dentro de mim e acordou agora com 58 anos”, acresentou Maria Aparecida.
Maria precisará retornar para o Rio de Janeiro para ajustar as suas documentações, já que está passando pelo reconhecimento de paternidade e terá o sobrenome do pai nos documentos, após 58 anos. Depois que a nova documentação for resolvida, a estudante retornará para Floresta em definitivo para cursar a universidade.
Importância dos estudos
Ana Sotero, professora da UPE Campus Mata Norte, doutora em ciências da educação pela Universidade do Porto, mestra e licenciada em pedagogia pela UFPE, e pesquisadora na área da educação, é importante ressignificar o momento da maturidade. Diversas metodologias pedagógicas são utilizadas para o aprendizado de adultos e pessoas da terceira idade.
“As metodologias vão se adaptando ao perfil dessa geração mas não há um modelo único de formação por faixa etária. Existem orientações que a gente pode buscar isso na didática, na metodologia de ensino, nas práticas educativas, em estudos como a gerontologia, em pesquisas, com a psicologia, com a arteterapia. Então existem várias possibilidades dentro do campo da educação e da psicologia em que podem ser utilizados vários conhecimentos como contribuição para que a gente desenvolva então a formação desse adulto e desse idoso”, destacou.
Pedagoga Ana Sotero. Foto: Arquivo Pessoal
Para a profissional, trabalhar com projetos de vida é um fator fundamental para o aprendizado desse público. “Eu acho que hoje é algo que a gente pode fazer de uma forma mais assertiva que é trabalhar com projetos de vida. E esses projetos de vida se você, o quanto antes começa a trabalhar isso, aos 40, 50 anos, você vai pensando no momento de aposentadoria, por exemplo, como um momento de uma mudança de ciclo, de um novo ciclo que se inicia, e não o final da vida”, explicou.
A psicóloga clínica e neuropsicóloga Ana Katarina afirma que é sempre importante manter o cérebro ativo e em constante estímulo.
“Precisamos manter o cérebro sempre em atividade, seja com um aprendizado novo, ingresso a um novo curso de faculdade ou então o desejo de fazer um curso diferente, com uma atividade que geralmente não se tem o costume para quebrar o que a gente chama de rotina do cérebro, que ele fica um tanto no automático. Aprender coisas novas estimula bastante novas conexões cerebrais e não podemos perder isso de vista. É o que a gente chama de um processo de neuroplasticidade do cérebro, quando começa a ter novas atividades fora da rotina”, explicou Ana.
Psicóloga clínica e neuropsicóloga, Ana Katarina. Foto: Arquivo Pessoal
Como exemplo, a neuropsicóloga citou o encéfalo, região localizada no centro do sistema nervoso responsável por reter os aprendizados.
“Quando a gente estimula com as novas atividades aumenta a reserva cognitiva do ser humano, algo que as pessoas não fazem ideia, mas vai ser muito útil na idade mais avançada. Além do mais, as relações sociais ficam mais diversificadas, então você lida com novas personalidades, agora que os cursos voltaram a ser presenciais. Eu me lembrei de uma uma frase que Leonardo Da Vinci citou que fala que o conhecimento torna a alma jovem e diminui a amargura da velhice. Então quando você aprende algo novo, vai produzir os hormônios também necessários, como ocitocina e endorfina, o humor melhora, e as emoções são ativadas de todas as formas, inclusive aumenta a autoestima”, destacou Ana Katarina.
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