Em cinco anos, Olinda aumentou em 900% o número de egressos do sistema penitenciário trabalhando na cidade
Publicado por: Redação Secom, em: 06/12/21 às 10:55
Wladmir Paulino
Um novo caminho. Essa é a forma como os reeducandos que trabalham diariamente na limpeza da orla de Olinda encaram a oportunidade que ganharam. Mais do que um salário e vale-transporte, dignidade. Todos reconhecem os erros, alguns até reincidentes, mas os fatos de vestirem uma farda e serem parte da construção da sociedade, mudaram o olhar sobre a vida.
É o caso de Wellington Paulino Cavalcanti, de 48 anos. Formado em Gestão de Marketing, ficou desempregado. A oportunidade oferecida foi para assaltar pessoas que saíam de unidades bancárias, investida conhecida por ‘saidinha de banco’. Chegou a sair da prisão, mas caiu na mesma tentação, tomando o mesmo destino em 2010. Quatro anos depois, progrediu para o semiaberto. Mas, desta vez, seria diferente.
“Fiz a inscrição no Patronato Penitenciário em 2016 e passei a trabalhar na limpeza da PE-15 (trecho de Olinda) e depois aqui na orla como gari”, lembra. A organização e facilidade de comunicação adquiridas quando exercia sua profissão o promoveram a fiscal apenas três meses depois. Há um ano tornou-se supervisor da orla, função que coloca 50 homens e mulheres sob sua responsabilidade, incluindo aí os equipamentos. Sua ferramenta de trabalho passou a ser um automóvel, onde fica, literalmente, para cima e para baixo nos 7,6km de praia, de Del Chifre até a Santa, monitorando o trabalho.
“Conheço toda a orla, os pontos mais críticos de lixo, quem está trabalhando, onde está trabalhando, tudo que acontece aqui. Também faço o transporte dos materiais”, resume. Depois que passou ao semiaberto, Wellington já concluiu sua segunda graduação, em Teologia e, agora, faz a contagem regressiva para quitar sua dívida com a Justiça. No dia 24 de dezembro de 2022 termina o cumprimento da pena. “Essa oportunidade me fez acreditar muito em mim. Agora quero estudar Gestão Ambiental”, diz.
A conta que Wellington está perto de fechar foi concluída por Juliana Queiroz Gonçalves. A história dessa técnica de enfermagem de 37 anos é contada com o indefectível sotaque mineiro. Nascida e criada em Belo Horizonte, ela trabalhava como cuidadora de idosos numa instituição. Um namoro que virou casamento em apenas três meses a levou para um caminho nunca imaginado. Utilizada como ‘mula’ – pessoa que transporta a droga conscientemente ou não – foi presa ao desembarcar no Aeroporto dos Guararapes em março do ano passado com 16 kg de maconha numa mala. Na semana passada, assinou o alvará e agora é uma mulher livre.
Como a pandemia já se instalara no País, ela ficou de quarentena, numa cela, dormindo no chão. Condenada ao semiaberto na Colônia Penal feminina, começou a trabalhar quase imediatamente, na cozinha. O Patronato veio depois, já na orla. “Acordava às 4h40 para estar na orla às 6h”, lembra. O maior desejo dela é continuar a fazer aquilo que a levantou. “Quero continuar aqui na orla, espero conseguir uma vaga para continuar. Ganhei uma oportunidade de me reerguer, pois as pessoas veem a gente como bicho, como se fosse um assassino. Se os reeducandos tivessem mais oportunidades como essa, o mundo seria um lugar melhor”, ressalta.
Jarder Mário Blandes da Silva, de 42 anos, é fiscal do trecho entre o antigo Supermercado G Barbosa e o Flat Quatro Rodas. Tem sob sua responsabilidade outros 12 reeducandos. O crime entrou em sua vida com resultado de uma equação aparentemente ambígua: dificuldade financeira acesso rápido a dinheiro,. “Via os amigos com tudo e eu, por mais que trabalhasse, não tinha como ter as mesmas coisas”, conta o ex-encartelador de jornais e operador de remoção. Em 2013 foi preso por tráfico. Há três anos ganhou a oportunidade de trabalhar em Olinda. “O trabalho aqui foi uma espécie de limpeza mental, já estou há um ano como fiscal e quero montar um comércio para mim quando terminar o período aqui”, afirma.
A trajetória de Diogo Barbosa da Silva, de 34 anos, é semelhante. Condenado a 26 anos por assalto cumpriu oito em regime fechado. No semiaberto foi cozinheiro na Penitenciária Agrícola de Itamaracá (PAI) e depois de seis meses inscrito no Patronato veio para Olinda. “Sou pai de um casal de filhos e isso aqui abriu uma porta para mim. Agradeço muito ao Professor Lupércio por dar oportunidade aos reeducandos porque não é fácil. Olinda é a cidade que mais abre vagas para reeducandos e ele sempre vem aqui conversar e agradecer à gente”.
DIGNIDADE
Olinda é a cidade que mais emprega reeducandos, estando, atualmente, com mais de 400 distribuídos em todas as secretarias, com salário de R$ 1.365 (incluindo a remuneração mais vale-transporte). Apenas na orla são 50 trabalhando das 6h às 15. Eles varrem, capinam e recolhem o lixo na areia. Mas, antes de tudo, quebram um estigma. “É uma nova oportunidade de vida que nós temos, a sociedade nos julga muito, é como se a gente tivesse uma marca”, comenta o reeducando Bruno Ramos de Assunção, de 28 anos, condenado por tráfico e assalto.
A gestora da orla de Olinda, Renata Alves, lembra que o trabalho começou em 2016, com 40 egressos, um aumento de 900% em cinco anos. “A Justiça dá eles uma pena para cumprir. Nós, aqui, damos dignidade”.
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