Onde, até outro dia, havia casas e pessoas a andar, conversar, dormir, comer e trabalhar, hoje há somente montes de entulho e tocos de madeira queimada. Neste Dia das Mães, os moradores da comunidade de palafitas fincadas entre os dois braços da Ponte Governador Paulo Guerra, na Bacia do Pina, Zona Sul do Recife, mal têm tempo de pensar na tristeza e na revolta que sentem desde o incêndio devastador da última sexta-feira (6). Todas as forças agora são voltadas para sobreviver e recomeçar.
A Folha de Pernambuco voltou à localidade neste domingo (8) e conversou com algumas das famílias atingidas pelo fogo, que, segundo comentam, teria sido causado por um curto-circuito. Sem moradia, elas viram nas casas de parentes e amigos da própria comunidade ou de áreas próximas.
Nenhuma das vítimas optou por ficar no abrigo oferecido pela Prefeitura, que vai se reunir, na segunda-feira (9), com uma comissão formada por moradores.
No meio do corre-corre, grupos de voluntários distribuem donativos na tentativa de minimizar os prejuízos provocados pelo desastre. “São mais de 24 horas sem parar, desde que o incêndio aconteceu”, conta Maria Eduarda Fernandes, presidente do Instituto Vizinhos Solidários, entidade que atende a comunidade há dois anos.
Incêndio destruiu dezenas de palafitas à beira da Bacia do Pina, no Recife (Foto: Arthur Mota/Folha de Pernambuco)
Necessidade de tudo
As necessidades são inúmeras: de comida e água a roupas e itens de higiene pessoal. No momento em que a reportagem estava no local, três grupos atuavam em parceria. Embaixo, no meio da comunidade, a Cozinha Popular da campanha Mãos Solidárias, ligada a movimentos sociais, preparava os alimentos que seriam servidos nas refeições. Mais em cima, na Avenida Antônio de Góes, os Vizinhos Solidários entregavam colchões enquanto os voluntários da Semeando o Bem Recife doavam alimentos.
“Levamos agora para a Cozinha Solidária feijão, arroz, macarrão, produtos de limpeza. Tudo o que chegar é bem-vindo. Um rolo de papel higiênico já ajuda bastante”, recorda uma das responsáveis pela ação da Semeando o Bem, Tatiana Borges.
“Assim que iniciou a pandemia, a Cozinha começou a funcionar aqui, recebendo marmitas que vinham do Armazém do Campo e oferecendo almoço nos dias de terça e quinta-feira. Agora (depois do incêndio), é almoço e janta todo dia”, diz o diretor da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e voluntário da campanha Mãos Solidárias, Luiz Antônio Lourenzon.
Andrielly Kelly, 30, morava com a filha Lara, 10, em uma das casas atingidas (Foto: Arthur Mota/Folha de Pernambuco)
Urgência de recomeçar
Diante dos destroços, as mães da comunidade lamentam as perdas ao mesmo tempo que buscam reunir forças para reconstruir a vida. A pescadora e marisqueira Eliane Gomes da Silva, 55, por muito pouco, não teve a casa atingida pelo fogo. Mas o bar de onde ela tirava o sustento não escapou.
“Foi muito desespero, eu perdi tudo. Está muito difícil porque não estou podendo trabalhar, é disso que a gente vive. Como é que eu vou catar [marisco]? Como é que eu vou cozinhar? Eu queria tudo isso aqui de volta. Estava pensando aqui em como eu vou recomeçar”, afirma a trabalhadora autônoma, que tem três filhos e quatro netos.
Na tarde do incêndio, Janecleide Miranda Fernandes, 26, só conseguiu desligar e tirar o botijão de gás antes que a casa onde morava fosse consumida pelas chamas. Ela e os filhos, um menino de dez anos e uma menina de cinco, ficaram apenas com a roupa do corpo.
“Está muito difícil. A gente está dormindo na casa do meu irmão, que é de alvenaria. Está tia, minha mãe, meu pai, meu marido, meus dois filhos. Todo mundo. Agora, a gente vai ter que lutar para levantar”, comenta. “Estou vivendo das doações que chegam. Eu só estou vestindo esta roupa porque doaram”.
Vivendo de bicos, Andrielly Kelly, 30, morava com a filha de dez anos entre as casas de duas irmãs. As três residências foram abaixo. Na noite da tragédia, ela dormiu – ou tentou adormecer – no campo de futebol abaixo do Clube Líbano. Já do sábado para o domingo, ficou na casa de uma colega.
“Só Deus mesmo e as pessoas que vêm para ajudar. Eu estava ali, trabalhando, quando veio a notícia. Corri de volta e estava tudo destruído. Não deu para salvar nada”, lamenta Andrielly, que mora na comunidade desde 2015 porque já não conseguia mais pagar o aluguel em Boa Viagem.
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