- Author, Felipe Llambías
- Role, BBC News Mundo
- Twitter, @felipellambias
Ninguém ensina como ser pai ou mãe — e muito menos a criar um filho com autismo.
É o que pensa e sente Ximena Agrelo, uma farmacêutica argentina de 53 anos, mãe dos gêmeos Vicente e Fidel, hoje com 18 anos.
Vicente tem um nível de autismo grave.
A fala dele é limitada — ele pronuncia apenas frases curtas de três ou quatro palavras, que também são difíceis de entender para quem não faz parte do seu ambiente.
E é 100% dependente. Não consegue fazer nada sozinho.
Isso é o que mais preocupa Ximena: sobretudo, como vai ser no futuro, quando ela não estiver mais aqui?
É um tema comum entre pais de filhos com dificuldades extremas, que sofrem com a forma como vão envelhecer, quem vai cuidar deles quando já não puderem apoiá-los e o que os outros filhos ou familiares vão ter de enfrentar.
A seguir, Ximena conta a sua história e de Vicente em primeira pessoa.
Acho que foi o terceiro tratamento de fertilidade que fizemos. Eu tinha 34 anos. Foi uma gravidez muito, muito desejada — e tivemos gêmeos.
Quando eles estavam com oito meses, minha mãe, que era professora, me disse: “Tem algo errado com o Vicente”.
Eu não notava nada de estranho, mas com o passar do tempo, observamos que havia algumas coisas que não estavam bem.
Quando fomos consultar um neurologista, a princípio ele nos disse que poderia ser falta de maturidade, e que ele deveria entrar para o jardim de infância.
Mas quando voltamos um tempo depois ao consultório, ele viu o Vicente, e não precisou de mais nada para o diagnóstico: era autismo.
Foi um balde de água fria.
Tenho uma lembrança clara do silêncio que se instalou entre Juan Manuel, o pai deles, e eu no carro durante o trajeto de meia hora de volta para casa.
Não queríamos tocar no assunto.
Foi um momento de introspecção, uma mistura de emoções, de angústia, do que vai ser, de como vai ser. Foi um choque.
Mas, ao mesmo tempo, foi um momento de empoderamento para mim.
Acho que não tive muita consciência, muito menos do que outras mães com quem converso, que ficaram deprimidas e não saíram da cama
Eu e Juan Manuel nos separamos — e foi melhor assim.
Temos um excelente relacionamento, mas era uma carga parental com uma intensidade que você não tem normalmente.
Ele é um excelente pai, mora a três quarteirões daqui, e agora temos um esquema em que Vicente passa cinco dias com ele, e cinco comigo.
Isso também me permite recuperar energia.
Também nos esforçamos para focar em Fidel, que estava farto de ser o “segundo”, de ter que esperar.
Ele teve que aguentar uma série de questões por motivos óbvios, então a gente também fez esse esquema para ter dias dedicados ao Fidel, fazer atividades a sós com ele, sem o Vicente.
‘Não são anjinhos azuis’
O medo que sempre tenho em relação ao Vicente é que ele tenha alguma doença ou condição, porque ele tem um limiar de dor muito alto, e também não sabe dizer o que dói nele.
Quando pergunto, ele sempre responde: a cabeça ou a barriga, porque às vezes ele come sem parar. Mas não sabe dizer especificamente.
Há uma série de influenciadores no Instagram que têm algum grau de autismo, e falam sobre o que sabem que eles são — explicam, por exemplo, como os ruídos os afetam.
Eles são autistas, não tenho dúvidas. E entendo que as mães devem sofrer muito. Mas vão poder se apaixonar e, se quiser, construir uma família.
Isso não vai acontecer com todos. Com Vicente, por exemplo.
Não sei se ele sabe que é autista. Tampouco sabe sobre os males do mundo, e não tenho como fazer com que ele saiba. Confia 100%. Não conhece o mal.
Sou bastante direta quando falo sobre autismo, e a realidade é que se você me perguntar se eu gostaria de ter um menino sem a condição, eu diria que sim.
Eu gostaria de não ser mãe de uma pessoa com autismo, porque a vida se torna bastante complexa.
Nunca romantizei o autismo, eu e Fidel rimos porque as pessoas sempre falam que são anjinhos azuis.
Não existem anjinhos azuis.
A realidade não é que são pessoas amorosas, mas o que vem atrelado: que vai além de serem amorosas, dão um trabalho que é complexo. E, à medida que envelheço, e ele cresce, e que tenho consciência da finitude, penso no que vai acontecer com ele no dia em que eu não estiver mais aqui, ou que o pai dele não estiver.
Precisamos falar sobre isso
Infelizmente, fala-se sobre autismo até os 16 anos. Depois é como se desaparecessem da face da Terra — e é quando a presença é mais necessária.
Precisamos falar sobre isso, porque Vicente não vai poder morar sozinho, e há muitos Vicentes, muitos, que não vão conseguir viver sozinhos. No dia em que não estivermos mais aqui, aonde eles vão parar?
Não quero que seja um fardo para o Fidel.
Quando tinha 10 anos, ele me perguntou quanto eu pagava pelo plano de saúde do Vicente, quanto ele teria que pagar quando não estivéssemos mais presentes.
Por isso, quero encontrar uma forma de Vicente ser amparado, mas que também seja conveniente para Fidel.
Meu pai ficou em uma casa de repouso, e íamos visitá-lo três ou quatro vezes por semana. Em nenhum momento sentimos que o estávamos abandonando.
A atenção sempre se volta para a “pobre pessoa com autismo” — mas a saúde mental da família também é muito importante, e tampouco se fala sobre isso.
Para as mulheres que são mães de um filho autista, eu diria: Não parem de trabalhar, pelo amor de Deus! Continuem sendo mulheres, saiam com as amigas, frequentem a academia… porque a realidade é que se vocês não fizerem isso, seu cérebro vai fritar.
Às vezes, não tenho vontade de estar com o Vicente.
Uma vez, eu disse “não aguento mais”, e Fidel estava lá. E ele me disse: “Acontece comigo também, às vezes não aguento mais”.
É normal não aguentar. Está tudo bem em não aguentar.
É ter um bebê para o resto da vida
Nenhuma pessoa no mundo nasceu para ter um bebê para o resto da vida, e é isso que acontece com nós, pais, que temos um filho com autismo: temos um bebê para a vida toda, que temos que limpar a bunda, fazer a comida, escovar os dentes…
É o estresse que gera ter um bebê, multiplicado pela quantidade de anos que o bebê vive.
Soa horrível, mas me dá alívio dizer isso: Gostaria que ele morresse cinco minutos antes, ou um minuto antes de mim. Me preocupa mais deixá-lo sozinho ou deixá-lo com o irmão.
É algo ambíguo.
Me parte o coração, quero que seja a última coisa que aconteça, mas no fundo fico aliviada quando penso que ele morre antes de mim.
Por isso, a única coisa que quero é longevidade, viver até os 90 anos, para que assim, com o Vicente tendo 60 e poucos anos, sejamos capaz de encontrar um lugar mais adequado para ele.
Conheço uma mãe que tem um menino com autismo que é muito agressivo, então ela tem que interná-lo em uma clínica psiquiátrica.
Fico imaginando o Vicente com excesso de medicação, que não vão cuidar dele, que não vão aguentar ele pulando e gritando por perto.
É por isso que penso: Quem melhor para cuidar dele do que nós, sua mãe e seu pai?
Se, às vezes, ele nos tira do sério, imagine alguém que não tem um vínculo de amor com essa pessoa.
Temos muita sorte porque podemos pagar pelos seus cuidados agora, mas o futuro me gera frustração porque não existe nenhum tipo de política do Estado em relação a pessoas com esta condição.
Vejo mães que têm filhos com 37 anos, e não sabem o que fazer.
Autismo é autismo. Fazer tudo ao seu alcance não garante que seu filho seja independente.
A primeira coisa é a aceitação. Não se desespere. Aprenda a apreciá-lo. Do contrário, você vai passar a vida esperando que ele seja de uma maneira que nunca vai ser.
Ninguém nasce preparado para ser pai ou mãe, e muito menos para ser mãe de uma criança com autismo.
Fonte: BBC
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