- Leandro Prazeres
- Da BBC News Brasil em Brasília
Na última semana, o telefone celular mal saiu da mão de Letícia Hack Bahi. Na segunda-feira (6/6), surgiram os primeiros rumores sobre a morte em combate do seu irmão, André Luis Hack Bahi, na guerra na Ucrânia. Na quinta-feira (9/6), veio a confirmação oficial.
Pouco mais de 24 horas depois, a família ainda tenta se recuperar da notícia e atravessar a burocracia para repatriar o corpo de André. Seus familiares afirmam que não têm condições financeiras para bancar o traslado ao Brasil e que o governo brasileiro disse que não fará isso.
“Ele foi pra guerra salvar vidas, lutar por um país. Mas, agora, quem é que vai trazer ele de volta?”, indaga Letícia, em entrevista à BBC News Brasil.
André tinha 43 anos e fazia parte de um grupo de estrangeiros que se alistou voluntariamente para lutar ao lado dos ucranianos no conflito, que foi deflagrado em fevereiro quando militares russos invadiram o país. Segundo brasileiros que estão na Ucrânia, ele foi morto por forças russas. O Itamaraty confirmou oficialmente sua morte, mas não deu mais detalhes.
Segundo um homem que se apresentou, segundo a família, como comandante do pelotão de André, seu corpo estaria em um necrotério na região de Severodonetsk, no leste da Ucrânia, onde os confrontos vêm se intensificando.
Letícia diz que, desde o início da semana, procura autoridades brasileiras e ucranianas para tentar repatriar o corpo e que as informações são imprecisas.
“Ainda não sabemos como vai ficar. Ao que parece, o Itamaraty não pode pagar por isso. E a embaixada da Ucrânia diz que quem tem essas informações é o Itamaraty. Estamos desolados”, lamenta.
O Itamaraty diz que vem mantendo contato com a família, mas que não deverá custear o traslado do corpo.
“O traslado dos restos mortais de brasileiros falecidos no exterior é decisão da família. Não há previsão regulamentar e orçamentária para o pagamento do traslado com recursos públicos”, afirmou em nota enviada à BBC News Brasil.
A Embaixada da Ucrânia em Brasília também foi procurada, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.
Letícia diz que a continuidade do conflito e a incerteza sobre o local exato onde o corpo de irmão está dificultam as conversas sobre a repatriação.
“A gente sabe que é um contexto difícil, mas, mesmo assim, não podemos ficar sem as informações”, afirma.
Último desejo: cremação
Em Maranguape (CE), vive Riana Moreira, de 30 anos, companheira de André e mãe de uma de suas filhas, de 3 anos. Ela o conheceu durante um curso de sobrevivência ministrado por ele no interior do Ceará.
Os dois viviam juntos até fevereiro deste ano, quando ele se mudou para Portugal em busca de melhores condições de vida. Até então, ele trabalhava como motorista de aplicativo.
Riana afirmou que as tratativas sobre o translado do corpo de André têm sido feitas pelas irmãs do brasileiro. Segundo ela, chegaram a cogitar a possibilidade de que, em vez do corpo, fossem enviadas apenas suas cinzas.
“Era o último desejo dele. Ele dizia que, se morresse em combate, ele queria ser cremado e que suas cinzas fossem espalhadas um pouco no mar, aqui no Ceará, onde ele foi muito feliz, e um pouco na cidade onde os pais dele moram, no Rio Grande do Sul”, contou Riana.
Riana disse, no entanto, que, se o corpo for cremado na Ucrânia, ela não poderá sequer velar o pai de sua filha.
“Quando alguém morre, o velório faz parte do processo para você aceitar o que aconteceu. No caso dele, corro o risco de não dar um velório pra ele. Isso dói muito”, lamenta Riana à BBC News Brasil.
Caçula e obcecado por guerra
André nasceu em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. Foi o caçula e o único homem entre quatro filhos. Letícia lembrou, em uma entrevista concedida à BBC News Brasil logo após os primeiros rumores da morte do irmão, que ele demonstrou desde pequeno interesse pela temática bélica.
“Ele era apaixonado por assuntos de guerra. Quando era pequeno, ele adorava uns bonecos pequenos de soldado. Essa paixão continuou conforme ele cresceu.”
Letícia contou que André chegou a servir no Exército quando jovem. Depois de cumprir seu período no quartel, ele se formou como enfermeiro, mas logo encontrou uma forma de continuar no meio militar.
O apego de André pelo tema era visível em suas redes sociais. Em seu perfil no Instagram, há diversas fotos dele utilizando fardas e empunhando armas.
Segundo Letícia, André se alistou na Legião Estrangeira, um grupo militar sediado na França que envia combatentes para diferentes partes do mundo. Ainda de acordo com a irmã, teria participado de combates na Costa do Marfim, onde foi ferido, em 2017.
“A gente tentou convencer ele a desistir dessa ideia de guerra, mas ele sempre foi apaixonado por isso. Era o que ele queria fazer da vida”, disse Letícia.
A Legião com sede na França não está envolvida no conflito da Ucrânia, mas grupos de combatentes voluntários estrangeiros têm se deslocado para o país desde o início da guerra.
A irmã de André contou que a família acompanhou com tensão sua presença no conflito. Segundo ela, o irmão manteve contato por aplicativos de mensagens e enviou vídeos e fotos das atrocidades que encontrou na área de combate.
Riana lamenta que a morte de André tenha desencadeado uma onda de mensagens ofensivas em relação a ele.
“É difícil lidar com isso porque tem muita gente dizendo que ele era nazista, que a morte dele foi ‘bem-feito’. São pessoas que não conhecem ele. Não vou deixar as pessoas falarem dele assim e nem vou deixar que minha filha esqueça do pai. Ele me pedia que, se algo acontecesse com ele, que eu não deixasse ela se esquecer dele.”
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