- Author, Paula Rosas
- Role, BBC News Mundo
- Twitter, @melibea20
Todas estas “notícias” fazem parte de diferentes campanhas de desinformação com origem na Rússia que tomaram conta das redes sociais na Europa nos meses que antecederam as eleições para o Parlamento Europeu, que começaram na quinta-feira (6/6).
Sob o velho lema de “dividir para conquistar”, a Rússia está com os olhos voltados para a vizinha União Europeia, onde, segundo analistas, tentar minar o apoio à Ucrânia e criar divisões no bloco.
Para isso, conta com uma rede de aliados, tanto nos governos quanto na oposição, que, por afinidades políticas, estratégicas ou simplesmente por dinheiro, minam o consenso, geram tensão e defendem os interesses russos no continente, advertem os especialistas.
“Há duas maneiras de tornar seu país mais poderoso. Uma é investir internamente para torná-lo mais poderoso, e a outra é investir para enfraquecer seus inimigos. E, muitas vezes, o segundo é mais barato, e mais eficaz do que o primeiro”, diz Ian Bond, vice-diretor do Centre for European Reform, com sede em Londres, à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC.
Para o presidente russo, Vladimir Putin, a criação de divisões na Europa, entre a União Europeia e os Estados Unidos ou dentro do próprio país norte-americano, “é uma vitória para ele, quase independentemente do que aconteça nas próximas eleições europeias”, defende o especialista em Rússia.
E o que seus aliados ganham? Alguns esperam dinheiro em troca, e outros acreditam que suas ideias estão alinhadas com as de Putin, a quem enxergam como um promotor dos valores tradicionais, do cristianismo, da oposição ao casamento homossexual e de um estilo de vida menos convencional, explica Bond.
A desarticulação de uma rede pró-Rússia que pagava deputados europeus para promover a propaganda do Kremlin é apenas o exemplo mais recente de uma campanha de influência há anos em andamento — e que colocou as instituições europeias em alerta.
Como alertou a vice-presidente da Comissão Europeia, Věra Jourová, numa declaração ao site Politico, “não podemos nos dar ao luxo de estar um passo atrás de Putin e do seu exército de propaganda no tabuleiro de xadrez. Precisamos ter em mente constantemente que ele vai usar a desinformação e a ingerência estrangeira como arma para dividir a Europa”.
Nas eleições, que acontecem de 6 a 9 de junho, cidadãos dos 27 países membros da União Europeia vão eleger os 720 deputados do Parlamento Europeu, que tem poderes (junto ao Conselho da União Europeia, composto por governos) para, entre outras coisas, aprovar e modificar o orçamento do bloco.
Governos aliados
A Rússia tem defensores tanto nos partidos da oposição quanto nos governos que estão alinhados com os objetivos de Putin na Europa.
Possivelmente, o primeiro da lista, e o que tem dado mais dor de cabeça às instituições europeias, é o partido ultranacionalista de direita Fidesz, de Viktor Orbán, que governa a Hungria desde 2010.
Orbán foi descrito por alguns analistas como uma “quinta-coluna na União Europeia e na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan)”, obstruindo há anos os esforços para conter a influência russa.
O líder húngaro defendeu a “democracia iliberal” em um famoso discurso em 2014 — e, assim como Putin, cultivou a imagem de “homem forte”, que condena o liberalismo ocidental e defende os valores tradicionais.
Sua lealdade aos regimes russo e chinês rendeu algumas vantagens, como os empréstimos recebidos dos bancos russos para realizar grandes projetos estatais, e a decisão — talvez anedótica, mas certamente simbólica — da gigante russa Gazprom de patrocinar o principal time de futebol do país, o Ferencvárosi, ligado ao governo.
Em troca, Orbán se tornou a principal pedra no sapato da União Europeia, dificultando tanto o envio de ajuda à Ucrânia, quanto os planos de utilização de ativos russos congelados pelas sanções contra Moscou para armar Kiev.
Na esteira de Orbán, está Robert Fico, o primeiro-ministro da Eslováquia que sofreu recentemente uma tentativa de assassinato.
Fico disse que Putin foi “injustamente demonizado” pelo Ocidente, e que Kiev deveria baixar as armas e aceitar um acordo de paz, enquanto seu governo se opôs ao envio de ajuda militar à Ucrânia.
Seu discurso permeou o país, que é membro da União Europeia e da zona do euro.
“Uma percentagem significativa de eslovacos acredita que os Estados Unidos, e não a Rússia, são responsáveis pela guerra na Ucrânia, algo que é atípico nos países da região”, afirma Ian Bond.
No passado, alguns líderes, como o ex-chanceler alemão Gerhard Schöder e o ex-primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, também cultivaram um relacionamento com Putin durante seus mandatos e quando deixaram o poder.
Berlusconi chegou a visitar adegas com Putin na península da Crimeia, depois que ela foi anexada pela Rússia em 2014. E Schröder enfureceu muitos europeus ao se manter próximo do presidente russo mesmo após o início da invasão da Ucrânia em 2022.
Aliados na extrema direita europeia
Mas se a Hungria e a Eslováquia são os governos da União Europeia mais próximos da Rússia, Putin também conta com aliados em partidos da oposição, especialmente em grupos de extrema direita.
O partido Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão) é, segundo analistas, um deles.
Dois dos seus membros, mais precisamente o número um e dois da sua lista para as eleições para o Parlamento Europeu, foram ligados a uma rede que aparentemente utilizava o meio digital Voice of Europe para difundir propaganda russa em 16 línguas, e teria pagado a políticos de extrema direita para transmitir estas ideias.
Segundo o jornal alemão Der Spiegel, o Voice of Europe é uma pequena parte de uma operação russa de grande escala na qual o AfD desempenha um papel central.
O partido alemão eurocético e anti-imigração criticou a União Europeia por seu apoio a Kiev e, desde há algum tempo, difunde a narrativa de que a Rússia está travando uma guerra na Ucrânia porque o Ocidente violou seus interesses de segurança, segundo denunciou o próprio presidente da agência de inteligência alemã, Thomas Haldenwang.
Um dos partidos europeus que se vinculou à Rússia nos últimos anos é o Reagrupamento Nacional (RN), de Marine Le Pen, na França.
Os sinais estavam por toda parte, mas talvez o mais significativo de todos tenha sido a viagem que Le Pen fez às vésperas das eleições presidenciais de 2017 a Moscou para se reunir com Vladimir Putin e se vangloriar do apoio à sua candidatura.
Três anos antes, seu partido havia recebido um empréstimo milionário de um obscuro banco russo para financiar a campanha para as eleições regionais de 2015, algo que, segundo Le Pen, se devia ao fato de nenhuma entidade europeia querer emprestar o dinheiro.
Desde a invasão russa da Ucrânia, no entanto, seu discurso se tornou mais cauteloso.
“Acho que Le Pen percebeu que a Rússia estava usando ela. Os russos são muito cínicos em relação aos seus supostos aliados na Europa. Pode ser que os apoiem hoje, e os descartem quando deixarem de precisar deles”, avalia Anton Shekhovtsov, diretor do Centro para a Integridade Democrática, em conversa com a BBC News Mundo.
A invasão foi muito impopular na Europa e, segundo o cientista político, Le Pen “que é populista, soube quando se distanciar dos russos, e este foi um passo tático muito inteligente da sua parte”.
A extrema direita austríaca também está na lista de quem é próximo do Kremlin.
O Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ) possui uma forte relação com o partido de Putin.
Talvez quem melhor soube encenar este idílio tenha sido a então ministra das Relações Exteriores austríaca, Karin Kneissl, que em 2018 convidou Putin para seu casamento e, após dançar com ele, fez uma reverência perante o presidente russo. Kneissl havia sido nomeada pelo FPÖ, que fazia parte do governo de coalizão.
Um ano depois, Heinz-Christian Strache, então líder do FPÖ e vice-chanceler do país, e seu número dois protagonizaram o escândalo político conhecido como “caso Ibiza”. Ambos foram filmados na ilha espanhola aceitando a proposta de uma mulher misteriosa que estava se passando por sobrinha de um magnata russo, e que ofereceu a eles uma cobertura favorável na mídia em troca de contratos governamentais.
O escândalo levou ao colapso do governo de coalizão e à convocação de novas eleições.
Outro partido que o Kremlin corteja há anos na Europa é a Liga, de Matteo Salvini, na Itália, que assinou um acordo em 2017 com o partido Rússia Unida, de Putin.
O vice-primeiro-ministro italiano afirma que este acordo não está mais em vigor, mas as suspeitas de que sua legenda tenha recebido dinheiro russo ao longo dos anos atormentaram Salvini em diversas ocasiões, algo que ele nega.
Desde a invasão russa da Ucrânia, como aconteceu com o RN francês, a situação mudou.
Salvini pediu — à boca pequena, segundo seus críticos — o fim da guerra, e apagou das suas redes sociais as fotos que tirou em frente ao Kremlin em 2019 com uma camiseta com a imagem de Putin.
No que diz respeito à sua relação com o Kremlin, “o partido já estava dividido antes, quando alguns membros criticaram a Rússia de forma muito veemente pelo envenenamento do (líder da oposição russa Alexei) Navalny, e esta ala assumiu a política externa do partido após a invasão da Ucrânia”, explica Anton Shekhovtsov.
Embora Salvini não estivesse neste grupo, afirma o pesquisador, “ele teve que seguir essa linha porque era a agenda que o partido havia estabelecido”.
Como a Rússia tenta influenciar a campanha
Desde 2023, observa Shekhovtsov, “a Rússia está tentando de forma frenética difundir sua narrativa por todas as partes, por isso aproveita todas as oportunidades e lugares para espalhar sua propaganda e desinformação”.
Na campanha eleitoral europeia, por exemplo, tenta influenciar os contextos nacionais, promovendo a desconfiança em relação às instituições europeias e favorecendo os partidos que servem aos seus interesses, segundo os analistas.
Qualquer questão que possa gerar descontentamento, desunião ou atrito dentro de um país pode se tornar alvo das suas redes de desinformação.
Para isso, utiliza todo tipo de técnicas, desde campanhas de desinformação nas redes sociais — como as detectadas pelo EU vs Desinfo, um projeto da União Europeia que identifica, analisa e conscientiza sobre a desinformação — até fontes diplomáticas.
Parte desta campanha parece ter incluído o uso do Voice of Europe e das supostas conexões com deputados europeus, que teriam sido “pagos para promover a propaganda russa”, segundo denunciou o primeiro-ministro belga, Alexander De Croo.
Após a invasão da Ucrânia, a União Europeia suspendeu dois meios de comunicação do Kremlin, o RT e o Sputnik, acusando-os de difundir propaganda. Eles ainda estão acessíveis, no entanto, em grande parte da Europa, conforme denunciou a imprensa ucraniana.
Para Anton Shekhovtsov, o principal objetivo da Rússia neste momento ao tentar influenciar as eleições europeias está relacionado com a guerra na Ucrânia.
“Seu objetivo mais importante é vencer a guerra, e só vai conseguir fazer isso minando o apoio ocidental à Ucrânia. Sem este apoio, a Ucrânia está condenada ao fracasso”, argumenta Shekhovtsov, autor do livro Russia and the Western Far Right: Tango Noir (“Rússia e a extrema direita ocidental: Tango Noir”, em tradução livre).
Na sua opinião, Moscou teve algum êxito nisto, “não só por meio da propaganda e da desinformação, mas também por meio da tradicional dissuasão com o mito da escalada, que fez com que a Alemanha, por exemplo, não enviasse os mísseis Taurus para a Ucrânia”.
Além disso, uma sociedade polarizada tem mais dificuldade de chegar a um consenso, lembra Ian Bond: “Na Europa, fica mais difícil tomar decisões. Vemos isso, por exemplo, com a frustração que existe com Viktor Orbán, que bloqueia o dinheiro para ajuda militar da União Europeia à Ucrânia. E tudo isso é uma vitória para Putin.”
A Rússia está interessada, diz Anton Shekhovtsov, “que a Europa tenha o máximo de problema possível, uma vez que isso distrai os países europeus da guerra na Ucrânia. Então, não importa como ela consegue isso, seja apoiando a extrema direita ou separatistas ou corrompendo políticos convencionais”.
Fonte: BBC
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